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O moço velho Charlie Parker, revolucionário da música

Uma das anedotas mais melancólicas da música envolve a morte do saxofonista que revolucionou o jazz em 1940. Nós relembramos a história aqui

Uma das anedotas mais melancólicas da música envolve a morte do saxofonista Charlie Parker, o homem que revolucionou o jazz com a criação do bebop na década de 1940.

Fulminado por um infarto enquanto assistia TV na noite de 12 de março de 1955, Charlie estava com o corpo em tão más condições que o médico-legista estimou que ele teria entre 50 e 60 anos de idade. Nascido em 29 de agosto de 1920, Parker estava com 34. Um moço velho.

Parker foi vítima de sua longa e imoderada dependência de opióides, especialmente heroína, sem contar outros vícios e maus hábitos. Ele conheceu as “maravilhas” do entorpecimento ao ter aplicações de morfina num hospital após um acidente de carro que lhe estourou costelas e afetou a coluna em 1936.

Não fosse isso, talvez Charlie tivesse sido cativado pela heroína do mesmo jeito. A cena do jazz de Nova York era infestada de músicos que usavam a droga nos anos 1940 e 1950.

As histórias de vício e morte precoce de Parker são gigantes no folclore musical, mas acabam atrapalhando um pouco a avaliação de que ele foi um gênio da música. E ele foi. Como criador, como instrumentista e como ícone de um estilo ou de uma geração.

Charlie nasceu em Kansas City, uma cidade grande com uma expressiva cena de jazz nos anos 1920 e 1930. Após dominar os rudimentos do saxofone alto, mais agudo que o tenor, o rapaz meteu as caras para tocar em alguma banda ou orquestra. Com 16 anos, já viajava para tocar profissionalmente e ficou baseado em Ozark, no estado do Missouri.

Em 1939, mudou-se para Nova York para uma grande aposta em sua carreira. Logo tornou-se músico fixo da banda de Jay McShann, na qual ficaria até 1942. As grandes descobertas viriam na metrópole.

O bebop

Numa jam session (sessão de improviso de músicos em suas horas vagas), Charlie descobriu que podia desconstruir toda a estrutura de notas da música “Cherokee” – tocava algumas notas ou sequências, deixava outras de fora, acelerava a velocidade com que tocava um jorro de notas e obtinha um resultado que era praticamente outra música.

Este era praticamente o método do bebop. Desconstruir para criar algo novo e diferente. Se pensarmos bem, isso segue sendo feito até hoje, só que agora digitalmente através de samplers.

Mas, além de criar em cima de standards, Parker e a turma do bebop também compunham do zero. E, quando falamos em turma, ela inclui o primeiro e maior parceiro de Parker: o trompetista Dizzy Gillespie, igualmente genial e com um visual ímpar, com boina, cavanhaque e bochechas que se inflavam como baiacus quando tocava.

Parker e Gillespie se conheceram numa esquina de Nova York. E descobriram que eram almas gêmeas musicais na criatividade e na ambição de fazer algo importante.

Com outros monstros jovens como os pianistas Thelonious Monk e Bud Powell, e o baterista Max Roach, formou-se um núcleo duro de um novo jeito de tocar jazz. Não havia uma banda fixa na maior parte do tempo, mas o estilo ganhou um nome que agregava a todos: bebop.

Por causa de uma greve do sindicato dos músicos em relação às gravadoras entre 1942 e 1944, o bebop só chegou ao vinil com certo atraso. Como líder, Charlie Parker só gravou e lançou seus primeiros discos em 1945.

Dizzy partiu para formar seu próprio grupo em seguida e seu substituto na banda do líder Parker foi um rapazinho de 19 anos chamado Miles Davis. É impressionante a quantidade de gênios que orbitou em torno de Parker.

Felizmente há alguns filmes e vídeos de Charlie em ação. Aqui um clipe colorizado com ele tocando “Hot House” com o velho amigo Dizzy Gillespie em 24 de fevereiro de 1952, numa apresentação no DuMont, um canal de TV americano que teve vida curta. Naquele mesmo ano, os dois parceiros lançaram o álbum “Bird and Diz”.

O culto

Criou-se um culto a Parker que chegou a extremos de obsessão. Havia fãs dedicados que levavam gravadores rústicos aos shows para gravar apenas o saxofone de Parker. Isso gerou uma circulação de fitas e discos clandestinos (ou seja, piratas) que não tinha comparação na época.

Parker também ganhou o apelido de Yardbird, muitas vezes encurtado para Bird. Afinal, ele sua música tinha a liberdade de um passarinho, voava alto e produzia trinados de muitas notas em velocidade vertiginosa.

A célebre velocidade de Parker no saxofone não era pura técnica exibicionista sem alma. Ele era perfeitamente capaz de tocar lentamente e com sentimento, especialmente nas covers de baladas românticas.

Charlie também não tinha medo de experimentar. Apreciador de música clássica, persistiu com gravadoras até finalmente conseguir gravar um álbum inteiro com orquestra de cordas, o célebre “Charlie Parker with Strings”, gravado em novembro de 1949 e puxado pelo clássico “Summertime”.

O problema é que a genialidade musical era afetada pelo comportamento errático de Charlie por seu vício pesado em heroína.

Numa temporada na Califórnia, botou fogo nos lençóis de seu quarto de hotel e, pelado e chapado, saiu em disparada pelos corredores. Foi detido e internado de julho de 1946 a janeiro de 1947 no hospital psiquiátrico de Camarillo – que inspiraria sua brilhante composição “Relaxin’ at Camarillo”, gravada logo após sua saída da internação.

Outros incidentes causados pela droga podem ter sido menos espetaculares ou históricos. Mas não menos danosos à carreira e à saúde de Bird. Por isso seu corpo estava num estado lastimável ao morrer.

O filme biográfico

Parker foi homenageado com um filme biográfico em 1988: “Bird”, escrito, produzido e dirigido por Clint Eastwood em 1988. Um trabalho de amor do astro durão. Clint toca piano e é um amante do jazz, daqueles que torcem o nariz para o rock. Seis anos antes, Eastwood já tinha feito um documentário sobre o pianista Thelonious Monk.

O filme dividiu opiniões quando chegou aos cinemas e ainda tem defensores e antipatizantes. É um filme bem feito e as sequências musicais com o ator Forest Whitaker impecável como Parker são muito bem feitas.

Mas estudiosos do jazz questionam um monte de detalhes e incongruências de “Bird”. Uma das principais é a cena em que Parker fica revoltado ao ver um velho amigo saxofonista tocando rhythm’n’blues dançante – ou uma versão pioneira de rock’n’roll – num show.

O amigo toca poucas notas ruidosas com intensidade puramente rítmica e apela para a tosca “buzinada” (“Honk!”) para excitar a plateia. Na saída do palco, Parker manifesta sem cerimônia sua contrariedade em relação ao que acabou de ver.

Essa cena foi questionada. Charlie era um apaixonado por música, independentemente de estilos, e poderia até ter arriscado alguns experimentos com o rhythm’n’blues ou o rock’n’roll, que estouraria e tomaria conta do mundo uns poucos meses depois de sua morte.

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