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Fernanda Takai e John falam dos 30 anos do Pato Fu ao Giz Brasil: “Banda com mulher é muito mais legal”

A banda Pato Fu chega aos 30 anos com nove músicas novas e uma turnê que promete entregar nostalgia e originalidade. Veja a entrevista completa e exclusiva que Fernanda e John deram ao Giz Brasil

“Banda com mulher é muito mais legal”: Fernanda Takai e John Ulhoa falam sobre os 30 anos do Pato Fu

Imagem: Giz Brasil (via Zoom)

Consagrada com o Grammy Latino em 2011, o Pato Fu chega aos 30 anos de estrada com nove músicas novas e sua originalidade (nada) ortodoxa inabalada.

A banda mineira, que se reuniu pela primeira vez em 1993, faz questão de manter a inteligência nas composições que a colocaram entre as 10 melhores do mundo de 2001, segundo a revista Time. Sempre sem seguir uma receita de bolo. Originalidade é a marca.

Em papo com o Giz Brasil, nesta terça-feira (16), Fernanda Takai (voz e instrumentos) e John Ulhoa (guitarra e voz) confirmaram que são bons de entrevista! Falaram sobre as novas canções, o cenário pop brasileiro atual e as inspirações deixadas por Rita Lee para o grupo – “banda com mulher é muito mais legal”, contou o guitarrista.

Você pode ver a entrevista ao Giz na íntegra no vídeo do YouTube abaixo. Mas, se for mais do time que gosta de ler, separamos também, logo mais abaixo, as respostas da dupla no estilo pingue-pongue e alguns clipes da carreira deles.

Antes e agora 

Giz Brasil: Em 2023 o Patu Fu chega aos 30 anos. Qual diferença vocês sentem sobre agora e 30 anos atrás? A transição do analógico para o digital influenciou a forma de fazer e pensar música? 

John Ulhoa: Tem muita coisa que é parecida e muita coisa que é diferente. O que é mais diferente está fora da criação mesmo, é a maneira como você divulga e tenta sobreviver dentro da música. Antigamente, há 30 anos (risos), parecia que tinha um goal [objetivo] muito óbvio para o artista, que era se fazer notar na sua vizinhança e conseguir um contrato com uma gravadora. A gravadora era o grande patrão da música. Se você estivesse embaixo de um selo, poderia ter uma carreira sustentável. Aquilo podia dar certo ou não, podia não funcionar para um artista e para outro, mas era o objetivo geral. Dependia do seu talento, do relacionamento com a gravadora e tal. 

Hoje essas coisas são muito diferentes. Está muito mais difuso, quase não tem exatamente um caminho das pedras, mas todo mundo tenta se fazer notar de alguma maneira. Até chegar num momento em que aquilo sustenta sua carreira. Eu até diria que é mais difícil hoje em dia, apesar da exposição ser mais fácil. Você grava um clipe em casa, coloca na internet, seus amigos veem, você começa a ter likes. Mas para sobreviver de música autoral, eu acho mais difícil porque você não tem as multinacionais que investem em carreiras e isso faz muita diferença. 

Fernanda Takai: É, isso a gente não só presencia, mas também ouve em relatos de amigos músicos, artistas e outros grupos que têm bastante visibilidade, mas não têm receita. Porque a receita é muito fragmentada. Nós acompanhamos essa discussão sobre regulamentação das plataformas por que no direito autoral tradicional tínhamos como saber [de onde vinha a receita das músicas]. Saiu a tiragem do álbum tal, tocou onde, quanto foi a arrecadação, você podia entrar nos relatórios do ECAD [Escritório Central de Arrecadação e Distribuição] e ver.

Nós não temos isso nas plataformas digitais, que é o grosso mercado da música hoje. Se ganha muito dinheiro com a música, mas quem ganha não são os autores. É muito louco isso, os autores, os criadores mesmo, muitas vezes têm que lutar demais para sobreviver e continuar fazendo música. 

O clipe de “Anormal”, do Pato Fu:

Giz: Essa discussão está com tudo. Vocês, inclusive, fizeram um disco em casa durante a pandemia, totalmente independente, né? 

