Como os exames de DNA auxiliam na solução de crimes
Em seriados e filmes policiais, é bastante comum vermos exames de DNA identificarem suspeitos com uma tremenda velocidade: é só achar uma mísera pista na cena do crime e bingo! O computador encontra nome, sobrenome, endereço, telefone e até se o dono da amostra em questão está em dia com o Imposto de Renda. Como isso funciona de verdade?
Bem, o teste não sai em minutos e ele não tem uma base de dados tão completa como esta. Mas ele não chega a demorar semanas, como pode-se acreditar, e sim apenas algumas horas – menos de um dia, em grande parte dos casos. E já existem estudos e pesquisas que batalham para tornar realidade o que se pode chamar de um “retrato falado biológico”, no qual características físicas do indivíduo são encontradas nas amostras.
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O teste de DNA
Primeiro, vamos entender o que é o exame de DNA e como ele é feito.
O DNA (ou ADN, de ácido desoxirribonucleico, em português) é um composto orgânico que contêm o nosso banco de dados genéticos, por assim dizer, cuja função é manter informações para produzir proteínas e coordenar o desenvolvimento dos seres vivos e sua hereditariedade. Apesar de nós, humanos, termos o DNA bem parecido entre um indivíduo e outro — na verdade, até chimpanzés possuem 95% do DNA igual ao nosso — cada pessoa tem características próprias em seu próprio código genético, fazendo dele uma identificação biológica única.
O DNA é formato por blocos conhecidos por nucleotídeos, formados por fosfato, açúcar e bases nitrogenadas adenina, timina, guanina e citosina. Cada DNA possui uma ordem própria, determinando o código genético individual.
O teste de DNA busca identificar traços semelhantes ou idênticos em outros seres humanos. Semelhantes, no caso de testes de paternidade que avaliam códigos genéticos distintos, mas que contenham traços presentes também no DNA do pai e/ou da mãe (no caso com ordens de nucleotídeos repetidas tanto no pai e no filho); ou idênticos, no caso de testes criminais, que buscam uma combinação exata de uma amostra encontrada em uma cena do crime, por exemplo.
Tudo no nosso corpo contêm DNA — o sangue, as células, a saliva, a pele… Desta forma, tudo o que tocamos pode deixar rastros desta nossa identidade biológica. Ou seja, tocar em uma mesa pode deixar vestígios da sua identidade. Restos de saliva em um copo? Também, e por aí vai. Logo, sangue em uma cena de crime é uma ótima fonte de DNA. Mas quanto dele é necessário para conseguir um resultado?
“Uma gota já é suficiente”, explica ao Gizmodo Brasil Celso Teixeira Mendes Junior, docente responsável pela disciplina de Biologia Molecular Forense da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. “A partir de qualquer medida já é praticamente possível obter uma quantidade de DNA”, explica. Mendes conta que são necessários de um a dois nanogramas de DNA para se obter um resultado coerente — em apenas 1 ml de sangue é possível encontrar de 20.000 a 40.000 nanogramas. “É muito fácil determinar o DNA de alguém”, diz.
Mas embora seja fácil adquirir um fio de cabelo, uma gota de sangue ou de saliva bucal – todos materiais que podem servir de amostra – a qualidade deste material nem sempre é adequada e pode complicar um pouco os resultados.
Além do protocolo necessário para uma coleta adequada — trajar equipamento de proteção adequado, estéril e descartável e o registro de cada amostra — o ambiente e as condições em que as amostras são encontradas também podem interferir (e muito) nos resultados. “Um cadáver enterrado por exemplo, encontrado em altas temperaturas, exposto a radiação ultravioleta e já com as enzimas que putrefazem a fauna do cadáver em ação são exemplos do que pode interferir as amostras”, explica Mendes.
E como identificar um cadáver já em avançados estágios de putrefação? Com amostras familiares ou próprias. Mendes cita o recente acidente da Gol, no Mato Grosso. “Em casos como estes, fazemos a identificação por amostras próprias, como a escova de dentes das vítimas, que contém uma parcela do DNA, ou com exames de paternidade, comparando amostras das vítimas com amostras de seus pais”, explica.
