Cultura

Galba Gogóia, de “Renascer”, fala ao Giz Brasil sobre carreira, se descobrir travesti e mais

Pernambucana, Galba Gogóia se mudou para o Rio na adolescência e hoje trabalha como atriz e roteirista; veja entrevista exclusiva ao Giz Brasil
Imagem: Divulgação

Atriz, roteirista e diretora, Galba Gogóia sempre soube que queria ser artista. Após se mudar de Arcoverde, em Pernambuco, para estudar no Rio de Janeiro (RJ), aos 15 anos, ela hoje brilha nas telas de vários brasileiros como a personagem Natasha, amiga de Buba (Gabriela Medeiros) na novela “Renascer”, da Globo.

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Em entrevista exclusiva ao Giz Brasil, Galba conta que, mesmo após perder o apoio do pai ao se assumir gay — quando ainda não se entendia como travesti –, persistiu. Hoje, ela tem um curta-metragem premiado, “Jéssika” (2018), exibido em mais de 25 festivais de cinema.

Apesar de se declarar fã de novelas, Galba já trabalhou com séries, cinema e teatro, na frente e atrás das câmeras. Seu primeiro grande papel foi na série “Perdido”, do Canal Brasil, onde conheceu Gabriela Loran, sua co-estrela em “Renascer” e parceira na peça de teatro “Águas Quentes”, futura comédia que está idealizando.

Recentemente, Galba participou dos roteiros do filme “Alice Júnior 2” e foi consultora em “Beleza Fatal”, a primeira novela original da Max. Também está prestes a estrear em séries como “Capoeiras”, do Disney, e “Candelária”, da Netflix – com estreia prevista para este ano.

Confira a entrevista com Galba Gogóia abaixo:

Giz Brasil: Você se mudou com 15 anos para o Rio de Janeiro. Como foi essa mudança? Qual o caminho que você percorreu?

Galba: Foi um caminho sempre muito difícil. Enquanto eu estudava na escola [Galba cursou o ensino médio em uma escola integral do Sesc no Rio, fechada durante o governo Bolsonaro], eu tinha todo o apoio, todos os alunos tinham bolsa integral. Lá eu pude, de fato, fazer várias peças, eu tinha aula de teatro pelo menos três vezes por semana. Então, nesse meio tempo, quando veio a questão do vestibular, de decidir a faculdade, eu falei “Cara, eu não posso voltar para minha cidade”. De certa forma, eu queria muito ficar no Rio pelas oportunidades na área e também porque eu teria um pouco mais de liberdade, por essa questão com meu pai.

Para eu viver esse sonho, eu tive que encarar muitas coisas… Porque minha família não tinha muita grana, mas já no começo da faculdade, o meu pai, entre mil aspas, descobriu que eu era gay. Na época ainda não me entendia como uma pessoa trans, e desde aquele momento ele falou que se eu fosse gay, ele ia parar de me dar pensão. E eu era uma pessoa muito firme, porque eu acho que tinha uns 20 anos, e eu falei pra ele “Então é isso, tchau, eu vou viver minha vida e vai dar certo”.

Foram anos bem malucos, principalmente de questão financeira. Foi um momento também onde eu fortaleci muito meus ciclos. Aí que a gente vê o poder da amizade, o poder de outras famílias, porque meus amigos – que muitos eram estudantes como eu -, me ajudaram muito nessa época.

Giz Brasil: Você disse que até a época da faculdade não se entendia como uma pessoa trans, quando foi que isso aconteceu?

Galba: O meu processo de descoberta de ser uma pessoa trans, de ser uma travesti, foi um processo longo, muito natural e foi acontecendo. Porque em toda essa época, da faculdade e tal, estava muito no auge do RuPaul, começou a ter muita coisa de drag aqui no Rio, e aí eu comecei a fazer também. E como sempre fui “muito Brasil”, eu dizia que era transformista, porque era um termo antigo, e eu comecei a fazer a Galba Gogóia, que era minha personagem. Ali eu já fazia vídeo por YouTube de comédia com essa minha personagem, comecei a fazer show, ir pra eventos…

Muitas vezes eu saía de filmagem ou de evento e eu não desmontava, ia pro bar já na personagem. As pessoas começaram a me conhecer como Galba e iam me chamando de Galba, e já foi virando uma mistura. […] Isso foi acontecendo por uns dois anos, mas dia que eu realmente falei “entendi” foi na época que eu me mudei de apartamento. Quando eu me mudei, eu tinha muita roupa, eu ganhava roupa de show e tal… Eu doei, fiz uma limpa no armário e quando eu cheguei na Casa Nova e arrumei meu armário, eu me dei conta de que eu tinha doado todas as roupas masculinas e tinham ficado só as roupas femininas.

