O protótipo do buscador do Google na China vincula números de telefone com pesquisas, diz site
O protótipo de mecanismo de busca do Google para a China, que aparentemente tem o codinome Dragonfly, não apenas restringe alguns termos de pesquisa para seguir as regras e desejos dos censores do governo como vincula todas as buscas com os números de telefone dos dispositivos que as realizaram, segundo uma reportagem publicada na última sexta-feira (14) pelo Intercept.
• Google estaria desenvolvendo uma ferramenta de buscas censurada para funcionar na China
• A carta que 1.400 funcionários enviaram à chefia do Google contra um buscador censurado para a China
• Apple move chaves de criptografia do iCloud para a China e levanta preocupações sobre privacidade
O Google se retirou da China em 2010, em meio a preocupações com censura e um ciberataque que comprometeu contas de alguns ativistas de direitos humanos. Recentemente, reportagens que indicam que a companhia pretende voltar começaram a surgir – a China é um mercado gigantesco e alguns rivais da companhia já estão bem estabelecidos por lá.
O Intercept escreveu que os documentos internos mostram que o “Google compilou uma lista de censura que incluía termos como ‘direitos humanos’, ‘protestos de estudantes’ e ‘prêmio Nobel’ em mandarim” para utilizar no projeto Dragonfly. A reportagem diz ainda que funcionalidades aparentemente foram desenvolvidas com o propósito de facilitar que o governo pudesse verificar quem estava pesquisando por algum desses termos:
Fontes familiares com o projeto disseram que os protótipos de mecanismo de busca do aplicativo de pesquisa no smartphone Android dos usuários eram conectados com os números de telefone. Isso significa que as pesquisas individuais das pessoas poderiam ser facilmente rastreadas – e qualquer pessoa que buscasse por informações censuradas pelo governo poderia ser interrogada ou presa caso as agências de segurança obtivessem os registros de buscas a partir do Google.
“Isso é muito problemático pelo ponto de vista da privacidade, porque permitiria ainda mais rastreamento e registros do comportamento das pessoas”, disse Cynthia Wong, pesquisadora sênior de internet do Human Rights Watch. “Ligar as pesquisas aos números de telefone torna muito mais difícil para que as pessoas evitem esse tipo de vigilância além dos limites que é generalizada na China”.
A legislação chinesa exige que todas as empresas de internet que operam no país armazene dados por lá. As regras concedem à polícia poderes muito amplos, mesmo nos estágios iniciais de uma investigação (como a emissão e execução de seus próprios mandados).
O Intercept já noticiou que o Dragonfly se trata de uma “joint venture” com uma empresa chinesa não revelada que teria poderes independentes para atualizar a lista de censura, possivelmente sem a aprovação do Google.
Além disso, a nova reportagem do Intercept aponta que fontes afirmam que “a plataforma de pesquisa também parece ter sido adaptada para substituir dados meteorológicos e de poluição do ar com informações fornecidas diretamente por uma fonte não identificada em Pequim”. A poluição do ar em Pequim é desastrosa e a cidade constantemente é apontada como um dos lugares com a pior qualidade de ar da China. O governo já tentou esconder dados do público e parece que o protótipo do Dragonfly só mostraria números aprovados por eles.
Em agosto, cerca de 1.400 funcionários do Google assinaram uma carta aberta enviada para a gerência pedindo para “saber o que estavam desenvolvendo” e a implementação de um processo que assegurasse que o projeto atende aos princípios da empresa. O funcionário Jack Poulson, cientista sênior de pesquisa, disse ao Intercept que pediu demissão em protesto ao projeto da empresa.
“Eu vejo nossa intenção de capitular às demandas de censura e vigilância em troca de acesso ao mercado chinês como uma perda de nossos valores e da posição de negociação com governos no todo o mundo”, disse Poulson ao Intercept, citando o que ele havia escrito em sua carta de demissão.
As notícias do projeto começaram a circular no mês passado e o Google se recusou a enviar um executivo como Sundar Pichai para falar no Comitê de Inteligência do Senado dos EUA. Os parlamentares americanos criticaram a carta de Pichai que diz que a possibilidade de um mecanismo de busca na China “permanece incerta”.
Um grupo bipartidário de 16 membros da Câmara pediu à empresa mais respostas. Em uma declaração ao Gizmodo (que o Google divulgou anteriormente para outros canais), um porta-voz caracterizou o projeto como meramente “exploratório”:
Temos investido há muitos anos com o objetivo de ajudar os usuários chineses, desde o desenvolvimento do Android, por meio de aplicativos para smartphones, como o Google Tradutor, o Files Go e nossas ferramentas para desenvolvedores. Mas nosso trabalho em uma ferramenta de buscas foi exploratório e não estamos próximos de lançar um produto desse tipo na China.
Aparentemente, o Google não é a única empresa disposta a trabalhar com os censores do país. Para cumprir com novas leis, a Apple transferiu as chaves de criptografia do iCloud de usuários chineses para o país e removeu milhares de aplicativos da App Store, incluindo jogos de azar e ferramentas de privacidade, a pedido do governo.
Imagem do topo: CEO do Google, Sundar Pichai, em 2017. Crédito: Eric Risberg (AP)