Mas, apesar de os resultados destes testes estarem longe de serem feitos em minutos, eles podem ser podem ser revelados de meio período a um, ou seja: em um dia de trabalho já podemos encontrar um resultado. “O processo completo demora, por volta, de 4h a 8h, com uma amostra adequada”, explica Mendes. Mas em casos que a amostra não é ideal, ou que apresente mais de um DNA, isso pode levar mais tempo. “Já existem equipamentos que conseguem apresentar resultados em cerca de 3h, mas eles não são tão comuns”.
Base de dados
Em 2012, uma emenda à Lei N˚ 12.654 criou o banco de perfil genético:
Art. 2º A Lei no 12.037, de 1o de outubro de 2009, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos:
“Art. 5º-A. Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal.
§ 1º As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos.
§ 2º Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial.
Ela foi regulamentada no ano passado e prevê a coleta de amostras de DNA de condenados a crimes hediondos e o envio destas para a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG), segundo informações do G1. Só no mês passado, a Polícia Civil do Distrito Federal coletou amostras de 70 presos. Isso, segundo a polícia, pode ajudar a solucionar crimes.
Entretanto, a base genética brasileira registra apenas casos de crimes hediondos — crimes efetuados por ex-detentos ou fugitivos, por exemplo, seriam mais fáceis de solucionar, mas apenas estes. Entretanto, no Reino Unido, país dono de uma base de dados com mais de 6 milhões de amostras individuais (são adicionadas cerca de 30.000 amostras por mês), registra o DNA de amostras colhidas em cenas de crime, de suspeitos da polícia e, na Inglaterra e em País de Gales, até mesmo de qualquer pessoa presa ou detida pela polícia.
Neste caso, até mesmo um indivíduo detido por dirigir alcoolizado, por exemplo, teria a amostra registrada. E, no caso dele cometer um crime no futuro e deixar um pouco do próprio DNA na cena do crime, a polícia teria como encontrá-lo com maior facilidade. É defendido, até mesmo, que todo cidadão e visitante do Reino Unido ofereça amostras de DNA para poder continuar no país.
Retrato falado biológico
Por mais útil que o banco de dados genético possa ser, ele ainda é pequeno em nosso país e limitado a cercos casos – não podemos depender dele. Mendes produz um estudo que promete identificar características físicas com base em amostras, o que, em tese, pode ajudar a polícia a identificar criminosos. “O meu estudo foca na pigmentação. Com uma amostra de sangue, podemos auxiliar a polícia se o suspeito é uma pessoa com tom de pelo branco ou negro, por exemplo”, explica Mendes.
O pesquisador explica que, além dele, outros grupos estudam outras maneiras de identificação com base no DNA como cor dos olhos, altura, deformações faciais etc., e existe até mesmo a identificação por ancestralidade: saber as origens do indivíduo dono da amostra.
O que, nos casos de ancestralidade, nem sempre é garantia de ajuda. Vide um exemplo conhecido do sambista Neguinho da Beija-Flor. Em 2007, o geneticista Sérgio Danilo Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais, divulgou a análise dos genes de Neguinho da Beija-Flor, um homem negro: 67,1% dos genes de Luiz Antônio Feliciano Marcondes, o Neguinho, têm origem na Europa e apenas 31,5%, na África. “Europeu, eu?! Um negão desse”, disse ele à BBC na época. De qualquer forma, este tipo de identificação, apesar de ainda não ser comum, já é uma realidade aos laboratórios.
Mendes está há cerca de dois anos trabalhando na pesquisa, e apenas no ano passado conseguiu investimentos da FAPESP para acelerá-la com o auxílio de investimentos, materiais e máquinas mais modernas. Ele trabalha com amostras de doadores voluntários, analisando cerca de 500 mil pares de base de DNA de cada uma — um corpo humano possui cerca de seis bilhões de pares de base. A pesquisa, no entanto, ainda não tem data para finalização.
Os exames executados em séries e filmes podem ser um tanto fantasiosos, mas a ciência da vida real não está tão longe de se aproximar (ou até se igualar) deles assim.
Imagens por thierry ehrmann, Mehmet Pinarci e Micah Baldwin/Flickr