Nova soja transgênica faz fotossíntese extra e rende 33% a mais
Texto: Marcos Pivetta, da Revista Pesquisa FAPESP
Modificações genéticas introduzidas na soja tornaram mais eficiente o seu processo de fotossíntese e aumentaram a produtividade do cultivo transgênico em até 33% em experimentos realizados no campo. Os ganhos de rendimento na lavoura não alteraram suas características nutritivas. A quantidade de proteína e óleo armazenada nos grãos da soja alterada permaneceu a mesma da planta comum. A fotossíntese transforma a energia da luz solar em energia química, indispensável para o desenvolvimento do vegetal. Os resultados são reportados em artigo de capa da revista Science desta semana. A botânica brasileira Amanda Pereira de Souza, da Universidade de Illinois, dos Estados Unidos, é a primeira autora do trabalho.
Essas mesmas alterações já tinham sido testadas no tabaco pela equipe de Illinois em um trabalho de 2016, também publicado na Science, que mostrou elevação da produtividade dessa planta da ordem de 20%. “Aceleramos o processo de desligamento de um mecanismo de proteção ao excesso de luz que reduz a fotossíntese quando a planta passa pela transição da exposição à luz para a sombra”, explica De Souza. “Dessa forma, toda vez que há flutuação de luz nas folhas, um evento comum no campo, há um ganho de carbono pela planta devido à maior eficiência na fotossíntese.” Entre 2005 e 2015, a botânica foi bolsista da FAPESP, primeiro no mestrado, feito no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp), e, depois, no doutorado e pós-doutorado, realizados no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP).
Os pesquisadores introduziram na soja três genes de Arabidopsis thaliana, planta da família da mostarda usada como modelo da biologia. Esses genes já existem na soja normal. O objetivo de reforçar o genoma do cultivo agrícola com uma cópia extra é aumentar a produção das proteínas associadas a esses genes. Essas proteínas regulam um mecanismo de proteção das folhas da soja (e de muitas outras plantas) quando expostas a um excesso de luz, denominado extinção não fotoquímica.
Em alta luminosidade, as plantas fazem o máximo de fotossíntese. Para evitar danos, as folhas que recebem luz em demasia dissipam o excesso de energia solar absorvida em razão da ativação da extinção não fotoquímica. Quando essas mesmas folhas entram em uma zona de sombra, devido à passagem de uma nuvem ou por terem sido encobertas por alguma parte da planta, elas não desligam imediatamente esse sistema de defesa contra o excesso de sol. Elas mantêm esse mecanismo desnecessariamente ligado por algum tempo e demoram alguns minutos para direcionar a energia recebida para a fotossíntese, um atraso que diminui a eficiência do processo. A proteção conferida pela extinção não fotoquímica é ligada e desligada várias vezes ao dia em função das condições de luz.
A introdução das cópias extras dos três genes faz com que as folhas da soja iniciem a fotossíntese em menos tempo do que o padrão quando passam de um ambiente com excesso de luz para um de sombra. “Essa modificação genética deu certo tanto no tabaco como na soja, que são culturas bem distintas”, comentou, em entrevista por e-mail a Pesquisa FAPESP, o botânico Stephen Long, da Universidade de Illinois, chefe do grupo que realiza os estudos. “Acreditamos que ela deve funcionar em cultivos cujos ancestrais são originários de hábitats abertos, nos quais as zonas de sombras eram raras.” Quarto cultivo mais comum no mundo, a soja é a primeira cultura agrícola de larga escala em que a alteração genética proposta pelo grupo de Illinois é testada. No momento, De Souza realiza experimentos semelhantes com a mandioca.
Modelagens matemáticas indicam que a soja transgênica poderia retirar cerca de 10% a mais de carbono da atmosfera em razão da otimização da fotossíntese. O grupo de Illinois, no entanto, ainda não realizou experimentos de campo para tentar medir se esse benefício realmente ocorre na lavoura. “Modificações genéticas que melhorem o processo de fotossíntese podem ser úteis não só para aumentar a produtividade agrícola, mas também para estimular as plantas a retirar mais carbono da atmosfera e mitigar as mudanças climáticas”, comenta o botânico Marcos Buckeridge, do IB-USP, em cujo grupo de pesquisa De Souza desenvolveu trabalhos antes de ir para os Estados Unidos.
A introdução de cultivos transgênicos sempre requer cuidados extras e a realização de estudos sobre possíveis impactos indesejados ao meio ambiente ou à saúde. Ainda assim, o desenvolvimento de cultivos geneticamente modificados com maior produtividade é cada vez mais frequente. Em julho, em outro estudo publicado na Science, uma equipe da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas reportou o desenvolvimento de uma variedade transgênica de arroz que atingiu um rendimento no campo até 40% maior do que sua versão convencional. Os chineses introduziram uma alteração genética diferente da do grupo de Illinois que altera não só a fotossíntese do cultivo, mas também seu processo de absorção de fertilizantes (nitrogênio) do solo e sua floração.