Elite de Davos: público terá que pagar a requalificação dos desempregados por causa da automação

Um dos mitos mais notórios sobre a automação é que ela é uma força da natureza sem face e elementar à qual nós, humanos insignificantes, só somos capazes de lutar para nos adaptarmos. Isso é um determinismo tecnológico em sua forma mais agressiva — e, geralmente, uma enorme falácia. • Fórum Econômico Mundial prevê que […]
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Um dos mitos mais notórios sobre a automação é que ela é uma força da natureza sem face e elementar à qual nós, humanos insignificantes, só somos capazes de lutar para nos adaptarmos. Isso é um determinismo tecnológico em sua forma mais agressiva — e, geralmente, uma enorme falácia.

Fórum Econômico Mundial prevê que robôs farão mais tarefas que humanos em 2025

A automação é, na verdade, o resultado de decisões conscientes, principalmente a nível executivo e gerencial (embora nem sempre). Há muitas escolhas que moldam a tendência geral da automação, tanto pelos empregadores que pensam em implantar a automação como pelos funcionários que realmente interagem com a automação resultante. Pode ser um impulso, especialmente entre aqueles que detêm os recursos e o poder necessários para fazê-la acontecer, mas não é preestabelecido por qualquer meio.

Isso é importante, porque o maior resultado da definição da automação como uma força da natureza é que surgem relatórios como o que saiu do Fórum Econômico Mundial, em Davos, onde os executivos mais ricos do mundo e os políticos que os amam estão atualmente discutindo política econômica enquanto comem fondue juntos em uma montanha suíça.

O relatório, intitulado “Rumo a uma Revolução de Requalificação: A Ação Liderada pela Indústria para o Futuro do Trabalho“, afirma que, dos quase um milhão e meio de norte-americanos que estão destinados a perder seus empregos, a indústria privada (ou seja, aqueles que empregam a maioria deles) só será capaz de requalificar lucrativamente um quarto deles: “Com um investimento total de US$ 4,7 bilhões, o setor privado poderia requalificar 25% de todos os trabalhadores em empregos prejudicados (pela automação) com um saldo positivo de custo-benefício”. Segundo o relatório, o restante da carga de “requalificação” dos trabalhadores recairá sobre o governo, o que custaria US$ 19,9 bilhões de financiamento público.

Ilustração: Fórum Econômico Mundial

Requalificar trabalhadores no bloco de cortes da automação parece uma proposta de sucesso, certo? Como Saadia Zahidi, diretora administrativa do Fórum Econômico Mundial e diretora do Centro de Nova Economia e Sociedade, disse em um comunicado de imprensa, “a questão de quem paga pelos trabalhadores encalhados e pela melhoria das qualificações necessárias em todas as economias está se tornando urgente”.

Mas vamos parar um pouquinho e olhar para o que está realmente acontecendo: um relatório publicado em nome dos empresários mais ricos do mundo prevê que esses mesmos empresários vão automatizar mais de um milhão de vagas de emprego, deixando seus trabalhadores desempregados — colhendo de forma ostensiva os lucros dos ganhos de eficiência e economizando custos trabalhistas — e conclui que o público terá de pagar a conta para requalificar os trabalhadores “encalhados”. Assim, eles podem ser recontratados ou “aperfeiçoados” nas novas indústrias focadas na automação do futuro nessas mesmas empresas, em que eles poderão continuar a gerar lucros para elites ricas.

O Fórum Econômico Mundial está basicamente dizendo que os governos devem subsidiar o (re) treinamento da futura força de trabalho que suas empresas perturbaram em nome do aumento dos lucros.

Ilustração: Fórum Econômico Mundial

Eu sei, isso é simplificar um pouco a questão, mas é preciso fazer uma correção rigorosa de curso aqui. Esses relatórios só conseguem ver o capitalismo de automação como inevitável — e eles quase sempre escondem o fato de que os maiores beneficiários de suas conclusões são as mesmas pessoas que andam por Davos soltando clichês sobre o futuro do trabalho.

Não há dúvidas de que a automação provará ser uma força de ruptura, mas é importante ter em mente que previsões e relatórios como esse são combinados no interesse principal de garantir que não sejam uma ruptura para aqueles que lucram com a automação. Há muitas coisas que podem ser feitas em nome da suavização da transição para uma sociedade cada vez mais automatizada — e até mesmo, pasmem, no sentido de compartilhar mais equitativamente os benefícios econômicos da automação.

Pedir aos governos do mundo que financiem o projeto de requalificação da próxima leva de funcionários corporativos para que eles possam mais uma vez encontrar um emprego adequado nas empresas de Jeff Bezos e Bill Gates não é uma dessas coisas que suavizariam a transição.

Nós definitivamente precisamos superar essa pobreza de pensamento em torno da automação — e superar também a pobreza de fato a que esse cenário pode levar — de que o único caminho adiante é treinar novamente a força de trabalho de forma que ela continue a maximizar os lucros das empresas.

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