Encontradas na Bahia as rochas mais antigas da América do Sul

Material de 3,65 bilhões de anos foi achado na região da Chapada Diamantina - e ajudam como ninguém a recriar o passado geológico da região
Imagem: Elson Paiva de Oliveira/FAPESP

Texto: Meghie Rodrigues, da Pesquisa FAPESP 

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Como a história de vida de uma pessoa ou família fica registrada em documentos, imagens e objetos, a memória do passado distante do planeta é preservada nas rochas. Por terem atravessado vários processos de deformação ao longo das eras geológicas, as rochas muito antigas, especialmente as de idade superior a 3,5 bilhões de anos, ocorrem muito raramente expostas na superfície. São, portanto, difíceis de achar e estudar.

Um grupo de pesquisadores brasileiros encontrou no município baiano de Piritiba, na região da Chapada Diamantina, as rochas mais antigas da América do Sul. Com 3,65 bilhões de anos de idade, elas datam do Eoarqueano, a primeira era da escala geológica a abrigar uma crosta sólida no ambiente terrestre, que abrange o período entre 4 bilhões e 3,6 bilhões de anos atrás. Quando essas rochas foram formadas, a Terra tinha pouco menos de 1 bilhão de anos e as primeiras formas de vida estavam surgindo.

“Encontrar amostras geológicas tão antigas em uma região tropical como a nossa é quase um milagre”, diz o geólogo Elson Paiva de Oliveira, do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (IG-Unicamp), coautor do estudo que conta os detalhes da descoberta, publicado em fevereiro deste ano na revista Geoscience Frontiers. Nas áreas mais próximas ao Equador, o processo de erosão e desgaste de formações rochosas é potencializado pelo clima quente e chuvas abundantes e torna ainda mais rara a preservação de amostra tão antiga. Os materiais conhecidos mais antigos da Terra são oriundos de Jack Hills, na Austrália, com até 4,4 bilhões de anos, e de Acasta, no Canadá, de pouco mais de 4 bilhões de anos.

O achado não foi o primeiro dos pesquisadores na região da Chapada Diamantina. Em 2020, um estudo liderado por Oliveira e publicado na revista científica Terra Nova relatou a descoberta de rochas com 3,64 bilhões de anos, 10 milhões de anos mais novas do que as descritas agora. Elas também foram encontradas nos arredores de Piritiba, no chamado cráton São Francisco. Blocos rochosos da costa continental que se mantêm razoavelmente estáveis por longos períodos são denominados crátons pelos geólogos. Essa descoberta inicial foi o ponto de partida para o estudo mais recente.

“Resolvemos fazer uma busca de norte a sul na região e encontramos rochas ainda mais antigas e uma série de outras que contam a história de como se formou nosso continente”, explica o geólogo Igor Moreira, orientando de doutorado de Oliveira e autor principal do artigo deste ano. Além do material do Eoarqueano, o novo trabalho descreve amostras geológicas de duas outras eras: do Paleoarqueano, entre 3,6 bilhões e 3,2 bilhões de anos atrás, quando os continentes começaram a se formar; e do Neoarqueano, que vai de 2,8 bilhões a 2,5 bilhões de anos atrás, período em que as primeiras bactérias começaram a evoluir. “Com todas essas amostras, conseguimos contar uma história mais antiga para os continentes”, comenta Moreira.

O trecho de ocorrência dessas rochas antigas abrange um segmento de aproximadamente 400 quilômetros a leste da Chapada Diamantina, entre os municípios baianos de Juazeiro e Ruy Barbosa. Essa faixa, denominada Complexo Mairi pelos geólogos, faz parte do trecho nordeste do cráton São Francisco. Um dos primeiros embriões de continentes a surgir no planeta, esse cráton é uma grande área que vai do Sudeste ao Nordeste do Brasil. Começa em Belo Horizonte, passa por Brasília e Salvador, e se estende até próximo a Aracaju, capital de Sergipe.

O cráton São Francisco é um dos terrenos com evolução mais antiga do planeta, com exposições rochosas na superfície muito bem preservadas. Esses afloramentos eventualmente trazem à tona um tipo de rocha metamórfica – criada pela transformação de materiais preexistentes quando submetidos a altas temperaturas e pressões – de estrutura cristalina, geralmente disposta em bandas: os gnaisses.

“As rochas metamórficas atravessaram muitos processos geológicos. Por isso, as rochas mais antigas da superfície apresentam essa característica”, explica a geóloga Natali Barbosa, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que não participou do estudo com as amostras de Piritiba. “Os gnaisses são geralmente formados na base de cadeias de montanhas e estão na fronteira entre a crosta superior e inferior da Terra, a profundidade aproximada de 20 quilômetros.”

Datação de zircão

Não há marcadores visuais ou morfológicos que diferenciam rochas muito antigas de outras com formação mais recente. Para apontar a idade das novas amostras de Piritiba, foi preciso fazer a datação de cristais do mineral zircão presentes na região. A partir da taxa de decaimento radioativo de formas leves e pesadas do átomo de urânio encontrado no zircão, os pesquisadores determinam a idade de uma amostra geológica. No Laboratório de Geocronologia (Lagis) do IG-Unicamp, foi usada a técnica de ablação a laser, que consiste na perfuração de grãos de zircão por um feixe desse tipo de luz. “Dessa forma, estabelecemos a idade de 3,65 bilhões de anos para as amostras”, conta Oliveira.

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O estudo de rochas tão ou mais antigas do que as de Piritiba é importante para entender com mais precisão o que ocorreu nos primórdios da Terra e, a partir dessa compreensão, tentar projetar o futuro do planeta. As amostras de 4,4 bilhões de anos encontradas na Austrália, por exemplo, dão pistas sobre a presença de água na superfície pouco mais de 100 milhões de anos depois da constituição do planeta. Nem tudo era fogo na infância da Terra, que se formou há 4,56 bilhões de anos.

Para Oliveira, as amostras geológicas mais antigas da região da Chapada Diamantina, além de sua relevância científica, também devem ser vistas como um patrimônio natural e cultural da região. “Não foi um processo simples convencer a prefeitura de Piritiba da importância das rochas”, conta o geólogo da Unicamp. “Em setembro, o município completa 70 anos de emancipação política e a existência dessa raridade geológica na região vai ser destacada. Áreas de interesse geológico atraem turismo e têm potencial de melhorar a educação local.”

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