Cinco formas esquisitas usadas pelos humanos para preservar seus corpos ao longo da história

Somos fascinados por nossa mortalidade e com o tempo criamos diversas formas de tentar preservar nossos corpos, seja por motivo religioso ou pela esperança de voltar a viver.

Ninguém consegue fugir da morte, mas por milhares de anos, humanos têm tentado escapar da decomposição. Seja por querermos preservar nossos corpos para a vida após a morte, ou viajar no tempo para um futuro melhor. Povos ao longo da história têm tomado medidas surpreendentes para preservarem seus restos mortais.

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As múmias mais antigas do mundo de repente estão se transformando em gosma preta

Aqui temos cinco maneiras fascinantes em que corpos humanos desafiaram o processo natural de decomposição.

Mumificação

Não podemos falar de preservação corporal sem falar de múmias, um dos métodos mais antigos e conhecidos. A mumificação é mais conhecida por seu surgimento no Egito antigo, mas múmias são uma característica comum de dezenas de culturas antigas, desde Astecas até habitantes de ilhas do Pacífico.

Mesmo assim, como a mumificação egípcia é tão bem documentada, é uma boa base para aprender como o processo funcionava. Enquanto o surgimento das primeiras múmias no Egito é um objeto de discussão, até o Médio Império (2000-1700 a.C.), sujeitar seus entes queridos falecidos a um longo processo de mumificação era uma prática comum. Primeiro, o corpo era eviscerado; todos os órgãos internos eram removidos menos o coração, que era visto como necessário para a viagem até a vida após a morte. O seu cérebro, no entanto, tinha que ser tirado. Até onde os arqueólogos sabem, o cérebro era retirado usando uma metodologia altamente científica: enfiando um gancho pelo nariz, girando-o até o cérebro ficar lamacento, e inclinando a cabeça para frente para despejar a meleca.

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Múmia egípcia no British Museum. Créditos: Klafubra/Wikimedia

O corpo eviscerado era então lavado com uma mistura de especiarias e vinho de palmeira, que ajudavam a prevenir a decomposição bacteriana, antes de ser regado com natrão e deixado para secar até virar uma carne seca humana por mais ou menos 40 dias. Depois da dessecação, o corpo era lavado novamente, enrolado em muitas camadas de linho, e revestido com resina para impedir estragos causados pela água. A múmia era então selada em um túmulo junto com outros bens.

O processo de mumificar um corpo não era para os fracos; mas mais sinistros ainda eram os atos de auto-mumificação conhecidamente praticados por vários devotos da escola Shingon de budismo no Japão entre os séculos 12 e início do 20. Para atingirem a transcendência, essas almas corajosas preparavam seus corpos para a mumificação durante um processo de treinamento intenso de 3.000 dias, um processo que o io9 descreveu em grande detalhe. Alguns destaques envolvem a troca da sua dieta normal por uma de agulhas de pinheiros, casco de árvore, pedras e resinas em uma tentativa de dar partida ao processo de embalsamento. Quando a pessoa já quase morta de fome – e parcialmente mumificada? – estava pronta, era enterrada viva.

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Homem de Tollund, um corpo conservado no fundo de uma turfeira na Dinamarca do século 4 a.C. Crédito: Sven Rosborn/Wikimedia

A mumificação tem uma longa e rica história, mas com a exceção de alguns casos notáveis (o meu favorito: dos corpos no pântano), a maioria dos corpos descobertos hoje não parecem muito com seres humanos vivos. Não foi até séculos mais recentes que pessoas começaram a usar a ciência para preservarem a aparência e sensação de carne viva.

Embalsamento

Técnicas modernas de embalsamento variam de lugar para lugar, mas geralmente envolvem uma mistura de formol e álcool ou água. Corpos embalsamados dessa maneira têm uma vida útil de aproximadamente 10 anos.

Agora compare isso com os restos mortais de Vladimir Lenin, que aparentemente estavam com uma boa aparência quando fizeram 145 anos em 2015. Graças aos esforços extraordinários do Centro de Pesquisa Científica e Métodos de Ensino de Moscou – podemos chamar de “Laboratório do Lenin” – o corpo do líder soviético ainda preserva a aparência, toque e flexibilidade de Lenin no final da sua vida. Na verdade, a aparência do corpo tem melhorado com o tempo.

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O corpo de Lenin, fotografado dia 16 de abril de 1997. Crédito: Larry Koester/Flickr

A tentativa de preservar o líder comunista veio do trabalho do anatomista Vladimir Vorobiev e do bioquímico Boris Zbarsky, que, depois de dois meses de debate político, foram permitidos a realizarem experimentos no corpo de Lenin em março em 1924. (Felizmente, foi um inverno frio, e Lenin, cujos cérebro e órgãos vitais haviam sido removidos durante a autópsia, não se decompôs muito nas semanas seguintes.) “Ninguém tinha certeza se o experimento daria certo e, se desse, quanto tempo o corpo ficaria exposto depois,” escreveu Alexei Yurchak, um professor de antropologia social da Universidade de Berkeley. “O plano era tentar preservar por o máximo de tempo possível.”

