“É declarada extinta, desde a data desta lei, a escravidão no Brasil”, diz a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel, em 13 de maio de 1888 — há exatos 135 anos. O dispositivo com apenas dois artigos entrou para a história ao abolir a escravidão formal, o que significa que o país deixou de reconhecer que qualquer pessoa seja dona de outra.
Apesar da abolição – que só aconteceu 55 anos depois da libertação de escravos no Reino Unido e 23 anos nos EUA –, novas formas de servidão persistem no Brasil desde então. Só o nome mudou: hoje os casos são de “trabalho análogo à escravidão”, uma forma “atualizada” de restringir a liberdade e dignidade dos indivíduos.
O que é trabalho análogo à escravidão
O artigo 149 do Código Penal traz elementos quem definem a escravidão contemporânea – ou seja, o trabalho análogo à escravidão. São elas:
- Trabalho forçado: na prática, os trabalhadores são impedidos de deixar seus locais de trabalho ou de se desvincular dos empregadores. Há, portanto, o cerceamento do direito de ir e vir
- Servidão por dívida: empregadores submetem os trabalhadores a sistemas de endividamento. É como se ele precisasse “pagar para trabalhar”: o patrão cobra taxas exorbitantes pela alimentação ou transporte, muitas vezes em valores mais altos que o próprio salário. Assim, os indivíduos nunca conseguem quitar o que supostamente devem e acabam presos em um ciclo de exploração
- Condições degradantes: é comum que o trabalho análogo à escravidão submeta trabalhadores a ambientes insalubres, jornadas exaustivas e falta de acesso a itens básicos, como água potável, moradia adequada, descanso e higiene. Por isso, coloca em risco sua dignidade e a própria vida.
- Isolamento social: os trabalhadores não têm acesso ou comunicação com o mundo exterior, o que dificulta a denúncia dos abusos.
O Código Penal prevê punição para perpetradores do trabalho análogo à escravidão desde 1940.
Maior índice dos últimos 15 anos
Mais de um século depois da Lei Áurea, há pouco a se comemorar. Desde janeiro, operações de fiscalização resgataram 1.201 trabalhadores em condições análogas à escravidão no país. Esse é o maior número em 15 anos, segundo dados do Radar do Trabalho Escravo da SIT (Secretaria de Inspeção do Trabalho).
Até agora, os estados com mais pessoas flagradas como “escravas modernas” são Goiás (372) e Rio Grande do Sul (296). Em seguida, estão Minas Gerais e São Paulo, com 156 cada. As vítimas estavam nos seguintes setores:
- produção de cana-de-açúcar (223)
- pecuária (212)
- cultivo de uva (207)
- construção civil (110)
“Os maiores casos de trabalho escravo de 2023 estão ligados à terceirização”, disse Maurício Krepsky, auditor-chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho, à coluna do Leonardo Sakamoto, no UOL. “A permissão legal de terceirizar trouxe uma sensação de irresponsabilidade social na cadeia de valor das empresas”.
Pelo menos 61.459 pessoas foram resgatadas em trabalhos análogos à escravidão desde 1995 — quando o governo brasileiro criou um sistema público para combater esse tipo de crime. É provável, porém, que o número seja muito maior.
Como denunciar
Se você suspeita que alguém esteja em um trabalho análogo à escravidão, pode denunciar de forma anônima ao Sistema Ipê ou pelo Disque 100. Também recebem denúncias os canais do Ministério Público do Trabalho e Ministério Público Federal.