[Crítica] A trilogia Batman de Nolan: Uma conquista única na construção de um mito
Sem levar em conta os outros filmes, Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge é muito bom – melhor do que a maioria dos filmes que estreiam nas férias de julho, mas não tão bom quanto Batman – O Cavaleiro das Trevas. Mas como o desfecho de uma trilogia épica, os três filmes são concisos o suficiente para ser um único e incrível filme.
A trilogia Batman de Christopher Nolan faz algo que ninguém nunca havia feito antes: contar uma história longa e coerente sobre a construção e a desconstrução de um símbolo heroico. Ele explorou o significado de Batman de uma maneira que aprofunda a nossa compreensão da “identidade secreta” dos super-heróis.
Abordarei alguns spoilers menores a seguir…e por “spoilers menores” quero dizer coisas que você já sabe dos trailers. Além de algumas generalizações vagas. Não há grandes surpresas da história ou algo do tipo.
Já fazia alguns anos desde que assisti Batman Begins pela última vez, e eu pretendia assistir de novo antes de ver O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Só que surgiu a Comic Con, e eu acabei ficando sem tempo. Então eu fui assistir O Cavaleiro das Trevas Ressurge com apenas algumas vagas lembranças do primeiro Bat-filme de Nolan. E como resultado, muitas coisas em OCdTR pareciam fora de lugar ou até meio banais. Então, eu finalmente consegui reasssistir Batman Begins, e tudo começou a fazer sentido – existem muitas coisas em OCdTR que são justificadas na primeira hora de Batman Begins, tematicamente e emocionalmente, ao invés de serem justificadas no próprio O Cavaleiro das Trevas Ressurge.
(Dito isto, eu mantenho a afirmação de que este filme não está no mesmo nível de O Cavaleiro das Trevas. Não há nada tão espetacular neste filme quando o desempenho de Heath Ledger como o Coringa. Tom Hardy é ótimo como o vilão principal, Bane, mas ele está interpretando um vilão bem unidimensional. E Anne Hathaway cumpre seu papel. Este filme é bem mais linear e menos surpreendente do que o segundo filme do Batman.)
O terceiro filme de Nolan realmente funciona melhor como o capítulo final de uma história de três atos. No primeiro, um Bruce Wayne emocionalmente ferido se dedica a criar um símbolo para semear medo no coração dos criminosos: o Batman. No segundo, Bruce espera que Harvey Dent, um exemplo de carne e osso, possa tornar o Batman desnecessário – mas quando Harvey Dent mostra que não está a altura, Bruce sacrifica a reputação do Batman para salvar Harvey.
De certa maneira, o Cavaleiro das Trevas tomba no final de Batman – O cavaleiro das Trevas.
O terceiro filme gira em torno de lidar com as consequências da escolha de Batman no final do segundo filme – mas também questiona os motivos de Bruce em criar a figura do Batman em primeiro lugar, lá no começo da trilogia. Existem muitos momentos em OCdTR que reestruturam coisas que acontecem no primeiro filme, então nós começamos a ver a jornada de Bruce, para superar seu próprio medo e criar um símbolo imponente, sob uma nova luz.
A maioria dos filmes de super-herói trata a máscara como um método simples de esconder a identidade do herói – ou simplesmente é parte da imagem do personagem que irá nas lancheiras. Os filmes do Homem-Aranha anseiam para tirar a máscara do herói para que ele possa demonstrar sentimentos. Mas os filmes do Batman de Nolan são bastante únicos na quantidade de tempo que passam falando sobre a máscara como símbolo. (Apesar disso, eu adoro a cena em O Espetacular Homem-Aranha onde ele diz para um garotinho usar sua máscara, porque isso vai deixa-lo mais forte). Ao longo de três filmes, Nolan passa muito tempo discutindo o significado e o propósito do disfarce de Batman.
Bane, o vilão principal em O Cavaleiro das Trevas Ressurge, tem sua própria máscara que define seu rosto, ao invés de o esconder. Uma das primeiras falas de Bane no filme é, “Ninguém se importava com quem eu era, até eu colocar a máscara.” Os materiais promocionais de OCdTR mostraram bastante uma imagem de Bane segurando uma máscara de Batman quebrada, deixando você saber antecipadamente que o disfarce de Batman será quebrado por alguém que entende melhor o uso de máscaras.
Lendas contra Propaganda
Nolan tira muitas coisas dos quadrinhos de Batman em relação aos principais pontos da história nos seus três filmes. Mas a parte onde Batman concorda em assumir a culpa pelos crimes de Harvey Dent foi criada por ele. (Eu acho). E é uma reviravolta única para o personagem – Bruce Wayne decidindo que Batman é mais útil como alguém para levar a culpa do que como um símbolo de justiça. (É difícil de imaginar como os quadrinhos poderiam fazer algo assim como parte de uma trama maior, e estruturar bem isso.)
Voltando a Batman Begins, Ra’s Al-Ghul fala muito sobre a diferença entre um homem e uma lenda – mas o novo filme passa bastante tempo explorando a diferença entre lenda e propaganda. Batman era uma lenda, mas agora Harvey Dent é propaganda. Não apenas que o martírio de Harvey é uma mentira – mas também que seu mito é usado para sustentar a ordem social. Os poderes em Gotham estão todos investidos na história de Harvey Dent. Como Ra’s disse, um homem pode ser corrompido – ou cooptado – mesmo após a sua morte.
