Por que pessoas com implantes cerebrais têm medo de passar por portas automáticas

A difícil vivência desses pacientes, que encontram problemas desde máquinas de ressonância magnética até a sistemas de segurança de lojas

Em 2009, Gary Olhoeft entrou em uma Best Buy para comprar alguns DVDs. Ele saiu de lá com seu corpo se contorcendo em convulsão. Olhoeft tem um implante cerebral, pequenos circuitos microeletrônicos que mandam impulsos elétricos para seu córtex motor para controlar os tremores debilitantes que ele sofre como sintoma da doença de Parkinson. Estava funcionando bem. Então, o que aconteceu quando ele passou pelas portas de vidro daquele paraíso dos consumidores? Ele acha que o sistema antirroubo interferiu com seu implante e o desligou.

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Nós vivemos em um mundo de muitos, muitos sinais. E quanto mais sinais existem, maior a chance de eles se cruzarem — e, para pessoas com implantes, o efeito pode ser desastroso.

A experiência de Olhoeft não é única. De acordo com o banco de dados MAUDE, da Food and Drug Administration, sobre relatórios de dispositivo médico, nos últimos cinco anos aconteceram pelo menos 374 casos onde a interferência eletromagnética foi um fator em um acidente envolvendo dispositivos médicos, incluindo implantes neurais, marcapassos e bombas de insulina. Nesses casos, as pessoas detalharam ter problemas com seus dispositivos ao passar pela segurança de aeroportos, usar massageadores ou apenas estar perto de fontes elétricas como microondas, furadeiras sem fio ou “placas de som da igreja”.

Embora nem todos esses relatórios tenham sido verificados, tanto a FDA como os cientistas mostraram preocupações sobre cenários em que os campos eletromagnéticos do ambiente perturbam os dispositivos médicos que operam no mesmo espectro de freqüência.

“A consequência de EMI [ou interferência eletromagnética] com dispositivos médicos pode ser apenas um “blip” transitório em um monitor, ou pode ser tão grave quanto evitar o toque de um alarme ou causar o movimento inapropriado do dispositivo, levando à lesão ou à morte do paciente”, o FDA escreveu em um relatório ainda no ano de 2000. “Com o crescente uso de eletrônicos sensíveis em dispositivos e a proliferação de fontes de energia eletromagnética, há a crescente preocupação com interferência em muitos dispositivos.”

O estudo científico se devotou a impactos desse tipo de interferência em implantes cerebrais, implantes coronários e bombas de insulina. A conclusão: quanto mais dispositivos tanto em nossos corpos quanto no mundo operam na mesma frequência, o problema provavelmente vai crescer, a não ser que sejam feitos planos.

Olhoeft, que tinha acabado de receber o implante, a princípio, não tinha ideia de por que sua viagem à loja tinha provocado os tremores. “Sem o implante, os tremores eram tão ruins que eu não conseguia andar ou conversar”, disse ao Gizmodo. “Depois de instalá-lo, não tive sintomas até entrar naquela Best Buy. Então, dentro de quatro segundos, comecei a tremer novamente.”

Mais tarde, no consultório do seu médico, Olhoeft descobriu que o dispositivo tinha sido desligado de alguma forma, bem na hora que ele entrou na Best Buy. Olhoeft é um professor aposentado de geofísica de Colorado que dava aulas sobre eletromagnetismo. Então, com esses dois detalhes, não foi difícil para ele descobrir o que estava dando errado. Seu implante, ele disse, operou na mesma frequência eletromagnética do sistema de detecção de roubo da Best Buy, e os dois sinais interferiram um ao outro.

“Quando você ganha um implante, eles avisam sobre interferências em dispositivos como máquinas de ressonância magnética. Mas eles não avisam sobre a Best Buy ou o Walmart “, disse. “Eu vou para um grupo de apoio para pessoas com implantes de estimulação cerebral profunda e falei sobre interferências. Perguntei quantas pessoas tinham uma experiência como a minha na Best Buy, e todas as 50 pessoas levantaram suas mãos.”

