Esses coelhos mutantes só andam plantando bananeira e geneticistas estão tentando entender

Mutação genética faz com que coelhos andem em duas patas e, frequentemente, causa cegueira nesses animais, descreve o novo estudo.
Um coelho saltador de Alfort andando sobre as patas dianteiras, resultado de uma mutação genética. Crédito: S. Boucher

Uma linhagem inteira de coelhos franceses pratica bananeira há quase um século. Esses coelhinhos acrobáticos são, na verdade, um produto de uma “acrobacia” genética, de acordo com um artigo publicado na semana passada na PLOS Genetics.

Descoberto pela primeira vez em um coelho domesticado que vivia em um subúrbio parisiense em 1935, o traço recessivo é resultado de uma mutação genética que poderia ter ficado oculta no código genético dos animais por gerações, se manifestando pela primeira vez nesse período. Não é exatamente um superpoder. A variedade de coelho – o “sauteur d’Alfort ” ou “saltador de Alfort” – também tem maior probabilidade de desenvolver catarata e ficar cega.

“A variante tem sido mantida desde então para estudar malformações oculares e locomoção patológica”, disse o coautor Miguel Carneiro, geneticista da Universidade do Porto, em Portugal, por e-mail. “Os coelhos com esta mutação não seriam capazes de sobreviver por muito tempo na natureza devido aos seus efeitos deletérios.”

Os coelhos são bípedes e muitas vezes cegos. Imagem: Carneiro et al. 2021 (outros)

Os coelhos andam de quatro quando se movem lentamente, mas quando estão com pressa, mudam para o método da parada de mão. Agora, uma equipe de geneticistas identificou a raiz de todos esses problemas no DNA da raça.

Para descobrir a origem das anormalidades do animal, a equipe de geneticistas e biólogos de desenvolvimento cruzou o saltador Alfort com coelhos que saltam normalmente e sequenciaram o DNA de seus descendentes. Eles descobriram que os coelhos bípedes tinham uma mutação no primeiro cromossomo; especificamente, um gene chamado RORB, que expressa uma proteína de mesmo nome.

Foto: S. Boucher

“Com a tecnologia moderna, é fácil ir de um simples distúrbio recessivo para a descoberta dos genes”, disse o coautor Leif Andersson, geneticista da Universidade de Uppsala, na Suécia, em uma videochamada. “A expectativa era que houvesse algo errado com a medula espinhal, porque eles não coordenam as patas dianteiras e traseiras.”

Entre os coelhos saltadores de Alfort (talvez um nome impróprio, visto que os coelhos não saltam), isso se provou verdadeiro. A proteína RORB é um fator de transcrição, o que significa que ela participa de uma série de genes, que acabam sendo expressos em traços. As proteínas são normalmente produzidas em interneurônios inibitórios que interrompem as comunicações que se movem pelo corpo. (Imagine uma operadora se recusando a atender suas chamadas.) Nesses coelhos que andam de forma inusitada, os interneurônios estavam menos presentes ou completamente ausentes e, neste último caso, os coelhos flexionavam demais as patas traseiras, tornando-os incapazes de pular.

“O que acontece quando você está se movendo é que esses neurônios disparam o tempo todo, e eles coordenam as contrações musculares e recebem feedback sobre o equilíbrio dos diferentes membros”, disse Andersson. “Essa coordenação da contração muscular não está correta nesses coelhos.”

A bananeira não é em si a mutação, mas uma solução alternativa para uma inibição debilitante dos meios icônicos de locomoção do animal. Andersson disse que a locomoção em dois pés não causou aos animais nenhuma dor que ele pudesse perceber.

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Esse não é o único animal a apresentar problemas de locomoção devido a mutações genéticas. Comportamento semelhante foi observado em camundongos com uma mutação RORB, e trabalhos anteriores de Andersson descobriram que uma mutação no gene DMRT3 atrapalha a mobilidade de camundongos e cavalos. (Curiosamente, é essa mutação que causa os diferentes padrões de marcha de certas raças de cavalos, do Tennessee Walkers ao Louisiana Fox Trotters.)

Graças à ciência genética, esses mistérios podem ser decifrados em escalas microscópicas e poderiam ajudar na melhor compreensão dos centros de comunicação de nossa própria medula espinhal (humana), para a pesquisa médica daqui para frente.

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