Fernanda: Sim, esse estúdio a gente já grava nele desde 2004. O “Toda Cura Para Todo Mal”, álbum de 2005 do Pato Fu, já tinha sido todo gravado e mixado aqui em casa. Mas durante a pandemia foi a válvula de escape. Nós já íamos fazer o disco, mas tanto o Pato Fu quanto eu estávamos em turnê. Aí [na pandemia] nos vimos parados e resolvemos trabalhar nesse álbum diariamente. 

E o Pato Fu reciclou muito material sabe, o que acho que é importante também na música essa coisa de reciclagem, reaproveitamento. A gente tinha muito áudio perdido, muito vídeo não finalizado, não editado, e durante a pandemia nos reunimos com a nossa base de gente que ajuda, os fãs mesmo mandaram muito material. Fomos juntando e melhorando o nosso acervo digital, melhorando nosso canal. Então de certa forma ficar restrito em casa fez a gente cuidar e organizar esse lado digital da banda, sabe, da carreira. 

Giz: Por falar nisso, o Pato Fu lançou nove ótimas músicas novas [em homenagem aos 30 anos]. A criação foi durante esse processo de reciclagem de vocês? 

John: Na pandemia a gente começou a compor essas músicas. A ideia que a gente teve logo de cara foi comemorar os 30 anos com canções que fossem muito representativas do que é o Pato Fu. O Pato Fu é muito diverso, cada música é muito diferente da outra. Então, de cara, as primeiras músicas foram assim, uma comigo cantando, outra com uma letra bem maluca do Ricardo [Koctus, baixista] (risos). Foi isso o que definiu a gente lá no início. Então para comemorar, a gente fez essas canções com a cara mais ortodoxa do Pato Fu.

Fernanda: Embora seja difícil (risos).

John: (risos) É, a ortodoxia do Pato Fu é a coisa mais estranha que tem (risos). A gente tentou fazer isso e, ao mesmo tempo, lançar músicas novas depois que a banda está com 30 anos. A ideia foi lançar um álbum, tentar fazer coisas novas e que sejam relevantes, não só um negócio nostálgico. Porque é bem fácil a gente fazer essa comemoração só com base na nostalgia, fazer shows só com os hits, os mais antigos. Tudo isso é muito legal, vale também. Mas assim, apontar um pouco para o futuro também é algo importante pra gente. 

O clipe de “Fique Onde Eu Possa Te Ver”, do Pato Fu:

Giz: É justamente sobre isso que eu queria falar, a tal da cultura do revival. A gente tem vários grupos que estão voltando, mostrando seus reencontros, músicas antigas, e a gente sabe da, digamos, insistência do público em cantar o que é antigo, o que já foi sucesso antes. O que vocês acham dessa certa resistência às músicas novas e preferir o que já está consagrado? 

Fernanda: A gente sempre tem uma tentativa de fazer com que essas canções virem um novo sucesso. Fizemos essas nove canções e uma delas está em processo da produção de um clipe super legal. O Pato Fu sempre teve na sua história uma videografia muito rica, muito premiada. Então a gente vai fazer um clipe caprichadíssimo e isso ajuda as pessoas, nesse mundo tão visual que a gente tem, a falar sobre as músicas novas. E aí quando essa música entra num show, que tem canções antigas, ela entra com força também. Ou se porventura uma música entre, como já tivemos, em novela, vire um sucesso de rádio, também ajuda a empurrar um sucesso novo. Isso é legal. 

Não estaríamos lançando músicas novas se não esperasse que dentre elas pudéssemos pinçar um novo sucesso, fazer uma canção significativa pras pessoas. Então vamos pensar nelas como um trabalho que precisamos empurrar. As pessoas não vão gostar delas automaticamente como gostam das antigas, então precisamos dessa força. Vamos fazer um clipe legal, colocar no repertório, nas redes sociais. Isso tudo está na nossa atenção para também poder torná-las músicas queridas. 

Rita Lee e mulheres no palco 

Giz: Fernanda, em uma entrevista recente você comentou que ter ido a um show da Rita Lee transformou sua vida. Para você, o que Rita ensinou? 

Fernanda: Ela ensinou basicamente que a gente pode fazer tudo. Ela sendo uma garota no início da carreira, se impondo de uma forma muito delicada, até. A Rita sempre foi essa figura de voz suave, mas que tocava guitarra, violão e fazia as próprias músicas. Isso sempre foi e até hoje é significativo porque no segmento do pop rock as mulheres ainda estão em número bem menor que os homens. O pop rock ainda é muito masculino. 

