Só porque você pode fazer algo estúpido para ganhar pontos na internet, isso não significa que você deveria fazer isso. Um motorista de Uber e Lyft de St. Louis, nos Estados Unidos, vinha fazendo streaming ao vivo de seus passageiros, muitas vezes sem seu conhecimento ou consentimento, em uma conta no Twitch, segundo escreveu o jornal St. Louis Post-Dispatch na semana passada.
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De acordo com o periódico, Jason Gargac, de 32 anos, tinha duas câmeras montadas em seu para-brisa — uma de frente para ele e os passageiros, convenientemente iluminada por LEDs roxos, e outra de frente para a estrada — constantemente fazendo streaming para um canal no Twitch que ele criou para transmitir suas atividades de corrida. No processo, centenas de pessoas tiveram suas corridas transmitidas ao vivo na internet, a maior parte delas sem saber:
Gargac fez cerca de 700 corridas na área desde março por meio do Uber, além do Lyft. Quase todas foram transmitidas para o canal dele no Twitch, um site de vídeos ao vivo popular entre os gamers, no qual Gargac usa o nome de usuário “JustSmurf”.
Os passageiros incluíam crianças, universitários bêbados e figuras públicas involuntárias, como um repórter da KSDK e Jerry Cantrell, guitarrista da banda Alice in Chains.
Os primeiros nomes, e ocasionalmente os nomes completos, são revelados. Casas são mostradas. Passageiros vomitaram, beijaram, conversaram sobre parentes e amigos e reclamaram sobre seus patrões no veículo de Gargac.
No fim de semana, o canal JustSmurf se tornou inacessível.
“Eu tento capturar as interações naturais entre mim e os passageiros — como uma corrida no Lyft e no Uber realmente é”, Gargac disse ao jornal, acrescentando que ganhou cerca de US$ 3.500 em assinaturas, doações e “gorjetas” de espectadores do Twitch, além de seus US$ 150-300 em média por noite nas corridas (Gargac agora tem 4.500 assinantes, e seu empreendimento parece ter sido marginalmente lucrativo, já que todos os equipamentos de filmagem e de rede custam cerca de US$ 3.000). Gargac costumava informar os passageiros sobre a transmissão, mas, depois de concluir que o conteúdo parecia “falso” e “produzido”, optou por informá-los apenas se notassem as câmeras ou sua camiseta do Twitch, escreveu o St. Louis Post-Dispatch.
Entretanto, poucos pareceram notar, e Gargac frequentemente dizia às pessoas que as câmeras estavam gravando por motivos de segurança, sem mencionar a transmissão no Twitch. Um pequeno adesivo na janela lateral do passageiro informava a eles que, “para a segurança, este veículo é equipado com dispositivos de gravação audiovisual. Consentimento dado ao entrar no veículo”, embora o Post-Dispatch também tenha apontado que quase todos não viam esse aviso ao entrar no carro.
A transmissão no Twitch provavelmente é legal, já que o Missouri é um estado em que gravações só precisam de consentimento de uma das partes, e Gargac insiste que não existe expectativa razoável de privacidade em um “carro de um estranho”. Ainda assim, seus antigos passageiros ficaram bem bravos com tudo isso, conforme escreveu o Post-Dispatch:
“Sinto-me violado. Estou envergonhado”, disse um passageiro encontrado pelo Post-Dispatch e que pediu para não ser identificado, para evitar que seja ligado às imagens. “Entramos em um Uber às 2 da manhã para ficarmos seguros, e então descubro que, por causa disso, tudo que eu disso no carro está online e que as pessoas estão me vendo. Isso me enoja.”
… Passageiros de cinco corridas diferentes responderam aos pedidos de comentários de um repórter. Nenhum deles sabia que havia tido sua corrida transmitida online. Todos disseram que não teriam consentido se soubessem.
… “É desumano”, uma passageira mulher afirmou.
Existem alguns outros detalhes estranhos e desconcertantes na história, incluindo que Gargac prefere o público que vem de bares, por serem mais divertidos — leia-se: bêbados — para os espectadores; que ele instalou um plugin para mostrar a imagem de um galo em cima da virilha das passageiras depois de suas câmeras capturarem uma imagem de debaixo de suas saias; e os espectadores de Gargar muitas vezes parecem deixar comentários assustadores, sexistas ou de julgamento sobre os passageiros (sobre isso, Gargac diz que a transmissão é moderada por voluntários, incluindo sua esposa).
Inicialmente, o Uber apontou que o estado do Missouri permitia a ação de Gargac, mas, posteriormente, tanto Uber quanto Lyft confirmaram que Gargac não era mais motorista dos aplicativos. “O comportamento nos vídeos não está de acordo com nossas Diretrizes de Comunidade”, disse uma porta-voz do Uber ao Post-Dispatch. “O acesso do motorista ao app foi removido enquanto avaliamos sua parceria com o Uber.”
O Uber proíbe comportamento inapropriado ou desrespeitoso por parte de seus motoristas, incluindo comentários sobre a aparência ou observações sexuais, dizia o comunicado. O Lyft também desativou Gargac como motorista, segundo um porta-voz da empresa. Além disso, um porta-voz do Twitch enviou o seguinte ao Gizmodo:
Não comentamos sobre violações aos Termos de Serviço em relação a indivíduos específicos.
Sobre nossas políticas, sob as Diretrizes de Comunidade e os Termos de Serviço, não permitimos que as pessoas compartilhem conteúdo que invada a privacidade dos outros. Se denunciado para nós pela pessoa cuja privacidade foi invadida, agimos de acordo com nossas Diretrizes de Comunidade para remover o conteúdo.
Por fim, a cereja no topo de bolo foi que Gargac pediu que seu nome fosse deixado de fora da matéria, porque a internet é “um lugar maluco”. Talvez ele devesse pensar nisso em relação a seus passageiros também.
Imagem do topo: AP