Ciência

Estudo sobre gigantismo de baleias dá pistas sobre mecanismo genômico envolvido na supressão de tumores

Algumas espécies de cetáceos não passam de 4 metros de comprimento, enquanto outras podem chegar a 30 metros. De acordo com pesquisadores da Unicamp, genes que favorecem o crescimento colossal desses mamíferos também inibem o surgimento do câncer
Foto: NOAA Photo Library

Texto: André Julião | Agência FAPESP

O funcionamento de certas regiões de alguns poucos genes dos cetáceos pode explicar por que a baleia-azul (Balaenoptera musculus) pode chegar a 30 metros de comprimento – quase dez metros maior do que um ônibus coletivo – enquanto um golfinho-nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus) tem, no máximo, 4 metros de tamanho. Ao mesmo tempo, pode ajudar em novas terapias contra o câncer.

É o que revela estudo publicado na revista BMC Ecology and Evolution por um grupo de pesquisadores do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp).

“Embora os cetáceos sejam divididos em dois grupos evolutivos bem definidos, Odontoceti [golfinhos, orcas e cachalotes, que possuem dentes] e Mysticeti [sem dentes e que filtram o zooplâncton em barbatanas de queratina, como a baleia-azul e a jubarte, por exemplo], encontramos na chamada região promotora do gene NCAGP uma divisão entre aqueles com mais e com menos de 10 metros de comprimento, ou seja, gigantes e não gigantes”, conta Felipe Silva, primeiro autor do trabalho.

A região promotora de um gene é uma sequência de DNA localizada anteriormente à região codificadora (onde o RNA mensageiro que orienta a síntese de proteína é produzido) e é responsável por iniciar o processo de transcrição (cópia de um segmento específico do DNA para produzir o RNA). Desse modo, atua como um elemento regulador da expressão gênica.

A análise da região promotora do NCAGP, que pode fazer com que o gene expresse mais proteínas ou iniba a produção dessas moléculas, mostrou a cachalote (Physeter catodon), que tem dentes e 20 metros de comprimento, em média, mais próxima do grupo das Mysticeti, que medem mais de 10 metros e não possuem dentes.

Da mesma forma, a região promotora do NCAPG agrupa a baleia-minke (Balaenoptera acutorostrata), com seus 8,8 metros, junto aos cetáceos não gigantes com dentes.

“Nossos achados não mudam a árvore evolutiva desse grupo, mas trazem novas evidências de que o tamanho gigante tem uma base genômica. A análise dos outros genes confirma os grupos já estabelecidos evolutivamente, o que faz com que as características da baleia-minke e da cachalote sejam provavelmente adaptações convergentes, aquelas que aparecem em grupos distintos por caminhos diferentes”, explica Mariana Freitas Nery, professora do IB-Unicamp que orientou o mestrado de Silva.

O estudo integra o projeto “Usando genômica comparativa para entender a evolução convergente de mamíferos: em busca das pegadas moleculares da ocupação do ambiente marinho e fluvial”, coordenado por Nery e apoiado pela FAPESP.

Do tamanho ao tumor

O trabalho se debruçou sobre quatro genes que já haviam sido explorados pelo grupo em um estudo anterior. Na ocasião, os pesquisadores analisaram alterações nas regiões codificadoras dos genes (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/alteracao-em-quatro-genes-pode-explicar-o-gigantismo-das-baleias/).

No trabalho atual, o foco foi nas regiões regulatórias dos mesmos genes, também conhecidas como não codificadoras. As análises demonstraram que estas também possuem grande influência tanto no tamanho dos animais quanto na supressão de tumores. A ocorrência de câncer seria algo esperado em animais com um número tão grande de células, mas extremamente rara nos cetáceos.

“Foi importante analisarmos tanto a parte codificadora como a não codificadora do genoma dos cetáceos, pois ambas se mostraram importantes para essas características, que as análises também mostraram terem evoluído muito rapidamente nesses animais”, comenta Silva.

Enquanto nos cetáceos gigantes foi verificada a maior atividade de proteínas que ativam o ganho de tamanho corporal, nos que têm menos de 10 metros havia uma atividade de inibição desses genes, como um freio para que os membros desse grupo não cresçam demais.

Não por acaso, alguns dos genes cuja atividade caracteriza o gigantismo são também supressores de tumores. Assim como os cetáceos, outros mamíferos possuem partes do genoma com essa função, uma forma de compensar o fato de terem uma grande quantidade de células, portanto, mais sujeitas a falhas na replicação e, consequentemente, mais chances de ocorrência de câncer.

“Nós também temos esses genes e por isso seria interessante conhecer melhor como eles suprimem a formação de tumores nesses animais. Futuramente, isso poderia ajudar a desenvolver tratamentos para o câncer, ativando ou inibindo determinadas regiões do genoma, por exemplo”, encerra Nery.

O artigo Patterns of enrichment and acceleration in evolutionary rates of promoters suggest a role of regulatory regions in cetacean gigantism está disponível em: https://bmcecolevol.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12862-023-02171-5.

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