Ciência

Especialistas afirmam que lobos-terríveis seguem extintos, sem evidências científicas de retorno

Ernesto Goulart destaca que o trabalho ainda não foi publicado em revistas científicas, enquanto Marcelo Goissis afirma que os animais em questão são mais próximos do lobo cinzento atual do que da espécie extinta
Foto: Reprodução Fantástico/TV Globo creditada à Colossal Biosciences

Por Isabella Lopes* / Jornal da USP

No início de abril, a empresa Colossal Biosciences, do ramo da biotecnologia, anunciou que teria trazido de volta à vida o lobo-terrível, espécie extinta há cerca de 10 mil anos. A instituição chamou o processo de desextinção e usou técnicas de engenharia genética, como a edição e a clonagem. Entretanto, especialistas não concordam com a afirmação.

Os filhotes mais velhos, batizados de Rômulo e Remo — irmãos que, segundo a mitologia romana, fundaram Roma —, têm 6 meses e Khaleesi (referência à série Game of Thrones, responsável por popularizar a imagem desses animais gigantes nas telas), 3 meses. George R.R. Martin, criador da saga Crônicas de Gelo e Fogo, até posou com um dos lobos.

Animais semelhantes, espécies diferentes

A espécie Aenocyon dirus, conhecida como lobo-terrível, teria habitado a América do Norte e a porção oeste da América do Sul entre aproximadamente 250 mil e 10 mil anos atrás. Esse período é denominado Pleistoceno, caracterizado por flutuações climáticas, glaciações, expansão das populações humanas e extinções em massa. Fósseis indicam que eles caçavam animais da megafauna — aqueles com grandes proporções corporais, como cavalos e preguiças-gigantes — e viviam em bando. Sua estrutura corporal era mais forte e ampla do que a dos lobos atuais, com cerca de 1,80 metro e estimativas de 80 quilos de massa. Um artigo, publicado em 2021 na revista científica Nature, sugere que o seu desaparecimento se deu devido à extinção de suas presas e ao tamanho maior em relação a outros seres, o que seria uma desvantagem na competição por alimento.

O lobo-cinzento, por sua vez, pertence à espécie Canis lupus e sua linhagem se diferenciou da do lobo-terrível há cerca de 5,5 milhões de anos. Esses animais atuais são encontrados na América, Europa e Ásia e os indivíduos maiores podem chegar a 1,60 metro de comprimento.

Ernesto Goulart, professor do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva no Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo, revela que, para se obter os três filhotes supostamente de lobo-terrível, a Colossal precisou analisar amostras fossilizadas (um dente de 13 mil anos e um crânio de 72 mil anos) de DNA (ácido desoxirribonucleico) do Aenocyon dirus e fazer o seu sequenciamento. “Através de uma espécie filogeneticamente mais próxima à atual, que, no caso do lobo-terrível, seria o lobo-cinzento, que é uma espécie que hoje existe, você encontrar nestes genomas — sequências completas de informações contidas no DNA — semelhanças e, principalmente, diferenças”, explica. Segundo a empresa, os dois animais são 99,5% semelhantes.

Ernesto Goulart – Foto: Arquivo pessoal/LinkedIn

Ernesto Goulart – Foto: Arquivo pessoal/LinkedIn

Marcelo Goissis, professor do Departamento de Reprodução Animal na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, destaca que há uma diferenciação considerável entre as espécies, que são de gêneros taxonômicos distintos. “A maioria da origem do material genético deles é do Canis lupus, e não desse lobo-terrível. Das amostras das quais eles estudaram, só conseguiram recuperar 0,1% da sequência do DNA.”

Técnica

A edição gênica é um procedimento da engenharia genética que consiste em alterar, desativar ou substituir genes do DNA e foi utilizada pela Colossal Biosciences na criação de Rômulo, Remo e Khaleesi. “Foram feitas modificações necessárias em células de lobos-cinzentos para tornar essas células mais próximas geneticamente às do lobo-terrível. Essas mudanças dependem muito do que for encontrado de grande diferença entre esses genomas”, afirma Goulart. Foram feitas 20 edições em 14 genes do Canis lupus — que correspondem a 0,1% da sequência de ácido desoxirribonucleico recuperado.

A próxima etapa realizada foi a de clonagem, ou seja, a cópia geneticamente idêntica de um organismo ou de parte do DNA. A técnica, que avançou conforme os anos passaram, foi usada na ovelha Dolly, em 1996. Marcelo Goissis destaca que a baixa variabilidade genética é um problema na clonagem: “Você tem o limitante de gerar pouca variação genética. Isso em termos evolutivos é ruim. Tem a vantagem de aumentar o número de indivíduos e a desvantagem é gerar sempre cópias idênticas. Seriam como irmãos gêmeos”.

Marcelo Demarchi Goissis – Foto: Reprodução/Fapesp

Marcelo Demarchi Goissis – Foto: Reprodução/Fapesp

Após a clonagem, foi necessário buscar um óvulo de um animal filogeneticamente próximo. “Pode ser uma célula reprodutiva de uma loba-cinzenta ou até de uma espécie também muito próxima e acessível, como cadelas”, relata Ernesto Goulart. Ele explica que é necessário fazer um tratamento hormonal na doadora e coletar os óvulos a partir de punções ovarianas (extrações feitas nos ovários). Após isso, ocorre a inserção do material geneticamente modificado na célula coletada, que é transferida para uma “barriga de aluguel”: uma cadela ou uma loba.

Os especialistas destacam que a inovação pode atuar como banco genético para as espécies atuais, especialmente as que correm risco de serem extintas. “Eu consigo ter um genoma de referência, um alto grau de profundidade, eu vou ter muito mais material, muito mais referência para trabalhos futuros nessa linha”, explica Goulart.

Implicações 

Apesar da inovação científica, os profissionais não acreditam que seja um caso de desextinção, visto que a maior parte do DNA vem do Canis lupus atual, que é separado por milhares de anos do Aenocyon dirus. “Na hora que você olha, tem-se a impressão de estar olhando para o outro animal, como ele teria sido, dos registros que se tem. Mas, se for fazer uma análise genética, ele é muito mais próximo do lobo-cinzento do que do lobo-terrível”, destaca Goissis. Goulart é até mais enfático: “Você tem que ter dados fortes o suficiente para embasar uma afirmação tão forte e isso a gente ainda não tem, porque esse é um trabalho que ainda não foi publicado em revistas, com revisão de pares, são só anúncios que foram feitos pela empresa”.

Além disso, existem dúvidas em relação ao destino dos três filhotes. De acordo com os professores, a introdução dos animais na natureza não é viável: “Essa não é uma espécie que convive hoje nesse ecossistema. Ela vai interagir com quais animais? Qual é a dieta dessa espécie? O que eles vão fazer com eles?”, questiona Goulart. Goissis complementa que é preciso planejamento na realização da clonagem com o uso do material genético de seres diferentes para evitar efeitos indesejados, como doenças.

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