Que Machado de Assis é um dos maiores escritores do Brasil, todos sabemos. Mas será que nosso conhecimento vai além da obra? Um projeto do analista de sistemas e editor Cláudio Soares quer provar que ainda há muito a conhecer sobre o autor que viveu entre 1839 e 1908.
Há pelo menos três anos ele se dedica a encontrar e reunir tudo o que pode sobre Machado. O objetivo: escrever uma trilogia sobre a vida do autor e disponibilizar documentos, fotografias e todo o acervo usado como fonte em um site aberto ao público.
Assim surgiu o perfil do Twitter “Machado de Assis Online”. A página começou a publicar reportagens e fotografias desconhecidas do escritor em junho. Em três meses, reuniu mais de 8 mil seguidores interessados em conhecer e debater a vida e obra do criador de Dom Casmurro.
O perfil é uma amostra da biografia de Machado de Assis. Soares planeja uma trilogia com detalhes sobre a vida do autor. A previsão é que o 1º volume seja lançado em 2023. Ao todo, a trilogia deve alcançar 1,5 mil páginas com base em mais de 2,5 mil materiais de referências sobre o escritor.
“Tenho muita informação acumulada. Na informática, eu trabalhava com gestão da informação, lidava com a organização de dados caóticos. E é isso que estou fazendo agora”, disse em entrevista ao Gizmodo Brasil.
Qual era a altura de Machado de Assis? Perguntam-me, não poucas vezes. Não encontrei registro. Porém, com base nessa foto, em que Machado aparece ao lado de Joaquim Nabuco (cuja altura era 1,86 m.) calculamos que Machado media (aproximadamente) 1,65 m de altura. pic.twitter.com/FAfNbQL7Nb
— Machado de Assis Online, por Cláudio Soares (@mdassisonline) August 16, 2022
Segundo Soares, Machado de Assis tem várias biografias, mas todas escritas sob a perspectiva acadêmica. “Quero possibilitar uma visão mais humana do autor, trazer essas informações para o grande público”, afirmou. Pesquisadores de Machado de Assis também colaboram com o projeto.
As obras devem abordar temas que atravessam o homem por trás de Memórias Póstumas de Brás Cubas, desde a árvore genealógica até a ascensão social e discussões sobre negritude e racismo.
“Apesar de escrever sobre um personagem que morreu há 114 anos, Machado nunca esteve tão em voga. É só ver o interesse no Twitter: temos um público amplo, muito engajamento. Machado é mais amplo que aquilo que está na comunidade científica. As pessoas têm interesse sobre ele”, pontuou Soares.
Veja fotos raras de Machado de Assis
As fotografias foram publicadas no perfil do Twitter Machado de Assis Online (@mdassisonline).
Gestão das informações
É um vasto trabalho de pesquisa – e, principalmente, de curadoria. A 1ª publicação de Machado de Assis na imprensa, por exemplo, é um poema de 1854, quando tinha 15 anos. Desde então, ele publicou de modo quase que ininterrupto em jornais até sua morte, em 1908.
“Para juntar tudo isso precisamos aproveitar muito do que já foi feito, mas estava disperso”, explica Soares. “É claro que nem tudo vai caber no livro, que tem espaço limitado, mas essas informações não podem ser descartadas”.
Precioso registro de leitura da Biblioteca Nacional. No dia 13 de agosto de 1855, um rapaz de 16 anos, chamado Joaquim Maria Machado de Assis, leu alguns números do jornal A Marmota, do qual se tornaria assíduo colaborador, justamente, a partir daquele ano. pic.twitter.com/kCDNTRQcyo
— Machado de Assis Online, por Cláudio Soares (@mdassisonline) September 1, 2022
Por isso, o plano é criar um portal com informações categorizadas para que qualquer pessoa possa acessá-la – não só quem ler a biografia.
“A ideia é criar um hub como o de uma rede social, com bases de dados, infográficos, mapas. Informações fáceis de serem acessadas”, apontou. Os arquivos devem entrar na plataforma à medida que os livros da trilogia são publicados.
Tecnologia para desvendar Machado
Até lá, a tecnologia também deve ajudar a desvendar questões inerentes a Machado de Assis, como a discussão sobre sua negritude. Fotografias antigas apontam que o escritor era o que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) classifica como “pardo”.
“A mãe de Machado era portuguesa, branca. O pai era pardo. Então é muito provável que ele também fosse pardo. Mas quando morreu, morreu branco. Está na certidão de óbito”, contou o editor.
Segundo Soares, os documentos mostram que o diplomata e jornalista Joaquim Nabuco, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, ficou revoltado com um artigo do famoso crítico literário José Veríssimo, que chamou Machado de “mulato”.
“Seu artigo no Jornal do Commercio está belo, mas esta frase causou-me arrepio: mulato”, escreveu Nabuco. “Eu pelo menos só vi em Machado de Assis, o grego”. Tanto Nabuco quanto Machado de Assis apoiavam a campanha abolicionista. A prova está em fotografias e documentos da época.
Desde 2009, comemora-se no Brasil, em 19 de agosto, o Dia do Historiador, em homenagem ao nascimento do diplomata, historiador, político, jurista e escritor pernambucano Joaquim Nabuco (1849-1910), grande amigo de Machado de Assis. pic.twitter.com/Dwg661Pmsr
— Machado de Assis Online, por Cláudio Soares (@mdassisonline) August 19, 2022
A reunião de informações sobre Machado abre caminho para conhecermos uma nova perspectiva sobre o escritor brasileiro. “Temos uma ideia errada de Machado. Confundiram-o com seus personagens. Machado não era Dom Casmurro”, diz Soares.
Os documentos mostram que Machado se arrependeu de não ter filhos – diferente do que se pensaria ao ler Memórias Póstumas de Brás Cubas, onde o personagem central orgulha-se em não ter deixado a ninguém “o legado de nossa miséria”.
“Ele não teve filhos pois se casou com Carolina quando ela já tinha 35 anos e ele 30. Na época, estavam criando uma estrutura, não tinham uma vida fácil em termos financeiros. Documentos mostram cobranças de dívidas dele”, conta Soares. “Não era um símbolo. Era uma pessoa comum. Espero detalhar a infância e juventude, pouco conhecidas hoje”.