O que são compostos bioativos, elementos essenciais para a produção de vacinas, medicamentos e tratamentos de saúde
Reportagem: Guilherme Castro/Instituto Butantan
Para que um medicamento chegue às farmácias ou um tratamento possa ser aplicado em um hospital, há um longo caminho a ser percorrido. Na base dessa jornada estão pesquisas que analisam compostos muito interessantes, que podem ser úteis à humanidade, chamados de bioativos — termo que engloba uma vasta gama de substâncias de origem biológica, dentre os quais peptídeos, proteínas e enzimas derivadas de plantas, bactérias, fungos ou animais.
Compostos bioativos são moléculas de origem natural com enorme potencial para a medicina, principalmente pelo que há de desconhecido nos seus estudos. Um exemplo é o bolor do gênero Penicillium, que deu, por acaso, origem ao antibiótico penicilina. Com o avanço tecnológico e a implementação de técnicas como a análise biológica em larga escala, substâncias com histórico de uso terapêutico desde tempos antigos estão se tornando alvos vitais e cada vez mais abrangentes para o desenvolvimento de novas soluções na área da saúde.
Compostos bioativos e suas aplicações
Todo organismo vivo possui milhões de compostos com funções destinadas a suprirem necessidades biológicas e fisiológicas. Se produzidos ou secretados em excesso, porém, esses componentes podem causar problemas. “Da mesma forma que, no caso de um acidente com animal peçonhento, a letalidade de um veneno é determinada pela dose administrada, a toxicidade ou eficácia terapêutica de uma substância é regida pela quantidade e concentração aplicadas”, relata a especialista do Laboratório de Imunoquímica do Instituto Butantan Giselle Pidde. Na biologia, o balanço fisiológico é muito equilibrado, e pode pender para um lado ou outro, a depender de como o componente é utilizado.
É a partir dessa noção que cientistas estudam as características dos compostos bioativos. Por meio de estratégias como varredura (screening), é feito um rastreio de substâncias potencialmente úteis nos mais diversos tipos de organismos, desde uma simples extrato de folha de uma planta, até secreções como o veneno de uma serpente.
Quando um composto demonstra propriedades potencialmente benéficas para os seres humanos, ele é direcionado aos estudos de aplicação. Se continuar provando resultados positivos nos experimentos, futuramente ele pode servir como base para o desenvolvimento de um produto de ação profilática, como uma vacina; de tratamento, como novos medicamentos; ou de diagnóstico, para ser utilizado em testes que detectam alterações no organismo.
“Quando um composto bioativo não pode ser direcionado para nenhuma dessas vias de aplicação, ele serve como conteúdo para entender o mecanismo de ação de determinado composto, como a toxicidade. De qualquer modo, sempre irá gerar alguma informação relevante que, eventualmente, pode se combinar com outras descobertas e culminar em avanços científicos”, relata Giselle.
O desconhecimento sobre o que existe na natureza ainda é maior do que o conhecimento, o que é um grande estímulo para a pesquisa, que se alimenta de perguntas, ou seja, do desconhecido. Para a cientista do Butantan, as respostas de muitos problemas da humanidade se encontram em processos espalhados na natureza que ainda não entendemos completamente.
Bioativos no Butantan
Entre outras ações, os cientistas do Instituto Butantan se dedicam a procurar compostos bioativos provenientes de venenos, que são ricos em substâncias proteicas e não proteicas (derivadas de proteínas), orgânicas e inorgânicas. Entre as substâncias estudadas nos laboratórios estão venenos de animais como serpentes, aranhas, escorpiões, anfíbios e lagartas.
Os cientistas dedicados à pesquisa básica geram material fundamental ao desenvolvimento da pesquisa aplicada. Eles exploram diversas áreas do conhecimento para entender organismos vivos e criar modelos científicos que permitam mapear a composição e atividade de moléculas em órgãos ou secreções específicas.
Uma estratégia comumente utilizada no estudo de secreções animais no Butantan é o fracionamento desses elementos por diferentes técnicas. As frações obtidas são testadas em modelos de interesse e aquelas que apresentarem atividade são submetidas a um novo processo de fracionamento, que continua até que o composto puro seja alcançado.
Um exemplo é a procura por uma substância com atividade antibiótica, testada em culturas de bactérias. Se for encontrada uma única molécula capaz de eliminar bactérias, etapas adicionais de estudo são necessárias para determinar a viabilidade deste composto como produto comercial. Somente no final dessa cadeia de desenvolvimento é que o item finalmente encontra a prateleira da farmácia – o que pode levar anos, ou até mesmo décadas.