O que a Foxconn aparentemente exige para investir US$12 bilhões no Brasil – e o que podemos ganhar com isto
Todo dia há novos rumores ou informações sobre a possibilidade da Foxconn fabricar produtos da Apple no Brasil. Apesar de sermos céticos, não se engane, desde o início queremos que os rumores sejam verdade. Se tudo der certo o preço das iCoisas pode cair no Brasil, e fabricar eletrônicos no País irá ajudar a indústria nacional.
Bem, agora a Folha afirma que a Foxconn vai montar o iPad e o iPhone no Brasil em fábricas de Jundiaí (SP), e pode antecipar o início da produção de novembro para julho. Ainda não temos certeza de que o preço das iCoisas será de fato menor, mas as exigências que a Foxconn fez ao governo para investir US$12 bilhões em cinco anos no país podem nos ajudar.
Vale destacar que esses US$12 bilhões não são só para produtos da Apple: o valor corresponderia a um plano de duas etapas para fabricar produtos de várias empresas. Na primeira etapa, de 2011 a 2013, seriam produzidos smartphones, tablets e monitores de até 32 polegadas. E, de 2014 a 2016, teríamos TVs LCD Full-HD de até 60 polegadas. E os US$12 bilhões não virão só da Foxconn: eles querem ajuda do governo para encontrar sócios brasileiros, que também contribuiriam com investimentos. Quais exigências a Foxconn fez ao Brasil, e como elas podem nos ajudar? Elas estão resumidas no belo infográfico abaixo, da Folha.
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Vejamos cada uma delas:
Incentivo fiscal a tablets
A Foxconn quer que tablets recebam incentivos fiscais, o que não acontece hoje. A Receita entende que, por não possuírem teclado, tablets não podem ser considerados notebooks e aproveitar as isenções fiscais da chamada “Lei do Bem”. (Obviamente, nem tudo com teclado recebe isenção: tablets com dock e smartphones com teclado não recebem tributação diferenciada, por exemplo.) Ou seja, para estender os benefícios a tablets, não dá pra contar com a regra atual: é necessário aprovar a isenção especificamente para tablets.
Em março, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo – que vem trabalhando pela popularização dos tablets no Brasil – prometeu imposto zero aos tablets. Agora, o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, diz que os tablets terão incentivos fiscais antes que o iPad seja fabricado no Brasil.
Esta decisão beneficia não só o iPad, como todos os tablets, de grandes e pequenas empresas, e pode ajudar a baixar o preço deles no Brasil. Como já dissemos, tablets não são essenciais hoje: um laptop e/ou smartphone podem fazer até mais do que um tablet, então é compreensível que muitos nem pensem em comprar um. Mas as aplicações de tablets na educação, segurança e até para tratar crianças com câncer mostram que o aparelho tem potencial muito maior do que acessar seu Twitter e e-mail – com o preço menor, poderemos ver mais de todas essas aplicações. Mas é bom lembrar que, pelo atual estágio do projeto de desoneração (redução de cerca de 10% do IPI e 5% do ICMS), não podemos esperar preços muito mais baixos ainda.
Pressa na implementação de projetos
Você sabe que no Brasil, as coisas demoram. Abrir uma empresa aqui leva muito mais tempo que em outros países, obras de infraestrutura andam e param até finalmente estarem completas (ou não), e projetos no governo às vezes levam anos até serem aprovados. Veja a novela do trem-bala ou os aeroportos para a Copa.
A Foxconn já sabe disso, e cobrou prazos do governo para atender às demandas feitas pela empresa. E o governo deve obedecer: eles temem que a Foxconn vá para outro país da América Latina, como México ou Argentina, se a gente demorar demais. Então já existe um grupo de trabalho, nomeado por Dilma Rousseff, para avaliar as exigências e elaborar o mais rápido possível um cronograma de negociações com a Foxconn. “O governo foi desafiado a níveis praticamente sem precedentes”, diz a Folha de S. Paulo.
OK, essa medida não vai mudar o país definitivamente, mas gosto de achar que pode ensinar o governo a responder de forma ágil. E, se conseguirmos cumprir todos os acordos com a Foxconn, imagino que outras grandes empresas poderiam vir ao país, ou reforçar sua presença aqui. É o caso das chinesas ZTE e Huawei, que recentemente anunciaram novos investimentos no Brasil.
“Cidade inteligente” e infraestrutura
A Foxconn continuou com suas exigências: eles querem um terreno grande o bastante para abrigar um “cluster” industrial – conjunto de fornecedores e transportadoras que complementam as fábricas da Foxconn. O campus da Foxconn deve ser cabeado com fibra ótica e dispor de Wi-Fi de alta velocidade. O custo de cabeamento onde ainda não há fibra ótica é cerca de R$120 por metro, segundo a FSP: não será algo trivial a ser feito, mas não parece impossível.
A empresa também quer malha de transporte para levar os produtos mais rápido aos consumidores, além de prioridade em portos e aeroportos (terminais dedicados) e regime alfandegário diferenciado. Ou seja, eles não querem ter qualquer problema pra importar peças e vender os produtos prontos, seja para o Brasil, seja para o exterior. Eles só não devem ter um terminal dedicado às mercadorias da Foxconn, já que só a estatal Infraero opera terminais – e o governo não pode fazer exceções a uma só empresa. Veremos como isso se resolve.
Eu temo que estes benefícios de “cidade inteligente” fiquem restritos à Foxconn e não sejam estendidos nem mesmo à cidade onde fica o campus. E as exigências de prioridade em portos e alfândegas parecem muita coisa, mas devem ser compensados em contrapartidas esperadas pelo governo, que explicamos a seguir.
Contrapartidas: mais emprego e transferência de tecnologia
O ministro Mercadante havia prometido 100 mil empregos diretos e indiretos nos próximos cinco anos, dos quais 20 mil para engenheiros. E será que a Foxconn vai mesmo gerar tanto emprego assim, e ainda mais num país com déficit de engenheiros? Não sabemos, mas uma das contrapartidas que o governo exige é: contrate a maior parte das pessoas no Brasil. Nada de importar mão-de-obra de outros países.
As condições de trabalho nas fábricas também devem ser diferentes do que na China: outra contrapartida esperada pelo governo é o respeito à legislação trabalhista. Ou seja, respeito aos direitos dos trabalhadores, e nada dos salários baixíssimos cobrados na China.
Mas será que nossa legislação trabalhista não será um problema? Mercadante reconhece que existe um “gargalo de competitividade” no Brasil, mas grandes empresas – como Samsung e Motorola – já fabricam seus produtos aqui, e mesmo as chinesas ZTE e Huawei anunciaram novos negócios no Brasil. Quer dizer que o custo Brasil não impede a vinda de empresas, mesmo com as vantagens de custo na China.
Por fim, o governo brasileiro quer fazer algo que a China faz com empresas estrangeiras: deixar multinacionais investirem no país, em troca de conhecimento e know-how vindos de fora. Ou seja, o Brasil não vai simplesmente fabricar produtos: a ideia é aprender com a empresa. Para isso, a Foxconn deve criar um Centro de Produção e Desenvolvimento. Além disso, parte dos funcionários será treinada na China. Esta exigência é muito importante – espero que o governo e a Foxconn levem isto a sério.
Os rumores e “confirmações” devem continuar até a esperada divulgação oficial da Foxconn. Enquanto isso não acontece, é bom saber que a vinda da Foxconn pode trazer benefícios para outras empresas e para o país. [Folha e FSP (apenas para assinantes); UOL Tecnologia via MacMagazine]
Infográfico: Folhapress; Imagem por Michigan Municipal League/Flickr