Fanboys e fidelidade à marca

O engano: nós preferimos as coisas que possuímos, em vez das coisas que não temos, porque fizemos escolhas racionais ao adquiri-las. A verdade?

O engano: nós preferimos as coisas que possuímos, em vez das coisas que não temos, porque fizemos escolhas racionais ao adquiri-las. A verdade?

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A verdade é que você prefere as coisas que tem porque você racionaliza suas escolhas passadas, para proteger a percepção que você tem de você mesmo.

 

Internet e fanboys 

A internet mudou a forma como as pessoas discutem. Veja qualquer sistema de comentários ou fórum e você vai encontrar fanboys se dedicando a convencer a todos que o produto que eles escolheram é melhor que o do outro cara.

Em culturas modernas de consumidores, as pessoas competem por status através da comparação de seu gosto por produtos. (Você pode ler mais sobre como isto funciona aqui, em inglês.) Mac vs. PC, PS3 vs. XBox 360, iPhone vs. Android – discussões que continuam sem fim.

Geralmente, esses argumentos são entre homens, porque os honens defendem o ego não importa o tamanho do insulto. E os argumentos são geralmente sobre coisas geeks que custam muito dinheiro, porque essas batalhas ocorrem na internet, onde as pessoas que manjam de tecnologia costumam discutir com avidez, e quanto mais cara a compra, maior a lealdade em relação a ela.

 

O poder do branding 

O fanboyism não é coisa nova, é apenas um componente do branding – o trabalho de construção e gerenciamento de uma marca junto ao mercado – algo que as pessoas de marketing e propaganda conhecem desde que a Quaker colocou um logotipo amigável em seus sacos de aveia.

Não havia uma família do grupo religioso quaker fabricando os sacos de aveia em 1877. Mas a empresa queria que as pessoas associassem a confiabilidade e honestidade dos quacres com o produto deles. E funcionou.

Esta foi uma das primeiras – senão a primeira – tentativa de criar lealdade à marca, aquela conexão emocional nebulosa que as pessoas fazem com certas empresas, que os torna promotores e defensores para empresas que nem querem saber deles.

Em um experimento, as pessoas recebiam Coca-Cola e Pepsi em copos sem distinção, e depois eram ligadas a um scanner cerebral. O dispositivo mostrava claramente que certas pessoas preferiam Pepsi quando a provavam.

Quando os participantes descobriam que tinham tomado Pepsi, alguns deles – aqueles que preferiram Coca-Cola a vida inteira – fizeram algo inesperado. O scanner mostrou o cérebro deles atordoando os sinais de prazer, amortecendo-os. Então eles disseram ao pesquisador que preferiram a Coca-Cola nos testes de sabor.

Eles mentiram, mas na experiência subjetiva deles, eles não mentiram. Eles de fato sentiram que preferiram Coca-Cola depois que o experimento acabou, e eles alteraram a memória do evento passado para corresponder com a emoção do presente.

Eles incorporaram o branding em algum momento do passado e eram leais à Coca-Cola. Mesmo se eles tivessem gostado mais de Pepsi, enormes construtos mentais os preveniram de admitir isso – até para eles mesmos.

Junte esse tipo de lealdade a algo caro, ou a um hobby que exija um grande investimento de tempo e dinheiro, e assim se cria um fanboy. Eles defendem as coisas favoritas deles e ridicularizam a concorrência, ignorando os fatos se eles forem contrários à sua conexão emocional. Mas o que cria esta conexão emocional a coisas e às empresas que as vendem?

 

Como nasce um fanboy

Quem trabalha com marketing e propaganda chama o oposto de fanboy de "refém". Os reféns não têm alternativa senão comprar certos produtos, como papel higiênico e gasolina (pra quem escolheu comprar um automóvel). Como eles não podem escolher entre possuir ou não o produto, eles vão se importar menos se uma versão de papel higiênico é melhor que outra, ou se o combustível de um posto é melhor que o de outro.

Por outro lado, se o produto não for essencial, como um iPad ou um videogame, a chance de que o consumidor vá virar um fanboy é grande, porque eles tiveram que decidir gastar uma grande quantidade de dinheiro nisso. É a escolha entre uma coisa e outra que obriga a pessoa a explicar para si mesma os motivos de fazer essa escolha.

Se você tem que racionalizar o motivo pelo qual comprou um item não-essencial, você provavelmente vai encontrar formas de encaixar esse produto na sua auto-imagem.

E o branding se aproveita disso, dando a você a opção de criar a pessoa que você pensa que é através do seu alinhamento à mística de certos produtos. As propagandas da Apple, por exemplo, não mencionam se os computadores deles são bons ou não. Em vez disso, eles dão exemplos dos tipos de pessoa que compram os computadores deles. A ideia é estimular você a pensar, "É, eu não sou um nerd chato e normal. Eu tenho bom gosto, tenho talento, sou refinado".

