Horta feminina de Paraisópolis leva comida saudável a 30 mil moradores
Um pedacinho do interior dentro da cidade que nunca dorme: essa é a sensação que o Giz Brasil teve ao entrar na horta de Paraisópolis, localizada dentro do G10 Favelas, em plena zona sul de São Paulo.
O espaço é tão silencioso que é possível ouvir o canto dos pássaros que rodeiam as mais de 1.200 mudas de plantas espalhadas pelo pátio. Ao mesmo tempo, as cores das frutas que brotam da terra se misturam com a beleza das borboletas nas flores.
Não é apenas a beleza do local que chama a atenção, mas também sua função social. O projeto “AgroFavela Refazenda” nasceu em 2020, durante a pandemia de Covid-19, com o objetivo de levar alimentação saudável para uma população vulnerável.
Os alimentos plantados eram direcionados para o “Mãos de Maria Brasil”, iniciativa responsável por produzir marmitas para os moradores de Paraisópolis. Durante esse período, foram entregues mais de 1,5 milhão de refeições dentro da comunidade.
Parte da produção da horta continua sendo destinada às quentinhas, mas o projeto se expandiu e agora não apenas entrega suas hortaliças para a população como permite que as mulheres vítimas de violência doméstica da comunidade façam parte da produção.
As mulheres de Paraisópolis podem participar de oficinas de capacitação para aprender a mexer na terra e iniciar seus próprios negócios. “Nós já capacitamos mais de 300 mulheres e nossa meta é atingir mil mulheres até o fim desse ano”, contou Flávia Rodrigues, coordenadora do Agrofavela Refazenda e presidente da Associação das Mulheres de Paraisópolis e da União de Moradores de Paraisópolis, à reportagem do Giz Brasil.
Todas as alunas que participam das oficinas têm direito de recolher quinzenalmente uma sacola com frutas e verduras colhidas da horta. Além disso, as mulheres recebem uma muda plantada em garrafa pet para dar início a sua própria produção em casa. Como explica Flávia, elas ganham autonomia para vender os produtos na feira ou sacolão, destacando-se pelo fato de suas hortaliças não contarem com agrotóxicos.
Entre outubro de 2020 e setembro de 2022, 3.325 pessoas receberam as hortaliças diretamente. Outras 16.625 receberam indiretamente, enquanto 12.024 cidadãos foram beneficiadas pelas marmitas do Mãos de Maria produzidas com as hortaliças. No total, mais de 30 mil pessoas foram beneficiadas pelo projeto durante o período.
O jardim
Uma das jardineiras que ministra as oficinas e cuida recorrentemente do jardim é Maria Adélia de Oliveira. A dona Adélia, como é chamada por todo no G10 Favelas, foi convidada para cuidar da horta de Paraisópolis há três anos e meio.
O chamado partiu de Gilson Rodrigues, presidente do G10 Favelas, que durante uma visita à casa de dona Adélia percebeu o quanto a moça cuidava bem de suas plantas. Inicialmente, ela cuidou das hortas do projeto Mãos de Maria, mas passou para a AgroFavela após sua fundação.
“Com cinco anos de idade, eu já estava lá mexendo na terra com a minha mãe. Nós trabalhávamos com a lavoura de milho, feijão, abóbora, melancia, e isso durou até os meus 20 anos. Era para o nosso próprio consumo e para aqueles que viessem pedir”, explica a jardineira.
Hoje, ela compartilha suas habilidades com outras mulheres: “Quem não tem espaço em casa pode plantar um pé de tempero, alecrim. Nós damos exemplos e ensinamos essas mulheres a plantar, cuidar, usar repelentes e nutrientes orgânicos para a horta, nada de químicos”.
Dona Adélia, que também realiza serviços de limpeza em um escritório aos finais de semana, conta que é gratificante atuar na horta. “Eu não só ensino, mas eu aprendo. Tem muitas mulheres que vêm aqui e que já tem essas experiências da roça ou da lavoura e elas também passam informação para mim.”
Métodos aplicados
O projeto tem a parceria da Cityfarm, que oferece o equipamento necessário para a hidroponia. Essa técnica de cultivo consiste em um grande sistema de canos com buracos onde são colocadas as mudas de planta.
Esses canos estão conectados a uma grande caixa d’água, abastecida com cálcio, ferro, potássio e oxigênio. A cada 20 minutos, o sistema liga e as plantas são irrigadas. Vale dizer que as mudas estão presas a esponjas, que permitem que a água continue alimentando a hortaliça entre os intervalos.
Segundo dona Adélia, o tempo entre a semeadura e a colheita é de apenas dois meses, permitindo que as plantas cheguem rápido aos pratos da população. As mulheres que tiverem interesse podem adquirir mini hidropônicas para manter o processo em suas próprias casas.
Mas ninguém precisa ter a hidropônica para iniciar seu próprio negócio. O projeto ensina as mulheres a plantarem em garrafas pet, galões de água e até mesmo potes de sorvete. Essa é uma forma de reciclar e também mostrar que é possível cuidar de uma muda em qualquer tipo de vaso.
Não são apenas as embalagens que são recicladas. Todo o lixo orgânico da cozinha do projeto Mãos de Maria é destinado para a compostagem que alimenta a horta. Cria-se um ciclo benéfico para toda a população de Paraisópolis.
Aqueles que tiverem interesse em doar para o projeto podem ajudar através desse link. Também é possível agendar uma visita ao local através das redes sociais.