Rita sempre foi essa figura que estava lá, mostrou que conseguia, que vendia muito disco, ganhava muita grana, e ainda era uma pessoa que todos queriam estar ao lado. Ter assistido a um show da Rita, eu com onze anos num estádio lotado, e ela comandando todo mundo e todo mundo cantando as canções dela, foi um sinal incrível de poder, de afirmação. 

Assista “O Amor Em Pedaços”, com Rita Lee, Fernanda e John:

Mas eu repito, a Rita nunca foi aquela pessoa que chutava a porta. Pelo contrário, o jeito dela de chutar a porta tinha muito bom humor. Ela falava de temas complexos de forma muito bem humorada, de forma inteligente, e sempre com aquela voz suave que se colocava tanto a serviço do rock quanto da bossa nova, como ela cantou. Então além de ter sido essa mulher espetacular, a Rita foi uma mulher que podia jogar em qualquer posição, era uma jogadora que colocava o time para cima, especialmente o time das mulheres.

John: É até difícil dizer o que ela ensinou, né, porque ela era uma inspiração. O som dela, em várias fases eu escutei e só pensava “nossa, queria ter uma banda para chegar nesse lugar”. Por isso eu acho que ela ensinou que ter banda com uma mulher é muito mais legal (risos).

Fernanda: (risos).

Giz: Por que é mais legal? 

John: Porque ficam 100% das possibilidades. Você expande o seu universo de possibilidades tremendamente. Só o fato de ser mulher, o simples fato. São outras questões, outra pegada, outro jeito de encarar a música, outro timbre, outra postura de palco, outro tudo. Se você tem as duas coisas, um pouco mais de diversidade de gênero, e podemos ter muitos outros, é claro, mas se você tem pelo menos dois, a coisa já melhora um bom tanto. Já fica muito mais legal. Aí eu fico lembrando de várias bandas que eu curto e em todas têm mulheres. É diferente, você tem uma oitava de diferença, é muito bom. 

Giz: Uma nova perspectiva, eu imagino, assim? 

Fernanda: É. Eu quando comecei no Pato Fu não tinha noção da importância que era eu estar na banda e a consequência que eu teria para outras pessoas. Tanto que minha consciência hoje é muito maior. Na minha carreira solo, onde posso tomar decisões mais por conta, tenho três mulheres e dois homens no palco, e mais mulheres na minha equipe. É o meu papel. Toda mulher que está numa banda, que abriu esse espaço, tem que puxar mais uma. E custa a gente entender isso. A nova geração já vem com isso dentro de si, já cobra da gente, de mim, dos seus. Elas dizem: olha esse festival, esse palco, esse escritório não tem mulher (risos). Mas é isso aí, se a gente tem voz é pra falar: ó, tá faltando alguma coisa aqui. E às vezes tá faltando uma mulher né, ou mais.

Agora e depois 

Giz: Legal, vamos voltar a falar sobre música. Fernanda, você já comentou que suas inspirações musicais são marcadas por programas de rádio e de auditório populares. A gente sabe que desde a década de 1970, 1980, a música mudou muito no Brasil, especialmente a popular. Como vocês veem o cenário musical pop do Brasil hoje? 

John: Cara, eu acho que o estilo, o som que a gente escuta em cada época é muito diferente, mas de alguma maneira é muito parecido. O estilo vai mudando. O que se ouve vai ficando muito diferente, mas tem algo que se mantém. Eu, pelo meu gosto, sou muito seletivo, quase não gosto da maioria das coisas que eu escuto. Sempre fui assim e continuo sendo. Mas também tem muita coisa legal sendo feita, algumas delas fazem sucesso, outras não. 

Para eu achar as coisas que realmente curto não é tão simples, tenho que catar mais. Gosto muito das pessoas que têm um universo próprio, que não parecem seguir a onda, é o meu gosto musical. Então, em geral, quando eu penso que alguém só está surfando a onda, acho meio sem graça. Mas se eu vejo que tem alguém criando uma onda onde os outros estão surfando, já penso: esse é o cara. Acho que bem antes da década de 1970 já é assim.

