O que a crise na HP nos ensina sobre o mercado de PCs

Adoramos o WebOS e ficamos tristes pelo seu estado de coma (quem sabe alguém o ressucite em outra empresa? Ou ele ressurja em impressoras e outros corpos estranhos?). Mas no turbilhão de notícias da HP, a queda nas ações e o anúncio dos resultados de ontem à noite, duas coisas não podem ser ignoradas: a empresa […]

Adoramos o WebOS e ficamos tristes pelo seu estado de coma (quem sabe alguém o ressucite em outra empresa? Ou ele ressurja em impressoras e outros corpos estranhos?). Mas no turbilhão de notícias da HP, a queda nas ações e o anúncio dos resultados de ontem à noite, duas coisas não podem ser ignoradas: a empresa acabou de gastar US$ 10 bilhões comprando a Autonomy, uma desconhecida do grande público, e a sua divisão de PCs pessoais está basicamente à venda. O que isso quer dizer? Vender computador barato numa era de iPads dá muito trabalho. E não dá tanto dinheiro. A situação da HP nos convida a uma reflexão sobre a tal “Era pós-PC” .

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A ameaça dos tablets aos PCs

Esqueça, por um momento, o mercado brasileiro e finja que você está nos EUA. Mesmo com crise, ele ainda é o maior mercado. É onde as grandes empresas estão e fazem muito dinheiro. Nós ainda estamos crescendo, comprando o “primeiro PC” em 24x a torto e a direito. Lá, eles já têm algum(s) em casa. Na hora de comprar outro, como está acontecendo agora, há duas opções: gastar os mesmos 500 dólares do notebook anterior para um upgrade marginal (do ponto de vista do usuário médio doméstico), basicamente saindo do Windows XP para o Windows 7; ou fazer um upgrade maior, gastar mais em um notebook parrudo. Nenhum dos dois cenários ajuda a HP.

Na parte debaixo, dos notebooks baratos, há a ameaça dos computadores asiáticos, como Acer, Lenovo e Asus, mais baratos e muitas vezes com configurações melhores, sem contar as OEMs. Em mercados mais sensíveis ao preço, como os EUA em crise ou o Brasil, quaisquer 30 dólares a menos na etiqueta minam os ganhos da HP. Vale o esforço?

Mas, mais do que isso, há um novo jogador no cenário de PCs, algo que não é um PC. O CEO da HP Leo Apotheker disse pelo menos 3 vezes durante a coletiva telefônica que “O efeito dos tablet é real”, usando isso como justificativa para separar ou se desfazer da divisão de PCs pessoais. Ele elaborou um pouco mais, explicando que as pessoas estão usando o PC “de forma diferente”. É o que Steve Jobs chama de “era pós-PC”. E é onde a HP tentou entrar com seu WebOS e o Touchpad, mas falhou miseravelmente.

Forrester e Gartner esperam que no máximo em 2013 tablets ultrapassem notebooks em vendas nos EUA

Antes que joguem pedras: um tablet não tem a menor condição de substituir um PC se você trabalha seriamente em um computador. Mas como explicamos, em mercados maduros, as pessoas não estão indo atrás do primeiro computador, mas de um novo, complementar. E a “forma diferente” de interação do iPad, pelo mesmo preço dos notebooks, é bastante atraente. A pessoa ainda terá um PC no seu trabalho, e o velho computador em casa ainda vai servir para digitar apresentações no Powerpoint, baixar filmes e músicas ou fazer uma pesquisa escolar usando internet e Word. Não é preciso um novo Core i7 para isso. Para todo o resto, um tablet é mais do que suficiente, com várias vantagens. Aliás, não só os tablets. Mesmo os smartphones podem suprir a necessidade de “computação casual”. O namorado da minha mãe, que já passou dos 60, disse pra mim que praticamente não usa mais o computador que acabou de comprar (um PC bem bacana que ele montou escolhendo as peças) depois que passou a usar  um Motorola Defy.

