Ciência

Genética: Os riscos dos casamentos entre primos

Filhos da união entre parentes têm risco quatro vezes maior de nascer com doenças genéticas raras do que os sem consanguinidade

Texto: Sarah Schmidt/Revista Pesquisa Fapesp

No Brasil, filhos de casamentos entre primos têm 4,16 vezes mais risco de nascer com doenças genéticas raras do que os de casamentos entre não parentes. A taxa de casamentos consanguíneos na região Nordeste é até 13 vezes mais alta do que em algumas localidades da região Sul do país, de acordo com um estudo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Os maiores coeficientes de consanguinidade, que medem o quanto duas pessoas são geneticamente parecidas e aparentadas, e variam de 0, sem nenhum parentesco, a 1, muito próximas, foram encontrados nos municípios de Lagoa, na Paraíba (0,01182), e de Serrinha dos Pintos (0,0095), no Rio Grande do Norte. Já os menores estavam em Belo Horizonte, Minas Gerais (0,00017), e Joinville, Santa Catarina (0,00029).

Júlia Cherem Rodrigues / Revista Pesquisa FAPESP

“A região Nordeste concentra mais populações isoladas geográfica e culturalmente, como os povos ribeirinhos e quilombolas, nas quais os casamentos entre parentes ainda são relativamente comuns”, explica o biólogo geneticista Luzivan Costa Reis, da UFRGS, principal autor do mapeamento, publicado em março de 2023 na revista científica International Journal of Medical Reviews.

As uniões entre parentes se mostraram associadas a maior ocorrência de doenças genéticas do que na população geral por aumentarem a probabilidade de ocorrência de duas variações do mesmo gene que poderia causar algum tipo de problema de saúde. Com apenas uma variação, também chamada de alelo, como em casamentos entre pessoas não aparentadas, o risco de doença genética é menor.

O levantamento mapeou 15 doenças genéticas, com novas mutações em duas delas: a picnodisostose (gene CTSK), que causa baixa estatura e deformidades no crânio; e a síndrome de Raine (gene FAM20C), que inflama o cérebro e danifica o fígado. “As mutações patogênicas ou provavelmente patogênicas podem tornar esses sintomas ainda mais intensos, mas é preciso mais estudos para avaliar as consequências”, observa Reis.

Os pesquisadores chegaram a essas conclusões após analisar publicações indexadas no banco de dados PubMed de janeiro de 2000 a julho de 2020, entre as quais selecionaram os 20 artigos que embasaram o levantamento, e dados sobre o Brasil de 2010 a 2014 do banco de dados global de distúrbios congênitos Modell (MGDb).

Os autores do mapeamento recomendam o aprimoramento da formação em genética médica de profissionais das unidades de saúde das localidades em que os casamentos entre parentes são frequentes. “Desta forma, eles poderiam expor a esses casais os riscos de gerar crianças com doenças genéticas e encaminhá-los para o aconselhamento genético”, comenta Reis. “Assim os casais poderão tomar decisões mais conscientes sobre suas vidas reprodutivas.”

Outro grupo da UFRGS e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Genética Médica Populacional (Inagemp) reforçou a importância do aconselhamento genético ao mapear os agrupamentos geográficos com alta frequência de doenças raras ou anomalias congênitas, também chamados de clusters, na América do Sul.

“Tais locais concentram casos de doenças raras que frequentemente requerem cuidados multiprofissionais e especializados”, comentaram os autores no artigo de revisão, publicado em junho de 2023 na Revista Panamericana de Salud Pública e elaborado com base em 55 artigos publicados até dezembro de 2021.

Coordenado pela médica geneticista Lavinia Schuler-Faccini, da UFRGS, o levantamento registra 65 clusters no Brasil, o que representa mais da metade (53,3%) dos 122 do continente sul-americano. Em seguida estão Colômbia e Venezuela (10,7% dos aglomerados cada um), Argentina (9,8%) e Equador (6,6%).

De acordo com esse trabalho, o Brasil abriga a maioria dos clusters por ser o país mais populoso do continente e ter os estudos mais antigos, desde a década de 1950, sobre comunidades com alta concentração de doenças genéticas. O Censo Nacional dos Isolados (Ceniso), organizado pelo Inagemp, publicou os resultados do país em 2014  na revista Genetics and Molecular Biology e em 2019 na Journal of Community Genetics.

Júlia Cherem Rodrigues / Revista Pesquisa FAPESP

Artigos científicos
CARDOSO, G. C. et alClusters of genetic diseases in BrazilJournal of Community Genetics. v. 10, p. 121-8. jan. 2019.
CARDOSO-DOS-SANTOS, A. C. et al. Clusters of rare disorders and congenital anomalies in South AmericaRevista Panamericana de Salud Pública. v. 47, p. 1-12. jun. 2023.
CASTILLA, E. E. e SCHULER-FACCINI, L. From rumors to genetic isolatesGenetics and Molecular Biology. v. 1, n. 37, p. 186-93. abr. 2014.
REIS, L. C. et alConsanguinity and genetic diseases in Brazil: An overviewInternational Journal of Medical Reviews. v.10, n.1. mar. 2023.

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