Você provavelmente viu o trecho nos trailers onde dois poderosos de Gotham estão falando sobre como o prefeito irá despejar Jim Gordon – porque Gordon era um herói de guerra, mas agora são tempos de paz. Este tipo de complacência acontece na primeira parte do filme, e é construída em cima da história de Harvey Dent.
E é ai que entra Bane. Ele é basicamente um propagandista puro, que muitas vezes fala como uma edição de um Diário Popular. Tudo que Bane faz envolve matar pessoas ou deixar algum tipo de mensagem política. Muitas vezes você tem a sensação de que Bane não se importa que você acredite em metade das coisas que ele diz, desde que você seja contaminado pela lógica oculta. A melhor propaganda não requer que você acredite que ela seja verdade – contanto que você se comporte acreditando que aquilo pode ser verdade. O superpoder de Bane é fazer com que seus inimigos aceitem sua visão da realidade.
E este é um dos motivos pelos quais assistir novamente Batman Begins torna OCdTR muito mais rico – a primeira hora de Batman Begins é basicamente um tutorial sobre usar “dramaticidade e ilusão” para criar algo mais do que só uma pessoa. (E a lógica emocional de Bruce se transformando na coisa que ele mais teme – morcegos – em um avatar de terror para usar contra seus inimigos.) Mas essa dramaticidade e ilusão dependem de uma lenda que está manchada quando Batman confessa assassinato.
Enquanto isso, a história oficialmente sancionada de Harvey Dent é mais política do que mítica, e a política de Gotham City não melhorou nada desde o primeiro filme. Então muito deste terceiro filme é sobre a identidade do super-herói, como símbolo e ferramenta, e as coisas horríveis que acontecem quando você escraviza isso para suprir as necessidades do estado.
Ascensão e colapso da cidade americana
Se você assistiu os trailers de Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge, você já viu muitas imagens de destruição urbana, incluindo as pontes de Gotham explodindo. E um campo de futebol americano sendo destruído durante um jogo. Não é o tipo de destruição urbana indiscriminada que nós estamos acostumados a ver, como em Cloverfield, ou um filme de Roland Emmerich. Isto é bem local. E muito bem planejado.
O primeiro Batman de Nolan mostra um vilão que quer recrutar Bruce Wayne para ajuda-lo a destruir Gotham City, porque ela se tornou uma cidade decadente e corrupta, como uma potência financeira mundial. Ao invés disso, Batman faz um trabalho tão bom em acabar com o crime organizado que ele cria um vácuo que só pode ser preenchido pelo Coringa, que destrói enormes partes da cidade na tentativa de provar que as pessoas de Gotham ainda são corruptas ou corruptíveis. E agora, no terceiro filme, a verdadeira infraestrutura de Gotham está sendo destruída, enquanto todo mundo ou está impotente ou é cúmplice.
Gotham City tem um papel importante nos três filmes. Nós passamos bastante tempo olhando para suas estruturas, tanto sociais quanto arquitetônicas. E quando Bane acaba com Gotham, você tem uma noção clara de que o tempo todo Nolan estava perguntando o que realmente faz uma cidade – mostrando pessoas tentando desfazê-las.
Em um ano com um monte de filmes apocalípticos onde o apocalipse é estranhamente abstrato, Nolan torna o apocalipse concreto. Muitas das imagens que ficam na sua cabeça depois deste filme não são de cenas de luta ou explosões, mas de desolação urbana – muitas dessas imagens estão nos trailers, mas elas têm um impacto muito maior no filme em si.
Você irá ouvir muito sobre a política de O Cavaleiro das Trevas Ressurge nos próximos dias – neste momento, algumas pessoas já estão falando sobre ele ser um filme sobre o Occupy Wall Street, apesar de não existir tal movimento quando o filme foi escrito. Mas se tem uma mensagem política no filme, é sobre a Nova York do prefeito Rudolph Giuliani, e a fragilidade oculta de uma cidade que foi “limpa” baseada em propaganda pós-11 de setembro.
Nolan se foca muito nas estruturas, e como elas se encaixam. E inevitavelmente, os buracos entre elas acabam sendo tão importantes quanto qualquer uma das estruturas em si.
O legado de Batman
Como eu disse, Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge não irá se tornar um dos meus filmes favoritos de todos os tempos por si só. Existem cenas demais em sequência onde as pessoas fazem discursos bombásticos ao invés de conversarem entre si. Você consegue sentir Nolan mexendo as cordinhas para conseguir que as pessoas façam coisas que a trama exige que elas façam. A frequentemente comentada incapacidade de Nolan de capturar emoção real está bem clara. Há uma série de pontos na trama que não parecem estar de acordo com o famoso compromisso de Nolan com o realismo, e algumas partes do desfecho são meio bobas.
Mas quando você pensa nisso como a conclusão de uma trilogia, todas as falhas de Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge como um filme separado são esquecidas, e o que resta é algo poderoso – e envolvente, em um nível emocionalmente visceral. Ideias e sentimentos ressoam pela trilogia, e as sete horas e meia da jornada de Bruce Wayne se unem em uma progressão psicológica.
E com todos os seus temas de máscaras, lendas e a relação entre o herói e sua cidade, a trilogia de Nolan é um mito poderoso e também um ótimo comentário sobre a construção de mitos. Provavelmente nunca mais haverá outra trilogia como esta.
Publicado originalmente no www.io9.com.