Giz Brasil: Agora você está em “Renascer”, que é um papel de peso, numa novela. Como aconteceu esse convite?

Galba: Eles perguntaram para a Laís [curadora artística], se eu toparia fazer, se eu tinha data. Óbvio, né? Imagina dizer “não topo” [riu]. Algumas pessoas já me conheciam de outros trabalhos e aí não teve teste, foi dessa forma, um convite. Foi daí, de outros trabalhos, de já terem me assistido, de já ter feito teste para outros papéis na própria Globo que não rolaram. E aí o que é para rolar vem, né?

Giz Brasil: Como tem sido fazer “Renascer”?

Galba: Eu sou noveleira até hoje, desde criança. Acho que a gente viveu, um outro momento da comunicação que a gente tinha ali a novela naquele horário para se assistir. Mas hoje eu assisto um pouco de todas as novelas no ar e sempre assisto novela antiga, porque eu amo mesmo o gênero. Então quando rolou [o convite] eu fiquei “meu Deus!’. E uma novela das nove, né, a que costuma ter mais audiência, porque é o horário que as pessoas estão em casa. Então isso pra mim foi “Caramba, estou dentro do lugar que eu sempre quis”.

E o que tem sido muito legal é que gente tem vivido um momento muito bom do mercado, com diversos streamings, tipos de série pra todos os gostos, mas a novela está ali pra todo mundo de graça. Você passa, está passando num bar, numa farmácia, está o porteiro assistindo… E isso tem repercutido na rua, para mim, de um jeito que nunca tinha acontecido. Por exemplo, quando eu comecei a aparecer na novela, na academia que eu malho, todas as pessoas falavam “Eu te vi na novela” […] Então acho que isso fala sobre o quanto tá chegando em muitos lugares.

Giz Brasil: Além de atriz, você também é roteirista e diretora. Qual é a diferença entre estar na frente das câmeras e atrás? O que você gosta mais?

Galba: Eu acho que na profissão de roteiro, às vezes as pessoas dizem que sãomuito criativas… Claro que é muito criativo, mas é muito processual. São horas de trabalho sozinho, em frente a uma tela. Ainda mais depois da pandemia, a gente trabalha sempre em reunião online, basicamente. É um trabalho que você dedica muitas horas, um trabalho solitário. E também chega na parte da equipe, né? Um processo que muitas pessoas participam, tanto os que estão escrevendo com você, seu chefe, as pessoas do canal… então é um processo muito lento. É um processo de muitas etapas e de muito vai e volta.

Então a gente tem que aprender a ter paciência porque às vezes escreve e acha que foi. E vai voltar, voltar e você vai fazer cinco versões daquele roteiro. Mas é muito gratificante quando você assiste aquilo ser feito. Você fala “Cara, eu ajudei a contar essa história de uma forma legal, eu escrevi essa cena”. Então isso eu gosto muito.

E o trabalho de atriz é o que me motiva, eu gosto demais. É um trabalho que você cria, você está ali, você tem que estar entregue 100%. Você conhece muitas pessoas, porque são muitas pessoas envolvidas para gravar uma cena… Eu acho isso muito legal, acho muito gostoso.

E eu tenho tentado nesse momento juntar muito as duas coisas, sabe? Eu sou roteirista, eu sou atriz, então eu posso criar projetos que eu possa ser a personagem. Eu acho que a gente vê muitos exemplos na gringa… “Fleabag”, no Brasil o que a galera do Porta dos Fundos fez, o que muitos artistas fizeram… Acho que eu estou nesse momento pensando como vender projetos que já são a minha cara.

Giz Brasil: Você mencionou que já se apresentou como drag. Tem alguma outra forma de arte que você goste, que talvez queira investir?