A HP notou que as necessidades dos novos compradores já estava mudando há pelo menos 3 anos. Veja esta reportagem da Época de 2008:

A empresa está tentando fazer o marketing de computadores pessoais como sendo máquinas amigáveis, não apenas rápidas e poderosas. Seu slogan é: “O computador é pessoal novamente”.

A HP comprou startups inovadoras, tentou vender PCs com uma experiência mais amigável, como o Touchsmart, e focou um bocado na coisa da “criatividade”. Internamente, ouvia-se que ela queria ser a Apple dos PCs. Em outras palavras, ela queria mudar a cara de “fabricante de impressoras” e gabinetes bege para empresa descolada, jovem – para os acionistas, isso representaria produtos caros e altas margens. Além do Touchsmart, podemos lembrar a linha Envy, lançada com muito barulho, e os Tablet PCs, com sua tela sensível ao toque, como parte dessa iniciativa. A ideia do CEO Mark Hurd (que renunciou inesperadamente por acusações de assédio sexual) era audaciosa, e por um breve período rendeu frutos e empolgou os acionistas.

Mas analisando os resultados financeiros, obviamente essa estratégia não deu certo como eles esperavam. A maioria das pessoas que querem algo parecido com um Mac têm comprado, vejam só, Macbooks. Há 5 anos a Apple cresce mais no segmento de notebooks que a média do mercado de PCs. Basicamente porque mesmo com a tal “taxa Apple”, HP, Dell (com seu Adamo) ou Samsung (com o Series 9, mais recentemente) não conseguiram chegar no preço. E o mindshare dos produtos mais caros pende a favor da maçã.

Envy, você parece um MacBook e custa tão caro quanto, mas você não é da Apple

Se nos produtos domésticos de altas margens a HP não conseguiu beliscar uma grande fatia, no mercado de empresas o campo de batalha é ainda mais complexo. Há muito dinheiro a ganhar aqui, como provam os Thinkpads cheios de encriptações e carcaças à prova d’água vendidos a R$ 6.000. Mas a concorrência da Lenovo e Dell, e mais recentemente de outras OEMs, é cada vez mais feroz. A HP ainda é a maior empresa de computadores do mundo, mas talvez ela tenha entendido antes de algumas concorrentes que é um mercado muito complicado, que está mudando rapidamente na era do iPad, especialmente para acionistas que só se interessam em números azuis nos resultados trimestrais. Hoje o negócio de PCs da HP representa 36% do seu faturamento (em queda), mas apenas 16% do lucro, ou 5,3% de margem operacional. Se o WebOS, a carta na manga para entrar na era pós-PC, não se mostrou uma alternativa viável, o que fazer?

A HP deixou bastante claro que quer separar a sua divisão de PCs e, se tudo der certo, vendê-la. Difícil será achar compradores, mas isso é outro papo.

 

O caminho IBM

A HP não é só computadores. Há os setores de servidores e armazenamento corporativo, impressão e imagem (que apesar dos efeitos do terremoto no Japão no fornecimento de tinta e componentes, conseguiram se manter lucrativos) e serviços para empresas. Esses vão relativamente bem. E é aqui que a empresa quer concentrar esforços. Léo Apotheker fez questão de frisar como foi importante a aquisição da Autonomy, como a venda de soluções para empresas será importante. Em outras palavras, a HP está brincando de IBM.

Estes são os produtos oferecidos pela Autonomy, que custarão US$ 10 bilhões à HP. Chato, mas lucrativo.

No fim de 2004, a IBM anunciou que venderia sua divisão de PCs para a então desconhecida mundialmente Lenovo. A terceira maior fabricante do mundo vendia para a nona o seu pedaço no bolo, por US$ 1,25 bilhão mais US$ 500 milhões de dívidas. Hoje, a IBM ainda é uma gigante de mais de 400 mil empregados no mundo. E na tal Era da Informação a Big Blue é a empresa com mais patentes dos EUA, por muito longe, tem 9 laboratórios espalhados pelo mundo e vem com invenções o tempo inteiro, de computadores super-inteligentes a chips que raciocinam como o cérebro humano.

