É assim que você vive no fundo do oceano

Você pode vê-lo da superfície da água: um contorno azul 15 metros abaixo. Aquarius. A última base submarina. Mergulhar até lá é como cair lentamente em outro planeta.Eu queria ter vivido lá. Os peixes seriam meus vizinhos. O céu seria sempre azul — ainda que um pouco úmido. E, em vez de caminhadas, eu sairia […]
Aquarius

Você pode vê-lo da superfície da água: um contorno azul 15 metros abaixo. Aquarius. A última base submarina. Mergulhar até lá é como cair lentamente em outro planeta.Eu queria ter vivido lá. Os peixes seriam meus vizinhos. O céu seria sempre azul — ainda que um pouco úmido. E, em vez de caminhadas, eu sairia para nadar. Nesse sábado, assisti à movimentação na Aquarius. E então era a minha vez. Eu vesti meu equipamento e pulei na água.

A visibilidade era de 18~21 metros, como costuma ser aqui. Pude ver cardumes aqui e ali no casco; ela se parecia com um daqueles trailers grandes vistos em filmes — se um trailer daqueles fosse projetado para ser levado atrás de um submarino nuclear.

Tão logo descemos, o relógio começou a contagem regressiva. Como não estou acostumado com mergulhos prolongados (como os Aquanautas estão), só poderia ficar ali por 82 minutos. A base da Aquarius fica a 18,2 metros, no fundo do Conch Reef, mas leva menos de dois minutos para chegar a sua entrada, que fica a 14,6 metros. Isso deixa 10 minutos para trocar minhas roupas e 10 minutos no fim da visita para sair de lá e voltar à superfície. E cerca de uma hora na base. Não dá para perder muito tempo com os peixes.

Sessenta minutos. Em poucos segundos estávamos a nove metros e ficou claro: essa base não é só um cilindro de 80 toneladas com 13,1 metros de comprimento e 2,7 metros de largura.

Ela está viva.

Em seus 20 anos de operação, a base foi de uma primitiva peça de metal pintada de amarelo (um objeto alienígena colocado ali pelo homem) para uma peça nativa recoberta pelo recife, onde a vida marinha e seres humanos convivem lado a lado. Peixes passeiam e aparecem em cada abertura o dia todo, sem medo dos humanos de dentro ou de visitantes, como nós. Corais crescem livremente e as janelas precisam ser raspadas para remover a bioincrustação toda semana usando lixas não abrasivas da 3M.

Nadei até um porão da base e olhei no espelho d’água de uma abertura de manobras. O reflexo é perfeito para evitar que o efeito de ondulação da água faça com que ela escorra de cima da câmara pressurizada.

Quando coloquei meu rosto através do espelho, me deparei com a coisa mais estranha: ar. Você já viu aberturas de manobras naqueles filmes de tubarões assassinos: elas são a fronteira entre o oceano e e base. A água é mantida longe pela pressurização da Aquarius, 2,5x do nível de ar do mar. É incrível como isso funciona na prática. Se o ar interno, que não é úmido como eu pensava que seria mas espesso à sua maneira, estiver na mesma pressão que a do nível do mar enquanto a câmara estiver aberta, a base seria inundada. O ar é tão denso que a minha voz ficou mais alta.

A sala é incrível. Ela parece como o porão de um grande navio que fica acima da linha da água. Tudo está lá, menos a água. Olhando para baixo, peixes formaram seus cardumes na água no tempo em que levei para tirar meu equipamento de mergulho, me livrei da roupa de neoprene, tirei os sapatos e guardei minha câmera em um balde com água para que ela não se quebrasse com a pressão.

Antes de colocar minha roupa seca, me livrei da água salgada em um chuveiro que tem uma janelinha preenchida por mais peixes e uma parede com válvulas de suprimento de ar. A água fresca é quente, bombeada a cada 3 dias para um tanque de mais de mil litros pela mesma embarcação de suporte e mergulhadores que me levaram até lá embaixo.