Essa aposta foi um sucesso retumbante. No que Yurchak descreveu como “um método dinâmico de preservação”, Lenin é reembalsamado todo ano, seu corpo é submerso em uma mistura de conservantes e soluções antimicrobianas que incluem glicerol, formol, água oxigenada e ácido acético. Cada uma dessas “sessões’” pode levar semanas. Quando o corpo é retirado para sua aparição pública anual, é coberto com uma roupa de plástico que mantém uma camada fina do fluído de embalsamento na pele. (Suas roupas normais são vestidas por cima.)

Com novos desafios, cientistas russos inovaram “substituindo materiais orgânicos originais com substitutos artificiais e regularmente reesculpindo as formas e superfícies de Lenin.” Os cílios de Lenin foram trocados por cílios falsos há muito tempo, e remendos de pele artificial cobrem grande parte do seu corpo. Hoje, o corpo pode ser visto como uma escultura, uma que foi criada a partir do corpo em si. Como qualquer obra de arte, a manutenção de Lenin é conduzida por critérios estéticos. O que é excepcional é o conhecimento que tem sido desenvolvido e apurado ao longo dos anos.

Mergulhado no mel

Se a vida na península Arábica do século 12 não era doce o suficiente, talvez houvesse uma consolação mórbida em tornar seus restos mortais em uma confecção açucarada. Ao longo da história, pessoas têm preenchido os caixões de homens e mulheres honrados com comida e outros itens preservados no mel. Nós também já cristalizamos uma boa dose de corpos.

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Impressão de um artista de um homem melificado. Crédito: Wikimedia

A prática de “melificação” – literalmente transformar um cadáver em uma bala humana submergindo-o no mel – era supostamente praticada por habitantes da Arábia antiga. Histórias de homens melificados chegaram até nós por fontes chinesas, mais notavelmente pelo Bencao Gangmu, um compêndio de curas exóticas escrito no século 16 pelo farmacêutico chinês Li Shizhen.

De acordo com Shizhen, a melificação era um processo de auto-sacrifício que começava antes da morte. Chegando ao fim de suas vidas, os homens que seriam melificados comeriam, beberiam e tomariam banho em nada além de mel. O resultado era que logo estariam urinando, suando e defecando mel. Quando essa dieta açucarada eventualmente os matava, esses corajosos eram colocados dentro de caixões de pedra e submersos em – adivinhe – mais mel.

Depois de um ou dois séculos de… amadurecimento, os homens de mel eram retirados de sua compota, quebrados em pequenos pedaços e vendidos em bazares por preços altíssimos. Acreditavam que os homens de mel tinham a capacidade de curar membros quebrados e outras doenças. No entanto, como Mary Roach aponta em seu livro Stiff: The Curious Lives of Human Cadavers (algo como Rígidos: As vidas curiosas de cadáveres humanos), “A popularidade de alguns desses elixires humanos tinham menos a ver com o suposto ingrediente mágico do que com a base.” Ou seja, o mel já teria resolvido o problema sozinho.

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O mel é um dos melhores conservantes naturais que conhecemos. Crédito: Pixabay

Mesmo se as histórias de melificação árabe sejam apócrifas, existe bom motivo para acreditar que esse método de preservação funcionava. As propriedades físicas e químicas singulares do mel o tornam um incrível conservante. “O mel em sua forma natural tem uma humidade muito baixa,” disse Amina Harris, diretora executiva do Centro de Mel e Polinização da Universidade da California em Davis, à revista Smithsonian. “Pouquíssimas bactérias ou microorganismos conseguem sobreviver em um ambiente como esse, eles morrem. Eles são sufocados pelo mel, na verdade.” Graças às reações químicas específicas entre o estômago de uma abelha e o seu néctar, o mel contém peróxido de oxigênio, um agente antimicrobial potente.

Um frasco de mel fechado dura praticamente indefinidamente. Então, não é tão surpreendente que humanos usassem a substância para a existência eterna.

Plástico

Ah, a vida moderna… composta por Netflix, hotspots de WiFi e cadáveres que não fedem. Isso se forem plasticizados, é claro. Nessa releitura moderna de preservação do corpo humano, cadáveres são submetidos a um procedimento de quatro etapas de plasticização que essencialmente os transforma em bonecos gigantes de plástico. Sem cheiro, sem decomposição, sem líquidos fedidos ou pegajosos. Um jeito requintado de permanecer na Terra pra sempre.

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Gunther von Hagens com um gorila plasticizado. Credito: Wikimedia

O processo de plasticização foi desenvolvido por Gunther von Hagens em 1977. Como outras técnicas de preservação humana, existem muitas variações por aí, mas aqui temos o essencial: Primeiro o corpo é colocado em alguma solução de conserva, geralmente formol, para prevenir a decomposição de tecido. Depois disso, um anatomista realiza qualquer dissecação necessária, abrindo o corpo e deixando tecidos e órgãos à mostra.