Galba: Olha, meu sonho era ser cantora, mas nessa vida não vai ter como. Eu sou uma negação. Eu já fiz aula, já fiz tudo, não deu certo. Inclusive, teve uma vez que eu ia fazer um teste de elenco que tinha que cantar. Eu contratei um professor que me ensinava as técnicas. Aí um dia antes do teste ele falou: “Galba, a música vai muito da confiança, da simpatia. Então amanhã nesse teste, confiança, postura, sorriso, porque a música não é o seu forte”. Eu obviamente não passei [riso].

Giz Brasil: Alguns de seus últimos trabalhos como roteirista foram “Alice Júnior 2” e “Beleza Fatal”. Tem alguma coisa que você pode adiantar?

Galba: “Alice Júnior 2” a gente está muito ansioso para estrear. Eu conheci a galera do filme num festival e depois eles conseguiram fazer a continuação e me convidaram. E foi um filme que… Quando ele saiu, nessa época, era muito incrível ver um filme de adolescente, jovem, sendo feito no Brasil.

E no 2, a gente traz esse espírito, essa alma, com os personagens que já são jovens adultos… acho que eles têm 23 anos nessa continuação. O que eu posso falar é que é são férias, é Alice Júnior de férias numa ilha. E aí a gente vai ver esses personagens um pouco mais velhos, com outros conflitos. Eu acho que é muito gostoso para o público que assistiu como adolescente, que também está crescendo, que cresceu evirou jovem adulto ao longo desses anos, e vai poder crescer junto nessa história.

Sobre “Beleza Fatal”, acho que vai ser uma novela eletrizante. Foi construída uma coisa com muita ação, com clássicos de novela, vilãzona, reviravoltas… É uma novela, novelão. Ela traz essa coisa que a gente tem visto agora de novelas mais curtas pro streaming, que mistura o que há de melhor da novela com as séries.

Giz Brasil: Como atriz, você entrou para “Candelária”, da Netflix, e “Capoeiras”, do Star+. O que pode nos contar?

Galba: Em “Candelária” eu fiz uma participação em um dos episódios. Acho que vai ser uma cena muito fofa, muito bonita. Quando sair, acho que vai ser uma série muito forte. Estou muito ansiosa para sair “Capoeiras” também, porque fiz uma personagem muito maneira. Ela é uma amiga do protagonista da série, que é o Rafael Nodin que faz. Eles constroem ali uma amizade muito bonita, dentro de um contexto dos anos 80,  um contexto onde os dois personagens estão vistos à marginalidade da sociedade e mostram ali que essas pessoas podem ser felizes. Acho que é isso que eu posso falar.

Giz Brasil: “Candelária” é uma série baseada em uma história real. Para você, qual a importância da arte para retratar histórias reais?

Galba: Eu acho que a arte tem a capacidade de sensibilizar muito. Não acho que é obrigação da arte, mas a gente tem o poder na mão de sensibilizar. Então, o que eu penso muito é que quando, por exemplo, a gente liga a televisão, vê um monte de notícias sobre racismo, LGBTfobia, transfobia, de uma forma fria, de uma forma sensacionalista… Mas quando a gente consegue assistir uma coisa que tem esse personagem vivo, vivendo, e às vezes nem vivendo essas histórias trágicas, ou quando se vive, a gente consegue entrar na perspectiva dessa pessoa, na casa, na subjetividade… Acho que a gente ali de alguma forma tenta convidar essas pessoas que são cruéis, que são preconceituosas, que vão agir de formas violentas… Talvez elas tenham no mínimo alguma capacidade de se afetar.

Então eu acho que é um processo muito longo que a gente vai viver pra mudar essas perspectivas, mas acho que a arte pode nos ajudar. Quando você liga lá na novela Renascer e vê as nossas personagens trans indo pra praia beber um drink… Quando você vê um dia a Buba sofrendo, as amigas ajudando, mas no outro dia elas estão muito felizes, chiquérrimas… Eu acho que a gente consegue entrar porque quando você liga a televisão, entra na casa das pessoas. Então acho que a arte tem esse poder.

Isabela Oliveira

Isabela Oliveira

Jornalista formada pela Unesp. Com passagem pelo site de turismo Mundo Viajar, já escreveu sobre cultura, celebridades, meio ambiente e de tudo um pouco. É entusiasta de moda, música e temas relacionados à mulher.

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