Há uma câmara de pressão que é selada durante a sessão de descompressão da saída. E um espaço funcional com máscaras de ar de emergência. Cada porta é controlada por um sistema pneumático que lida com alavancas quase enferrujadas.

Dentro da cabine principal, conheci os Aquanautas.

Os Aquanautas nesta missão são o cineasta e explorador DJ Roller; Dale Stokes, oceanógrafo da Scripps; o professor de ciência marinha Mark Patterson; a bióloga marinha e exploradora-residente da National Geographic Sylvia Earle e dois técnicos em mergulho da Aquarius: Ryan e James. Eles chegaram sem malas, que foram enviadas ao fundo do mar antes deles, em potes de tintas que são lacrados com parafusos.

No dia anterior à descida, eles colocaram suas roupas, computadores, câmeras e equipamento de mergulho em sacos de lixo que seriam levados para baixo no habitat. Cada um deles tinha que decidir o que levar, já que o espaço é limitado. Livros são um luxo e alguns foram deixados para trás. Comida foi descida, também, consistindo na maior parte em lanches e porcarias, com algumas frutas pelo menos. M&M’s de amendoim foram enviados em uma proporção de “pelo menos 1,3 kg.” Eles ficarão por aqui por um tempo. “Este lugar nos dá o tempo como um presente”, disse Earle.

Por que ficar lá embaixo por tanto tempo? É como a diferença entre estar em férias em um país e ser um estudante de intercâmbio lá. Você começa a ver as coisas como um nativo. Earle explica: “na realidade, ver um peixe comer outro peixe é bem incomum. Você precisa estar lá no momento certo e eles precisam estar acostumados à sua presença. Uma coisa que amo deste lugar é que os peixes realmente parecem aceitar as pessoas que estão em volta, mesmo quando as pessoas soltam um monte de bolhas que geralmente afastariam os peixes. E eles não fogem rapidamente. É mais como a vida em torno de um recife que jamais havia sido vista por humanos.”

Se a Aquarius fechar, não há outro habitat como esse no mundo que permita uma observação presencial por longos períodos.

É difícil encontrar qualquer outro lugar como esse acima da água também. O interior tem uma estranha mistura de confortos, equipamento científico e botões e mostradores que literalmente o mantêm vivo. É estranho e magnífico andar por aquele lugar:

Há uma cozinha do lado esquerdo com um microondas. Acima: uma estiva para comida desidratada.

Há uma galeria que abriga quatro pessoas em uma mesa de alumínio, com uma generosa vista do mar.

Há duas mesas, uma com uma linha direta para a “mesa de observação” e outra com acesso ao mundo via VoIP usando a conexão de Internet, que eu medi, sem rigor científico, chegando a quase 10 Mb/s para upload e 1 Mb/s para download. Na maior parte do tempo ela é usada para transmitir vídeo.

A rede Wi-Fi não tem segurança, mas boa sorte ao tentar se conectar a ela do lado de fora da base.

Há um controlador de ar e uma geladeira, cheia de M&Ms, ovos e queijo. Não há cerveja. Não é permitido.

O fim da base tem seis camas do tipo beliche, três de um lado, acompanhando outra janela que os Aquanautas chama de “vista de 2 milhões de dólares.”

Eu tinha um plano de fazer diversos relatos dessa primeira viagem. Falhei. Estava inebriado pelo senso de deserto e hostilidade do lugar, e do desprezo das necessidades do homem por ar e conforto em seu habitat. Em segundos, ela se tornou uma segunda casa.

Gravei alguns vídeos, tirei algumas fotos, publiquei outras no Instagram.

O DJ Roller fez um tour pelos incontáveis mostradores, sistemas de controle de pressão e controles elétricos.

E então, já era hora de voltar. Meus 60 minutos tinham acabado.

Missão Aquarius é nossa viagem de uma semana para o último habitat submarino do mundo: a Aquarius Reed Base.

Brian Lam é um jornalista explorador de oceanos e editor do Scuttlefish e do Wirecutter. Ele é veterano do Giz e colaborador da Wired. Os vídeos foram fornecidos pela One World One Ocean, uma campanha dedicada a contar a história do oceano através da multimídia.

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