Os computadores da Apple são melhores que os computadores com sistema operacional da Microsoft? Um é melhor que o outro quando observado de forma empírica, baseado em dados e análise e testes e comparações objetivas?

Nada disso importa.

Ora, essas considerações vêm depois que a pessoa começa a se ver como o tipo de pessoa que compraria um computador. Se você se vir como o tipo de pessoa que possui computadores da Apple, ou que dirige carros elétricos, ou que fuma Camels, o branding já tomou conta de você. E uma vez que a pessoa incorpore o branding, ela vai defender a marca – seja procurando defeitos na escolha alternativa, seja apontando os benefícios da escolha que ela fez.

 

A psicologia de um fanboy 

Existem vários vieses cognitivos que convergem para formar este comportamento. O efeito dotação surge quando você sente que as coisas que você possui são superiores às coisas que você não possui.

Os psicólogos demonstram isto perguntando a um grupo de pessoas quanto eles achavam que uma garrafa d’água custava. O grupo concordou com um valor de cerca de US$5, e então uma pessoa do grupo recebeu uma garrafa de graça. Então, depois de uma hora, eles perguntaram à pessoa por quanto ela venderia a garrafa para o pesquisador. Eles geralmente pedem por mais dinheiro, como US$8. A posse adiciona valor emocional às coisas, mesmo se essas coisas foram de graça.

Outro viés cognitivo é a falácia do custo irrecuperável. Isto acontece quando você gasta dinheiro em algo que você não quer ter ou não quer fazer, e não consegue devolver. Por exemplo, você paga demais por comida pra viagem que é muito ruim, mas você come mesmo assim; ou você assiste a um filme apesar de ser terrível porque gastou o dinheiro do ingresso.

O próprio dilema do custo irrecuperável pode ser um problema. Talvez você assine algum serviço por muito tempo, e então percebe que ele custa muito caro, mas não cancela a assinatura por causa do dinheiro investido no serviço até então. Se voce gastou muito dinheiro com assinatura, você pode não se dispor a mudar para alternativas porque sente que investiu na marca.

Estes vieses se unem no comportamento que é o principal responsável pelo branding, pelo fanboyism e pelas disputas na internet sobre porque a coisa que você tem é melhor que a coisa que os outros têm: o viés pró-escolha.

O viés pró-escolha faz parte de ser uma pessoa, e surge sempre que você compra alguma coisa. Funciona assim: você tem várias escolhas, por exemplo uma televisão nova. Antes de você fazer a escolha, você costuma comparar e contrastar todas as variantes diferentes de todas as televisões no mercado. Qual é melhor? Samsung ou Sony? Plasma ou LCD? 1080p ou 1080i? Muitas variáveis!

Você no fim acaba escolhendo uma opção, e depois que você toma a decisão, você olha pra trás e racionaliza suas ações, acreditando que o televisor que você comprou era o melhor dos televisores que você poderia ter comprado.

No varejo, este é um fenômeno bastante conhecido, e para evitar que o comprador sofra de arrependimento, eles tentam não encher você de opções. Estudos mostram que se você tem apenas poucas opções na hora da compra, a chance de arrependimento sobre a decisão tomada é menor.

É puramente emocional, o momento da escolha. As pessoas com dano cerebral nos centros emocionais, que viraram seres de pura lógica parecidos com o Spock, sentem que é impossível decidir escolher comprar até mesmo coisas simples, como cereal matinal. Eles param no corredor com se estivessem hipnotizados, contemplando cada elemento da decisão em potencial: calorias, formas, peso líquido – tudo. Eles não conseguem escolher porque eles não têm conexão emocional com nada, não têm motivações emocionais.

Para combater a dissonância pós-decisão – aquele sentimento de que você se comprometeu a uma opção, mas a outra poderia ter sido melhor – você se justifica no que escolheu, para acalmar a ansiedade que surge quando você questiona a si mesmo.

Tudo isso forma um enorme aglomerado neurológico de associações, emoções, detalhes de auto-imagem e vieses ao redor das coisas que você possui. É por isso que a internet está cheia de pessoas brigando por videogames, times esportivos, celulares e programas de TV. E a internet fornece um campo fértil para surgir esse tipo de comportamento.


Então, da próxima vez que você encostar as mãos no teclado e se preparar para disparar uma raivosa litania de motivos pelos quais sua… coisa favorita é melhor que a da outra pessoa, pare e pense.

Perceba que você, assim como eles, tem motivos irracionais para fazer isso – e com esse tipo de atitude, ninguém sai vencedor.

Links:

Barry Schwartz fala sobre escolha no TED (com legendas em português)

Radiolab fala sobre escolha

Bruce Everiss fala sobre fanboys

As 10 regras de ouro dos fanboys

Republicado com permissão do site You Are Not So Smart.

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