Depois, vem a desidratação. Depois de todas as dissecações, o corpo é colocado em um banho de acetona em temperaturas abaixo de zero. Enquanto o corpo congela, água é retirada de suas células e a acetona (que tem um ponto de congelação de -95ºC) então inunda o corpo para substituir a água.

Agora que toda a água do corpo foi retirada, ele é colocado em um banho de polímero líquido – borracha de silicone, poliéster ou resina epóxi. Agora é a hora de tirar a acetona. Em um vácuo, a acetona rapidamente se dissipa, extraindo plástico líquido para dentro das células do corpo enquanto a acetona sai. Agora o corpo pode ser reconfigurado em seu estado final, antes de seus órgãos cheios de plástico serem curados com gás, calor ou luz ultravioleta.

A plasticização ficou famosa pelas exposições BODY WORLDS de Von Hagen, que desde o fim dos anos 90 tem viajado o mundo revelando os segredos mais internos da vida humana para o público. Eu recomendo fortemente dar uma olhada na exposição na próxima vez que estiver em alguma cidade próxima à sua – você nunca mais vai enxergar seu corpo da mesma forma.

Criogenia

E finalmente, chegamos à criogenia, o método de preservação corporal escolhido por exploradores espaciais tentando atravessar distâncias cósmicas. Isso e das celebridades do século 21 também. De todos as técnicas detalhadas nessa postagem, a criogenia é a única cujo objetivo seja de estender a vida.

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Crédito: Shutterstock

O princípio é simples: o frio é uma das melhores formas de preservar tecidos orgânicos. Alguns organismos, de micróbios a sapos, conseguem acordar e continuarem com suas vidas depois de longos períodos em temperaturas abaixo de zero. Será que humanos conseguem fazer o mesmo? Se sim, talvez vamos conseguir congelar pessoas com doenças que hoje são incuráveis, na esperança de que um dia a ciência e a tecnologia poderão salvá-las.

Essa ideia pode ter a cara de filmes de ficção científica inverosímeis, mas é convincente o suficiente para que muitas empresas, mais notavelmente a Alcor Life Extension Foundation, estejam oferecendo serviços de criogenia. Por US$ 770 por ano, você pode se tornar um membro da Alcor, um contrato que garante espaço para o seu corpo em um túmulo de nitrogênio líquido – desde que você consiga desembolsar mais US$ 80.000 (só para o cérebro) ou US$ 200.000 (para o corpo inteiro) em criopreservação depois da sua morte.

O procedimento de criopreservação da Alcor pode ser descrito como intenso. Imediatamente depois do coração do paciente parar de bater, ele é colocado em uma cama de gelo; sua circulação e respiração são retomadas artificialmente com um “ressuscitador de coração de pulmões. O paciente recebe então um coquetel de drogas intravenosas, que incluem anticoagulantes e soluções tampão, antes do seu sangue ser bombeado para fora do corpo e trocado por uma solução de preservação de órgãos.

Uma vez que o paciente esteja nas instalações da Acor no Arizona, o seu sistema circulatório recebe mais um esguicho antes de um anticongelante de qualidade médica ser introduzido no corpo; essa solução permite que o corpo seja resfriado para uma temperatura de -196ºC ao longo de duas semanas. O corpo – ou cérebro – é então mandado para ficar armazenado em um dos frascos de Dewar de aço inox na Alcor, onde permanecerá indefinidamente, esperando uma cura.

Existe um senão, como você deve ter imaginado: não existe garantia nenhuma de que isso vai funcionar. Não tem garantia de que a tecnologia para estender sua vida, curar suas doenças ou até te ressucitar direito, um dia serão inventadas. Mas, a Alcor se mantém otimista, e oferece esse resumo adequadamente reducionista da sua existência em seu site:

Ultimamente, a diferença entre a vida e a morte de uma célula, um órgão, ou um organismo se reduz baseada na diferença em quantos átomos existem dentro dele. Por isso, parece mais certo que a medicina do futuro capaz de diagnosticar e reparar em um nível molecular possibilitará ressuscitar pessoas depois de longos períodos de morte clínica do que a medicina consegue hoje. Quanta memória e personalidade sobreviverão esse reparo e cura depois de horas da parada cardíaca não é conhecido hoje.

Mas também, a morte também não te dá nenhuma garantia. Bom, cada um com seu fim inescrutável.

***

As técnicas de preservação descritas aqui são apenas algumas amostras das fascinantes formas em que humanos já tentaram preservar seus corpos ao longo da história. Nossos métodos escolhidos (mel, sal, formol, gelo) são tão diversos quanto as nossas motivações (religião, política, educação, medicina). Existe um fio condutor aqui, que é que nós humanos somos completamente fascinados pela nossa própria mortalidade. E nunca vamos deixar de correr atrás do sonho de que de alguma forma, conseguiremos fugir dela.

Tradução por Mariana Siqueira

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