“Quando você ganha um implante, eles avisam sobre interferências em dispositivos como máquinas de ressonância magnética. Mas eles não avisam sobre a Best Buy ou o Walmart.”

Como Olhoeft disse, não é que ninguém o tivesse avisado. Nos seus manuais, a Medtronic, fabricante do dispositivo, claramente avisa os pacientes que coisas como secadores de cabelo, telefones celulares, ferramentas elétricas, e, sim, sistemas de segurança de lojas podem afetar os dispositivos. O manual de pacientes do dispositivo de estimulação cerebral profunda da Medtronic tem um apêndice inteiro sobre potenciais fontes eletromagnéticas, e as assustadoras consequências de não acatar esses avisos são listadas: mudanças no sistema, mudanças no estímulo, ferimento e até mesmo a morte.

O problema é que, conforme implantes médicos se tornam não apenas cada vez mais comuns, mas mais conectados, o resto do mundo também. E os fabricantes de dispositivo não precisam planejar apenas para os dispositivos que funcionam no ambiente de hoje, mas para pacientes que ainda terão o mesmo implante em um mundo de sinais que podem ser bem diferentes.

“A internet das coisas, a transferência de energia sem fio, a eletrônica nos carros, os medidores inteligentes celulares, o controle de multidões não letal, há uma lista interminável de novas tecnologias eletromagnéticas emergentes que precisam ser testadas” para possíveis interferências, disse Olakedft ao Gizmodo.

“Você pode pensar em algum grau sobre as mudanças que podem aparecer, mas, normalmente, as mudanças que você antecipa são apenas extensões do que você já conhece”, disse Frank Fischer, CEO da NeuroPace, que faz implantes de cérebro para a epilepsia.

Como, por exemplo, um mundo com veículos autônomos, com coisas como carregamento sem fio e sensores por radar, vai impactar pacientes com implantes cerebrais ou marcapassos? Ou, no futuro mais distante, e se todos nós estivéssemos andando com implantes que nos tornem mais inteligentes e tratem nossa depressão? Como esse complexo mundo dos sinais vai funcionar?

“Eu não acho que você possa prever o futuro”, disse Fischer. “Na verdade, o que você quer é se certificar de que, quando as coisas dão errado, um dispositivo entra em um tipo de modo seguro e, em seguida, permite que um paciente o reinicie.”

A Medtronic, que faz o dispositivo de Olhoeft, mostrou o mesmo sentimento em uma declaração ao Gizmodo. “Embora o nosso teste de produtos seja extenso, não podemos enxergar todos os cenários possíveis”, afirmou a empresa. Embora “a maioria dos dispositivos elétricos e ímãs encontrados ao longo do dia típico do paciente” provavelmente não cause nenhum impacto, não há realmente nenhuma garantia.

“Na verdade, o que você quer é se certificar de que, quando as coisas dão errado, um dispositivo entra em um tipo de modo seguro e, em seguida, permite que o paciente o reinicie.”

Todos os dias desde aquela visita à Best Buy, Olhoeft tem navegado o terreno dessa ambiguidade. Ele descobriu que os pontos de controle de segurança do aeroporto, do tribunal local e das arenas esportivas operam perto da frequência de seu dispositivo e potencialmente podem interferir nele. Para testar tais situações, ele usa um detector que lhe diz a frequência de coisas como sistemas de segurança para garantir que eles estejam operando em uma frequência diferente do seu dispositivo. Se a frequência é a mesma, ele dá meia volta. Quando ele vai para a biblioteca da universidade, precisa pedir que desliguem o sistema de controle de inventário para que ele possa entrar, e no hospital ele se afasta de máquinas de ressonância magnética. Em sua própria casa, ele e sua esposa tiraram os reguladores de potência em todos os interruptores, que têm seu próprio pequeno campo elétrico. Assim como o ar condicionado e a geladeira. Desde que seu implante foi instalado, ele descobriu que o mundo é um campo minado de potencial interferência que em um instante poderia potencialmente deixá-lo convulsionando novamente.

