_Brasil

Os problemas do “PL Espião” que muda o Marco Civil para punir calúnias na internet

Apelidado de PL Espião, um projeto de lei discutido na Câmara quer alterar trechos do Marco Civil e pode prejudicar a privacidade e o sigilo dos usuários.

Lembra que os deputados queriam mudar o Marco Civil para punir quem fala mal de outras pessoas – inclusive políticos – na internet? Apelidado de ‘PL Espião’, um projeto de lei discutido na CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) quer alterar trechos do Marco Civil e pode prejudicar a privacidade e o sigilo dos usuários na rede.

Uma resolução do CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil) afirma que tais modificações vão contra a liberdade de expressão, privacidade dos usuários e direitos humanos.

Os projetos

São três os projetos de lei que visam alterar o Marco Civil. O PL 215/15 e os apensados PL 1547 e PL 1589 ampliam a pena para casos de injúria, calúnia e difamação ocorrido nas redes, além de permitir que a polícia e o Ministério Público tenham acesso aos dados dos usuários sem a necessidade de uma ordem judicial — hoje, graças ao Marco Civil, é necessária uma ordem judicial para obter tais dados.

Hildo Rocha (PMDB), deputado autor da PL 215/15, justifica a existência do projeto para “resguardar a honra das pessoas contra crimes praticados com utilização das redes sociais”.

Os crimes contra a honra praticados pelas redes sociais têm um efeito devastador na vida das vítimas, causando enormes prejuízos na sua vida profissional, na família, na comunidade, além de sofrimentos morais, emocionais e mentais irreparáveis.

Por essa razão, a legislação deve ser atualizada para contemplar essas hipóteses e propiciar maior proteção aos cidadãos contra esses delitos praticados por meio da internet.

Assim, propomos o aumento da pena para esses crimes, em um terço, quando cometidos por meio das redes sociais, diante do que estaremos prevendo uma pena mais compatível com a gravidade da conduta delituosa.

Rocha acredita que tais medidas são validas, independente de quão duras sejam e que “quem não deve não teme“, como afirmou durante discussão sobre o PL.  “Quem for inocente não precisa ter medo. Os bandidos é que estão com seu traseiro apertado, com medo desse projeto”, disse o deputado, segundo o Convergência Digital.

Somado ao PL, está o apensado PL 1547, de autoria de Expedido Neto (PSD), que institui aumento da pena para crimes contra a honra em sites ou por meio de mensagens eletrônicas — ou seja, nem apps como o WhatsApp ficam de fora. Ele também determina que a polícia “promova […] o acesso ao sítio indicado e respectiva impressão do material ofensivo, lavrando-se o competente termo”.

Neto justifica a criação deste apensado pois o “nosso país experimenta uma verdadeira epidemia de infrações contra a honra praticadas através da rede mundial de computadores”.

Nesse diapasão, importante frisar que, diante da capacidade nefasta de difusão das mensagens, o infrator que pratica os atos retromencionados, mediante a utilização de tal tecnologia, merece maior censura penal.

Com a adoção da nova causa de aumento de pena, como se propõe na presente peça normativa, restará clara mensagem à sociedade no sentido de que o Estado brasileiro não tolera o cometimento desse tipo de delito.

Já o último apensado, o PL 1589, de autoria da deputada Soraya Santos (PMDB), visa punir crimes contra a honra cometidos na internet que causem a morte da vítima.

Neste apensado adicionado ao PL 215/15, a pena é aplicada em dobro e em reclusão para os crimes cometidos por conteúdo da internet. Caso a prática dos atos virtuais levem a morte da vítima, “a pena será de reclusão e aplicada em quíntuplo”. Além disso, com este apensado, provedores que não excluírem o conteúdo difamatório também correm o risco de estarem sujeitos a aplicação de uma multa de R$ 50.000 e a polícia teriam acesso a registros e dados de usuários sem a necessidade de ordens judiciais.

Soraya explica em sua justificativa para o apensado que a internet pulverizou controles — enquanto rádio, TVs, jornais e revistas precisam checar suas fontes antes de publicar qualquer conteúdo, a internet pode publicar qualquer coisa sobre qualquer pessoa sem qualquer checagem. Ela cita ainda o caso da mulher que foi morta em 2014 no Guarujá depois de ter sido confundida com uma sequestradora de crianças, boato que correu a internet.

É por essa razão que entendemos que o Estado deve atuar de forma mais enérgica no combate aos crimes contra a honra cometidos mediante conteúdo disponibilizado na internet, razão pelo qual propomos o presente projeto de lei.

Propomos, de igual forma, alterar o recentemente promulgado Marco Civil da Internet, dando poderes imediatos às autoridades de investigação para o acesso a registros de conexão à internet e aos registros de navegação na internet em casos de crimes contra a honra cometidos mediante publicação no meio virtual. Dessa maneira, caso determinada pessoa esteja sendo vítima dos crimes de calúnia, difamação ou injúria, pela internet, bastará notificar as autoridades competentes, que terão a obrigação de agir e concluir suas investigações em, no máximo, sessenta dias.

Críticas

E por que este novo projeto de lei é ruim? Segundo o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), a PL 215/15 e os apensados PL 1547 e 1589 subvertem os princípios e conceitos fundamentais da internet por estabelecer práticas que ameaçam a “liberdade de expressão, a privacidade dos cidadãos e os direitos humanos em nome da vigilância”, além de “equivocadamente imputar responsabilidade ao provedor de conexão por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros”.

O CGI.br pede que a internet não seja tratada diferente de outros ambientes de interação social, pois isso pode vir a gerar redundâncias e conflitos desnecessários na Justiça.

A Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro também se manifestou contrário as PLs, afirmando que o Marco Civil “corre o risco de ter uma de suas principais garantias de proteção à privacidade eliminada”.

Em nota, a FGV afirma que a PL 2015/15 é vai contra a Constituição Federal, que prevê garantias fundamentais ao cidadão, como a presunção da inocência e o direito à privacidade e ao sigilo de suas informações na rede. A Fundação usa como exemplo para a necessidade de proteção ao sigilo dos usuários um site de apoio a dependentes químicos:

Dados sobre o acesso a sites de apoio a dependentes químicos ou de centros de saúde especializados no tratamento de certas doenças, por exemplo, podem revelar informações sensíveis que talvez jamais tenham sido explicitadas em uma mensagem privada. A necessidade de ordem judicial prévia para a obtenção desse tipo de registro serve justamente para assegurar a privacidade dos usuários e evitar seu acesso indiscriminado pelas autoridades, contendo eventuais abusos de poder.

A possibilidade de ter seus dados vasculhados sem a autorização judicial pode fazer com que usuários deixem de acessar sites cujas informações são essenciais ao seu dia a dia.

O projeto foi discutido nessa quinta-feira (1) e já soma sete sessões na Câmara. Graças a protestos, como o do CGI.br, a votação foi adiada. Os deputados devem colocá-la em pauta novamente na semana que vem.

Foto por Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Sair da versão mobile