Tecnologia

Engenharia aeroespacial: um drone para explorar outros planetas

Veículo aéreo não tripulado é projetado para voar em Marte e regiões inóspitas da Terra
Imagem: Alexandre Affonso sobre desenhos da UFRN 

Imagem: Domingos Zaparolli/Revista Pesquisa Fapesp

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m drone com geração de energia híbrida, solar fotovoltaica e eólica, capaz de decolar na vertical e pairar no ar, como um helicóptero, e se deslocar com asas na horizontal como um avião, teria a capacidade de realizar missões com objetivos diversos e de longa duração em áreas inóspitas na Terra ou em outros planetas com atmosfera, como é o caso de Marte. O projeto de um veículo aéreo não tripulado (vant) – nome oficial dos drones – com essas características foi liderado pelo engenheiro mecânico potiguar Alysson Nascimento de Lucena com apoio de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos (SP). Uma patente do aparelho, chamado por seus inventores de Vant Marte, foi depositada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em dezembro de 2023.

A inspiração de Lucena veio de problemas enfrentados por aparelhos com propulsão solar da agência norte-​americana Nasa em missões em Marte. Em 2022, o drone Ingenuity, o primeiro a sobrevoar o solo marciano, ficou paralisado durante dias por impossibilidade de recarregar a bateria, uma vez que o acúmulo de poeira impedia que os raios solares chegassem às placas fotovoltaicas acopladas em sua estrutura. No mesmo ano, a dificuldade de captar energia solar devido ao acúmulo de poeira levou ao encerramento da missão de pesquisa geológica da sonda InSight, também em Marte.

“A bateria de um vant proporciona autonomia de voo de 20 a 30 minutos. A maior parte do tempo ele fica em repouso, recarregando a bateria. Nas missões em Marte, esse tempo de repouso leva a um acúmulo de poeira sobre as placas fotovoltaicas, reduzindo a eficiência da recarga, e não há humanos por perto nem um sistema autônomo de remoção dessa poeira”, explica Lucena.

A inovação proposta pelo engenheiro mecânico, ainda em fase de projeto – não há um protótipo desenvolvido –, é um vant com asa, onde serão instaladas as placas fotovoltaicas. Um sistema formado por um único conjunto motopropulsor com dois rotores coaxiais – duas hélices sobrepostas funcionando em sintonia – será o responsável pelo empuxo durante o voo.

Cada rotor será dotado de um sistema de controle que permitirá que o passo (ou o ângulo) de cada pá da hélice possa ser ajustado de forma independente. Quando o drone estiver em repouso, uma pá poderá estar alinhada a 90 graus, perpendicularmente em direção ao vento, enquanto a outra poderá manter-se neutra, a zero grau (ver figura abaixo). “Um algoritmo calculará a direção do vento e posicionará a hélice de forma a obter o melhor aproveitamento na geração de energia eólica”, detalha Lucena. Durante o voo vertical, o movimento das hélices irá gerar vento que auxiliará a remoção da poeira sobre as placas fotovoltaicas.

Para melhor aproveitamento da geração de energia eólica, o ângulo de cada pá pode ser ajustado de forma independente, perpendicularmente (pás-azuis-claras) ou alinhado ao vento (pás-azuis-escuras). Imagem: Alexandre Affonso / Revista Pesquisa FAPESP

“Usar as pás dos rotores para geração de energia enquanto o vant está em solo é uma ideia inédita excelente”, comenta o engenheiro eletricista João Batista Dolvim Dantas, tecnologista sênior do Comando da Aeronáutica, especialista em robótica e aeronaves remotamente pilotadas. “A geração híbrida, eólica e fotovoltaica, maximiza a duração da missão de um vant sem que precise de manipulação direta humana. Um drone com essas características poderá coletar dados por extensos períodos de tempo e a longas distâncias em regiões desérticas ou polares ou em ambientes de risco à vida, como zonas de atividade vulcânica”, destaca Dantas.

O Vant Marte é duplamente híbrido, pois, além da geração de energia eólica e fotovoltaica, ele tem um duplo sistema de sustentação de voo, com hélice e asa fixa. “Essa combinação na sustentação do voo eleva sua eficiência operacional”, afirma o engenheiro mecânico Raimundo Carlos Silvério Freire Júnior, orientador de mestrado de Lucena na UFRN, que também fez parte do desenvolvimento. Um drone exclusivamente multirrotor pousa e decola na vertical – dispensando pista para decolar e pousar – e paira no ar, mas o consumo de energia para manter o rotor em funcionamento é alto. Já um drone exclusivamente com asa fixa demanda pista, mas traz o benefício de a asa apoiar a sustentação do voo horizontal, o que reduz o consumo de combustível e proporciona maior velocidade. “O drone híbrido soma as vantagens dos dois sistemas”, diz Freire Júnior.

Os vant com sustentação de voo híbrida não são novidade. Estão em uso, ainda que incipiente, no exterior em missões militares e de defesa civil, principalmente. “A combinação de asa e hélice permite o monitoramento de uma região abrangente com o uso da asa. Caso seja detectado um ponto específico de interesse, o drone pode pairar sobre ele. Em uma missão de resgate, após detectar o alvo, o drone pode se aproximar para visualizar a situação com mais detalhes ou entregar um material necessário”, exemplifica a engenheira eletrônica Neusa Maria Franco de Oliveira, orientadora de pós-doutorado de Lucena no ITA, onde ela coordena o projeto de um vant com sustentação de voo híbrida e bateria de recarga tradicional.

Ingenuity: drone da Nasa teve problemas com o acúmulo de poeira em suas placas solares. Imagem: Nasa/JPL-Caltech/ASU/MSSS

O Vant Marte foi concebido durante o doutorado de Lucena em engenharia elétrica e de computação na UFRN. De acordo com o engenheiro de sistemas de computação Luiz Marcos Garcia Gonçalves, orientador do doutorado de Lucena, ainda há desafios importantes a serem superados para tornar o dispositivo funcional em operações a grandes distâncias. O principal deles é o desenvolvimento de algoritmos para a tomada de decisões de forma autônoma, como o melhor aproveitamento do vento para a geração eólica ou quando, em voo, ele deve optar pelo uso de hélice ou asa.

No momento, os pesquisadores buscam recursos estimados em US$ 2 milhões para desenvolver um protótipo do aparelho, com todas as operações autônomas já incorporadas e concebido para voar em um ambiente de baixa pressão atmosférica, como a existente no planeta vermelho.

Lucena trabalha atualmente como engenheiro mecânico na Equatorial Sistemas, empresa aeroespacial de São José dos Campos (SP), no setor responsável pelo desenvolvimento de drones inovadores. Um dos projetos em curso é um modelo de sustentação híbrida movido a hidrogênio. De grande porte, o drone deverá pesar 200 quilos (kg) e será usado para o transporte de cargas de aproximadamente 50 kg, com uma autonomia de voo de 450 quilômetros. A meta da Equatorial é construir um aparelho maior, com 600 kg, capaz de transportar cargas de 200 kg. “No futuro não muito distante, os drones serão relevantes na logística de cargas urbanas”, prevê o engenheiro potiguar.

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