Mas além de cientistas, a IBM tem uma quantidade absurda de vendedores. Esses costumam chegar para as empresas e falar “vem cá, eu prometo desenvolver uma solução de TI para a sua empresa, colocar coisas na nuvem, organizar processos e prestar suporte pelos próximos anos. Não é barato, e você ainda vai ter que gastar uma grana com hardware (além dos nossos servidores). Mas hey, eu sou a IBM.” Como prova o lucro líquido de quase US$ 15 bilhões no ano passado, a estratégia tem dado certo.

Há outros exemplos a se mirar no ramo de SaS (Software como serviço). A Salesforce.com, empresa mais inovadora do mundo segundo a Forbes, vende soluções baseadas na nuvem funcionando por assinaturas, e tem crescido uma média de 70% ao ano em uma estrutura enxuta. Mais ou menos na mesma hora que a HP dava anúncios tenebrosos a seus acionistas, a Salesforce.com registrava um faturamento recorde, mostrando que cada cliente novo traz um faturamento de US$ 50 mil por ano. Parece melhor negócio. Por isso a compra da Autonomy faz sentido: a HP está comprando expertise e uma “carteira de clientes”.

Este caminho parece ser o preferido por Apotheker. Antes de virar CEO da HP, ele passou 20 anos na SAP, outra empresa de software corporativo. Ele entrou na HP há 11 meses e, pelas últimas ações, a pouca paciência com o WebOS e a maneira com que falou ontem na conference call, parece ter pouca paciência com essa coisa de “vender computador” ou tablets e smartphones. Ele quer ir onde o dinheiro está, e aparentemente é vendendo “soluções” para empresas – de preferência com um combo de impressoras e servidores. Este mercado também é enormemente competitivo, com outros players fortes como, além dos citados, a Oracle, que adora processar a concorrência. Mas para o CEO, é a melhor solução. Não é a única.

 

As outras saídas

Estamos em tempos de mudanças bruscas e muito rápidas no mundo da tecnologia. Veja a queda monumental da Nokia. Ou a Motorola, que ia para o buraco, se dividiu, saiu do buraco, começou a entrar de novo e foi comprada pelo Google. Ou a criação do novo mercado de tablets, e como ele tem redefinido a indústria. Isso tudo tem acontecido em um espaço de menos de 2 anos. Então é muito difícil projetar o futuro. O WebOS pode ressurgir em um hardware melhor, a divisão de impressoras pode criar soluções inovadoras que rendam dinheiro, e o mercado de soluções para empresas pode estar horrivelmente inflacionado, uma nova bolha a explodir. É difícil projetar. Mas o cenário hoje, agostos de 2011, está claro.

Monstros assim ainda dão bastante dinheiro à HP

A HP é uma companhia gigantesca, que tem gente, fábrica e pesquisas para trilhar vários caminhos possíveis. Será interessante acompanhar seus próximos passos. Mas essa guinada radical é bastante reveladora, como aponta John Timmer, do Ars Technica:

Se a sua divisão de PCs se dividir, ela ainda será um grande player, assim como a divisão de hardware da IBM continuou importante sob a liderança da Lenovo. Mas a jogada da HP pode ser mais um indicativo de o negócio de PCs como a maioria de nós entende – o motor de inovações tecnológicas e lucros – é um negócio do passado. E agora que PCs são basicamente commodities, há poucos motivos para eles serem realmente atrativos para os atuais gigantes da tecnologia.

Num mundo onde “todo mundo” tem PCs, onde as fabricantes de PCs irão ganhar dinheiro? As bolsas parecem não saber nem confiar muito no futuro – as ações da HP já caíram 20% só hoje. Mas o desenrolar da novela de uma empresa que foi sinônimo de calculadoras científicas pode apontar mais claramente o futuro da computação.

 

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