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Não existe um “gene gay”, diz um vasto estudo sobre genoma

Grande estudo científico não conseguiu achar um gene determinante para determinar se alguém vai gostar de uma pessoa do mesmo sexo.

Pessoas seguram bandeira do orgulho gay. Crédito: Getty Images

Crédito: Tristan Fewings/Getty Images

Um novo estudo parece enterrar de vez a ideia de existir um “gene gay”. Cientistas analisaram os genes de quase 500 mil pessoas e não conseguiram achar quaisquer variações que possibilitam prever com segurança o comportamento de alguém que goste de alguém do mesmo sexo. Em vez disso, argumentam, nossas preferências sexuais são influenciadas por uma complexa mistura de genes, ambientes e experiências de vida.

A equipe internacional de pesquisa, que inclui cientistas da Suécia, Dinamarca, Reino Unido e Estados Unidos, analisaram dados genéticos coletados de estudos e projetos anteriores, incluindo informações da companhia de teste de DNA 23andMe. No total, pouco mais de 470 mil pessoas foram incluídas.

Os pesquisadores realizaram um tipo de análise conhecida como um estudo de associação em todo o genoma. Esses estudos percorrem os genomas das pessoas e procuram por variações nos genes — também chamados de marcadores — que possam estar vinculados a quaisquer outras variáveis para as quais eles estão testando. Neste, a variável foi se uma pessoa relatou ter feito sexo com alguém do mesmo sexo.

“Este estudo é a maior e mais completa investigação sobre genética do comportamento sexual do mesmo sexo até o momento”, disse o autor do estudo Ben Neale, diretor de genética do Stanley Center for Psychiatric Research no Broad Institute do MIT e Harvard University, em uma coletiva de imprensa nesta terça-feira (27). O estudo foi publicado na última quinta-feira (29) na Science.

No total, havia cinco marcadores “significantemente” associados ao comportamento do mesmo sexo. Isso significa que esses marcadores genéticos foram encontrados com frequência suficiente em pessoas com histórico de comportamento com pessoas do mesmo sexo e que poderiam ser um colaborador relevante para tal característica. Mas, se alguém tivesse todos esses marcadores ao nascer, estimaram os autores, seria menos de 1% mais propenso a um dia relatar o comportamento ligado a pessoa do mesmo sexo do que alguém nascido sem eles.

Neale e a equipe de pesquisadores não sugerem que os genes não são importantes na orientação sexual. Provavelmente há milhares de marcadores que podem afetar a sexualidade, observaram eles. Mas a influência é tão pequena em um nível individual que seria desnecessário estudar muito mais pessoas para encontrá-los. Os autores estimaram que todo esses marcadores — os cinco encontrados no estudo deles e os muitos ainda desconhecidos —poderiam responder por 8 a 25% da variação encontrada se alguém se envolveria em comportamento do mesmo sexo.

No entanto, de acordo com Neale, as descobertas “também destacam um papel importante para o ambiente na formação do comportamento sexual humano e, talvez, mais importante, que não haja um único gene gay, mas a contribuição de muitos pequenos efeitos genéticos espalhados pelo genoma”.

Os autores e suas respectivas instituições se esforçaram ao máximo para garantir que seu estudo fosse realizado com responsabilidade. “O 23andMe, por exemplo, solicitou aos clientes o consentimento para inclusão neste conjunto de dados específico, separado da permissão solicitada para fins gerais de pesquisa. A natureza do estudo, que envolve dados não identificados e pesquisa confidenciais, também deve significar que ninguém pode descobrir a identidade de um voluntário ou sua orientação sexual declarada.

Os autores também entraram em contato com grupos ativistas e que advogam pela causa LGBQT antes da publicação, o que os levou a enfatizar algumas advertências importantes.

Como eles apenas se basearam no comportamento sexual autodeclarado, por exemplo, o estudo não inclui casos de pessoas atraídas por gente do mesmo sexo, mas que nunca tiveram um relacionamento ou não se sentem confortáveis em divulgar essa história. E embora alguém possa ter feito sexo com alguém do mesmo sexo, isso não significa necessariamente que eles se identificam como gays ou lésbicas. Por essa razão, os autores não usaram esses termos.

Uma outra limitação do estudo é que ele apenas inclui pessoas cujo sexo atribuído ao nascimento e sexo relatado coincidem, o que significa que não há nada desses resultados que possam dizer sobre pessoas que são transgêneros ou não-binárias. Os dados também são extraídos em sua maioria de pessoas de ascendência europeia; portanto, não há como saber se a mesma mistura específica de genética e ambiente ocorreria entre outros grupos quando se trata de orientação sexual.

Questões à parte, o estudo pode reverter outra narrativa comum sobre comportamento sexual. Alguns dos conjuntos de dados permitem analisar comportamentos mais específicos, como quantos parceiros as pessoas tiveram de ambos os sexos. E os autores descobriram que havia pouca sobreposição entre as influências genéticas para saber se alguém já havia se envolvido em comportamento do mesmo sexo e o grau em que eles tinham parceiros do mesmo sexo (ou seja, fazer sexo principalmente ou exclusivamente com gente do mesmo sexo).

Em outras palavras, os autores dizem que não há evidências de um nível genético que “quanto mais alguém é atraído pelo mesmo sexo, menos ele é atraído pelo sexo oposto”. Medidas comuns de orientação sexual, como a Escala Kinsey, confiam nesses acontecimentos sequenciais simples, mas as descobertas parecem mostrar que nossas preferências sexuais são mais complicadas do que isso.

E embora os genes possam apenas ser parte do quebra-cabeças, os autores acharam algumas conexões entre a orientação sexual e outros aspectos pessoais que merecem um estudo mais aprofundado. Nos homens, por exemplo, alguns dos marcadores encontrados também parecem influenciar suas chances de calvície, o que indica que os hormônios sexuais podem desempenhar um papel em ambas as características. Outro marcador estava ligado ao olfato, embora seja menos claro o que essa conexão poderia significar. E apenas cerca de 50% dos marcadores, como aqueles ligados a tomar decisões arriscadas, foram encontrados em homens e mulheres, sugerindo que diferentes influências genéticas afetam diferentes sexos.

Vale a pena explorar todos esses insights no futuro. No entanto, o argumento mais importante do estudo é que ele deve dissipar ainda mais a narrativa nociva de que o comportamento entre pessoas do mesmo sexo, como uma aberração a ser identificada e curada — uma noção que foi alimentada por pesquisas genéticas falhas ou enviesadas. Como muitas coisas que envolvem pessoas, observaram os autores, nossa sexualidade é sutil e influenciada por tudo o que nos rodeia.

“De modo geral, essas descobertas reforçam a importância da diversidade como um aspecto fundamental do comportamento humano”, disse Neale.

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