Os formatos mudaram muito, onde a gente escuta música, o jeitão dos artistas, o som que estão fazendo. Mas de uma certa maneira ainda acho que as pessoas escutam música da mesma maneira. O que tenho um pouco de saudade é as pessoas se concentrarem na música à moda antiga. Hoje a música é lateral, você escuta enquanto faz outras coisas. A música toca o tempo todo. Eu sei que as pessoas vão ouvir assim, não há o que fazer, mas a figura do álbum é meio que isso, você criar um disco com um conceito, escutar do inicio ao fim, isso realmente mudou, é meio que uma forma de arte perdida. 

Fernanda: Eu vejo assim também. Tem coisa legal sendo feita em todos os segmentos, sempre teve. Muita gente fala que não tem nada de pop novo. Tem sim, mas os estilos que fazem sucesso no momento meio que apagam todo o resto. Aí outras pessoas que fazem um estilo diferente tem dificuldade de viver da música porque o mercado não dá atenção para eles. É complexo. Mas, assim como a moda que é cíclica, pode ser que venha um novo ciclo do pop rock e aí o pessoal do sertanejo ou do pagode vá dizer: poxa não aguento mais essas bandas chatas do pop rock (risos) 

Como teve, né, nos anos 1980 e 1990. E eu acho que a onda dos anos 1990 foi importante porque tirou o eixo Rio-SP. Surgiu um pessoal de Recife, do Sul, de Brasília e Minas Gerais. E a gente conseguiu ter uma diversidade de som. Para o Brasil sempre vai ser melhor, por conta dessa geografia imensa que a gente tem, quanto mais diversa a produção de música e reconhecida em sua diversidade, vai ser melhor para o público e para quem faz música ou arte de modo geral. Independentemente de estar na onda do momento, a nossa torcida é sempre que haja visibilidade para todo mundo e que o público possa escolher entre diversos tipos de música genuinamente. 

Veja “Terra Plana”, com Fernanda Takai:

Giz: Na canção “Terra Plana”, vocês falam sobre aprender, sobre ressignificar de alguma forma. Para a gente finalizar, eu gostaria de saber: o que vocês gostariam de aprender hoje? 

John: Puxa vida, que pergunta difícil (risos). Eu acho que eu gostaria de aprender a conversar com pessoas que pensam bem diferente de mim. Isso parece cada vez mais difícil. Eu queria ter um clique de “agora eu sei como falar” (risos) 

Fernanda: Mas você faz isso, John, a [música] “Terra Plana” é uma forma de conversar com pessoas que pensam diferente através da música. Você conversa, coloca algumas ideias. Você faz isso já. 

John: (risos) Mas então, estou tentando fazer isso. Não só queria fazer, como estou tentando.

Giz: Boa, gostei (risos). E você Fernanda? 

Fernanda: Eu… Bom, eu também tenho uma carreira na literatura. Estou lançando daqui a pouco meu sexto livro. E eu ainda não me aventurei, não aprendi, a escrever histórias longas. Escrevo contos, crônicas e livros infantis, que são mais curtinhos. Eu gostaria de aprender a desenvolver um livro, ter um insight de uma história grande que eu consiga desenvolver ela de uma forma a longo prazo, ter um trabalho nesse sentido. De vez em quando eu penso nisso: “nossa eu queria ter uma ideia pra escrever um livro grande, um romance, uma novela” 

John: Ter bastante trabalho (risos).

Fernanda: Isso mesmo (risos).

Giz: Legal. E o que vocês gostariam que o mundo aprendesse? 

Fernanda: Olha, minha resposta é que o mundo aprendesse a ser mais coletivo. Aprender a olhar para o outro, perguntando se o outro está bem, sabe perguntando “como posso ajudar?”. Porque o mundo é muito rico, poderia ter resolvido os problemas do mundo há muito tempo. Esse desequilíbrio é o que traz as mazelas, a violência, a guerra, a fome. Isso vem da falta da gente distribuir riqueza, de olhar pro outro. A gente participa muito dessas mobilizações para ajudar as pessoas. E vejo que a gente mobiliza tanta coisa, resolvemos problemas pontuais tão rápido, muitas vezes em uma semana. Eu acho incrível isso, que a gente tenha tantos problemas e não olhe pro outro e peça como a gente pode ajudar. 

John: Fernanda me deixou sem palavras. Acho que eu queria que o mundo aprendesse a ouvir a Fernanda (risos). 

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