É tudo por precaução, esperando evitar os piores cenários listados no seu manual de pacientes.

Olhoeft já ouviu falar de outros pacientes como ele que tiveram problemas com seus implantes e interferências. Uma mulher que tinha um implante cerebral descobriu que, quando o seu carro estava em modo de carga, ele desligava seu dispositivo. Outro homem tinha um implante cerebral, um auricular e um marcapasso que funcionavam quase na mesma frequência e interferiam com a operação dos outros dispositivos.

A indústria de dispositivos médicos compartilha as preocupações da Olhoeft. Em colaborações com fabricantes de coisas como chips RFID, que emitem sinais que potencialmente causam interferências, os fabricantes de dispositivos médicos estão trabalhando uma forma de minimizar a exposição de pacientes como Olhoeft a interferências prejudiciais e educar os pacientes para serem cautelosos.

“É algo que temos de projetar, e no meu laboratório temos que pensar muito nisso”, disse Alik Widge, engenheiro biomédico da Harvard, que trabalha em implantes de estímulo cerebral profundo para doenças mentais. “É um grande problema em potencial.”

Felizmente, existem soluções possíveis. O aumento da segurança e a criptografia, por exemplo, poderiam ajudar a fazê-lo de forma que os dispositivos não pudessem ser impactados por sinais errados. Assim, poderia melhorar os modos seguros de dispositivos, como Fischer mencionou. Enquanto o dispositivo da Olhoeft tem um modo seguro, ele deve ser configurado manualmente e é destinado a situações em que ele sabe que ele entrará em contato com interferências, como durante operações ou uma ressonância magnética.

“Seria melhor se ele fosse automático”, ele disse.

A FDA também tem trabalhado para criar guias para fabricantes de dispositivos para que eles possam criar dispositivos médicos mais compatíveis com os ambientes cada vez mais eletrônicos. Recentemente, eles acabaram de criar diretrizes que também abordam a compatibilidade sem fio, para ver como os dispositivos médicos que se comunicam de forma sem fio interagem com a crescente internet das coisas.

“As coisas estão mudando rapidamente, e os fabricantes médicos estão se esforçando em tentar lidar com problemas antes que eles virem grandes questões”, disse Donald Witters, um engenheiro biomédico no Centro para Dispositivos e Saúde Radiológica da FDA. “Nós passamos muito tempo tentando ficar à frente das comunicações sem fio e a tecnologia da internet das coisas. É difícil prever o impacto que essas coisas vão ter, mas nós podemos tentar nos colocar no lugar que faz as perguntas certas.”

Joel Moskowitz, diretor do Centro de Saúde da Família e da Comunidade na escola de saúde pública de Berkeley, disse ao Gizmodo que sua preocupação é que, à medida que essas questões se tornam mais comuns, os médicos podem não saber como aconselhar seus pacientes.

Olhoeft, cujo implante tem agora seis anos, de uma época em que o iPhone ainda era uma tecnologia recente, se pergunta como isso pode restringir sua vida no futuro. Ele se tornou um porta-voz da questão, falando sobre suas experiências, mandando comentários para o FCC e sugerindo ao Departamento de Justiça que implantes como esse devam ser considerados uma deficiência, já que requerem que você ande cuidadosamente em um mundo construído para pessoas que não emitem sinais eletromagnéticos.

“Nós vamos precisar considerar usar o Americans with Disabilities Act para pessoas com implantes”, ele disse. “Sabe, ‘atenção, pessoas com implantes não devem entrar aqui’.”

Imagem do topo: Elena Scotti/Gizmodo/GMG, fotos via Shutterstock

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