Por que dormimos tão mal em locais em que não estamos acostumados?

Pesquisa mostra que parte do nosso cérebro fica ativa durante a primeira noite de sono em um lugar desconhecido - isso nos deixa alerta para eventuais problemas.

Muita gente tem problema ao dormir em locais desconhecidos, como hotéis que não conhece ou a primeira noite de sono na casa de alguém. Quando finalmente pegamos no sono, ficamos inquietos ou perturbados. Uma nova pesquisa mostra que um hemisfério do nosso cérebro fica mais ativo durante a primeira noite de sono — e isso faz com que fiquemos atentos para eventuais problemas.

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É um fenômeno que os cientistas chamam de “efeito da primeira noite”. Um estudo de neuroimagem feito por pesquisadores da Universidade Brown revela que, sob essas condições de “primeira noite”, um hemisfério do cérebro fica sempre em alerta. “O estado de ficar meio adormecido e meio acordado pode funcionar como uma forma de monitorar ambientes desconhecidos”, disse Masako Tamki, coautor do estudo, ao Gizmodo. O estudo foi publicado na Current Biology.

Alguns mamíferos marinhos e pássaros apresentam uma forma mais intensa deste sono unihemisférico de ondas lentas. Em golfinhos e baleias, um hemisfério é desligado durante o sono, enquanto outro é mantido parcialmente ativo. Isso permite que eles durmam e ainda respirem e observem possíveis ameaças. Pássaros fazem o mesmo durante longos processos migratório. Assim, eles conseguem voar e dormir ao mesmo tempo. O cérebro humano não conta com o mesmo nível de assimetria hemisférica, no entanto, o estudo sugere que nossos cérebros têm uma versão simplificada desta capacidade.

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Arranjo de eletrodos no laboratório do sono permitiram análise de atividade cerebral. Crédito: Michael Cohea/Brown University.

Cientistas do sono já conheciam os “efeitos da primeira noite”. Ao conduzir testes de sono, eles geralmente desconsideram os dados coletados durante a primeira noite. Eles têm até um nome para isso: “noite de adaptação”. Em um esforço para entender melhor fatores neurológicos por trás dos distúrbios de sono, os pesquisadores da Universidade de Brown analisou os cérebros de 35 voluntários.

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Respostas do cérebro durante um sono de ondas lendas. Crédito: Tamaki et al., 2016

Nosso cérebro tem um vigia noturno

Eles descobriram que, durante a primeira noite, uma rede particular no hemisfério esquerdo continua mais ativa que do hemisfério da direita, e isso tende a ocorrer durante o sono de “ondas lentas” — o estágio mais profundo de um sono não-REM —o estágio do sono em que não ocorre o movimento rápido dos olhos.

“O sono de ondas lentas é a fase mais profunda, onde o limite da excitação é o mais alto. Isso significa que é mais difícil acordar uma pessoa de um sono de ondas lentas que de um sono leve”, disse Tamaki “Isso sugere que as pessoas são vulneráveis durante esse sono de ondas lentas, e por isso que encontramos assimetria interhemisférica durante esta fase do sono.”

Os pesquisadores não observaram esta mesma assimetria cerebral durante outras sessões de acompanhamento do sono. Também, a força desse padrões de assimetria cerebral estavam ligadas à dificuldade de uma pessoa ao tentar dormir.

Os pesquisadores conseguiram achar uma região no hemisfério esquerdo conhecida como rede de modo padrão, uma série de associações corticais responsáveis pela introspecção, divagação mental e narrativa intrapessoal. Por que essa região continua em alerta ainda é um mistério, mas mas pode te relação com a forma como a rede de modo padrão nos prepara para reagir ao ambiente.

“Também, a rede não é completamente desligada durante o sono e funciona como uma rede de atividade reduzida durante o sono”, disse Tamaki. “Estas características de rede podem ser uma vantagem, pois funcionam como um vigia noturno.”

O hemisfério que sofre sono leve também mostrou grande sensitividade a sons. Quando os pesquisadores tocaram sons na orelha direita (estimulando assim, o hemisfério esquerdo), isso aumentou as chances dos participantes acordarem. Além disso, eles acordaram mais rápido e estavam muito mais alertas do que quando tentaram despertar os participantes na orelha esquerda.

Estas observações fazem muito sentido, particularmente de uma perspectiva evolucionária. O “efeito da primeira noite” é provavelmente um vestígio de um sentido que protegia nossos ancestrais, e isso é algo que se manteve em nós desde então. O ato de dormir podia ser bem perigoso para eles (imagine só o ambiente hostil e selvagem), mas é algo crítico para nossa saúde psicológica e mental. Dormir permite que o cérebro consolide nossas memórias e ajuda com as funções de nosso sistema nervoso.

O “efeito da primeira noite” é algo que temos que conviver, mas os pesquisadores dizem que há formas de reduzi-lo. “Você pode trazer algo que o deixa confortável neste novo lugar, como um travesseiro”, disse Tamaki. E tentar não se preocupar muito, pois isso ajuda a deixar o cérebro ativo. “Também é importante que você chegue ao local novo duas noites antes de um evento importante, assim você terá uma noite boa de sono antes do acontecimento”, afirmou.

Os próximos passos dos pesquisadores é saber se o modo padrão é nosso único vigia noturno, e se outras partes de nosso cérebro continuam em alerta. Eles também gostaria de saber por que o hemisfério esquerdo tem esse papel ativo durante o processo, e se há algum tipo de alternância entre os hemisférios durante o sono.

[Current Biology]

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