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“Narizes artificiais” feitos a partir de amido permitem identificar comida estragada

Do tamanho de botões, biofilmes indicam estado de conservação dos alimentos em tempo real e são feitos com matérias-primas abundantes e de fácil acesso

“Narizes artificiais” feitos a partir de amido permitem identificar comida estragada

Da Redação* / Arte: Joyce Tenório** / Jornal da USP

Pensando em inovar na área com o desenvolvimento de um método inteligente para auxiliar na tarefa de identificar a deterioração de alimentos, pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP, do Instituto de Química da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e do Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE) da Unesp, em Rio Claro, criaram novos biofilmes à base de amido que indicam se determinado produto está impróprio para consumo, atuando como verdadeiros “narizes artificiais”. Os resultados da pesquisa foram publicados este ano em artigo na revista científica internacional Microchimica Acta.

Além de realizar o controle em tempo real do estado de conservação dos alimentos e, assim, evitar desperdícios, a nova tecnologia também contribui para garantir a segurança alimentar e a confiança dos consumidores, assegurando que os produtos serão comprados enquanto ainda estiverem em boas condições. Do tamanho de um botão, os biofilmes foram desenvolvidos a partir de matérias-primas abundantes e de fácil acesso: amido de mandioca (polvilho doce), água e glicerol – um tipo de álcool.

Quando o assunto é alimentação, o Brasil ocupa dois postos antagônicos. Se está no top 5 dos maiores produtores agrícolas, sua população, por outro lado, é uma das que mais desperdiça comida. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), em estudo do ano passado, 27 milhões de toneladas de comida no País vão parar no lixo anualmente. Em boa parte dos casos, no entanto, o desperdício ocorre por desatenção ao estado de conservação do alimento.

Danilo Manzani – Foto: Reprodução/IQSC-USP

Os biofilmes produzidos são coloridos com substâncias (corantes) que mudam de cor quando entram em contato com certos gases liberados por um alimento estragado, como compostos de enxofre e nitrogênio. À medida que o alimento começa a se deteriorar, esses gases emitidos provocam reações químicas que alteram a coloração inicial dos biofilmes, indicando que a comida pode estar estragada. Um conjunto de biofilmes pode ser aplicado como parte integrante da embalagem ou como um sensor interno em contato indireto com o alimento. Dessa forma, os consumidores ou operadores conseguirão verificar visualmente a cor do biofilme sem abrir a embalagem, permitindo uma análise rápida e não invasiva da frescura do alimento. Cada mudança de cor é pré-determinada para identificar certos níveis de deterioração e diferentes tipos de gases, proporcionando um método fácil e eficaz para monitorar a qualidade dos produtos.

Na pesquisa, os cientistas comprovaram a viabilidade dos biofilmes com testes para monitorar a deterioração de carne de vaca, porco e frango, constatando a confiabilidade da nova tecnologia: “Nem todos os biofilmes mudam de cor da mesma forma, depende muito do composto que está reagindo. Por isso, utilizar um conjunto de biofilmes lado a lado, como se fosse uma etiqueta, traz confiança às alterações de cor do material”, explica Danilo Manzani, professor do IQSC e um dos autores do trabalho. “Conseguimos avaliar o estágio de conservação do produto olhando para o rearranjo das cores após a exposição aos alimentos em diferentes estágios de apodrecimento. Além disso, esses biofilmes são muito baratos, é um investimento de centavos.”

 

 Biofilmes coloridos, do tamanho de botões, no formato testado pelos pesquisadores – Foto: Reprodução/IQSC-USP

Sustentabilidade

O custo para a produção de um biofilme é ínfimo e mais um fator que pode beneficiar os consumidores e donos de supermercados na tarefa de conservar os alimentos. Para se ter uma ideia, um saquinho de 500g de polvilho doce não custa mais que R$ 10,00 e, com 500mg do produto, é possível produzir cerca de 1.000 biofilmes. Em uma comparação simplificada, os biofilmes funcionam de forma semelhante ao nosso nariz, que possui um conjunto de nervos para identificar diferentes tipos de cheiro. No caso dos biofilmes, ao invés de odor, eles detectam moléculas emitidas no processo de decomposição dos alimentos mudando de cor. É como se cada biofilme se comportasse como um nervo olfativo humano.

“É mais fácil assim porque acaba sendo um experimento visual. Você bate o olho e fica fácil perceber, não precisa de nenhum outro instrumento. E a mudança de cor tem a ver com os compostos que estão sendo emitidos pelo alimento”, relata João Flávio Petruci, professor da UFU e um dos responsáveis pela pesquisa. O biofilme de amido já existe no mercado, mas ainda não há nada que o utilize em conjunto com esses narizes artificiais para monitorar o apodrecimento de alimentos”.

Utilizando o amido como principal matéria-prima, os cientistas propõem um material biodegradável e de fácil acesso como mais uma alternativa aos plásticos sintéticos derivados do petróleo que são nocivos ao meio ambiente. Para Antonio Roveda, egresso do IQSC e pesquisador do Departamento de Física do IGCE da Unesp, a praticidade dos novos biofilmes deverá ajudar milhares de pessoas, sendo uma opção para a preservação de alimentos tanto em casa quanto em prateleiras de supermercados, sacolões ou pequenos estabelecimentos comerciais.

João Flávio Petruci – Foto: Currículo Lattes

“O legal desse processo todo é a garantia da segurança alimentar do consumidor. Se tiver uma bandeja de carne na prateleira do mercado, por exemplo, a pessoa já vai bater o olho e identificar se o alimento está em condições de ser consumido. Será uma espécie de indicativo de validade daquela comida, pois a gente vê muito alimento sem validade”, afirma o pesquisador, um dos autores do artigo. Então, a pessoa vai conseguir detectar se a carne foi disponibilizada há uma semana mesmo ou há um mês”, afirma o pesquisador.

Ainda é cedo para fazer uma projeção de quando o novo biofilme estará disponível no mercado. No entanto, os líderes do projeto estão abertos a estabelecer parcerias com entidades das áreas de produção de alimentos, acadêmica e industrial visando acelerar a chegada do produto às prateleiras.

Antonio Roveda – Foto: Linkedin

A pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O estudo também contou com a participação de Luan Passini, do IQSC, e Bárbara Cristina Dias, aluna da UFU.

*Matheus Martins Fontes e Henrique Fontes, da Assessoria de Comunicação do IQSC, adaptado por Júlio Bernardes
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

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