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Ondas de choque de bombardeios da Segunda Guerra chegaram à beira do espaço, relatam cientistas

Como se os efeitos devastadores das bombas soltas em cidades europeias durante a Segunda Guerra Mundial não fossem terríveis o bastante, um surpreendente novo estudo mostra que as ondas de choque produzidas por esses bombardeios alcançaram a beira do espaço, temporariamente enfraquecendo a ionosfera da Terra. Grandes bombardeios dos Aliados durante a Segunda Guerra Mundial […]

Como se os efeitos devastadores das bombas soltas em cidades europeias durante a Segunda Guerra Mundial não fossem terríveis o bastante, um surpreendente novo estudo mostra que as ondas de choque produzidas por esses bombardeios alcançaram a beira do espaço, temporariamente enfraquecendo a ionosfera da Terra.

Grandes bombardeios dos Aliados durante a Segunda Guerra Mundial produziram ondas de choque fortes o bastante para reduzir brevemente a concentração de elétrons na ionosfera de nosso planeta, segundo uma nova pesquisa publicada nesta terça-feira (25), no periódico científico Annales Geophysicae.

Esse enfraquecimento ocorreu acima dos locais dos bombardeios e em um raio de até mil quilômetros de distância, segundo a pesquisa. O efeito foi só temporário e não foi perigoso, mas uma ionosfera (camada da atmosfera da Terra que é ionizada por radiações solares e cósmicas) enfraquecida poderia ter interferido nas transmissões de rádio de baixa frequência durante a guerra.

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“As imagens de vizinhanças pela Europa reduzidas a destroços devido a ataques aéreos em tempos de guerra são um lembrete duradouro da destruição que pode ser causada por explosões feitas pelo homem”, disse em comunicado Chris Scott, autor principal do novo estudo e professor de física atmosférica e espacial na Universidade de Reading. “Mas o impacto dessas bombas lá em cima, na atmosfera da Terra, nunca foi percebido até agora.”

Versão de um artista da ionosfera, mostrada em púrpura (ela é invisível a olho nu). Imagem: Centro de Voo Espacial Goddard, da NASA/Duberstein

A integridade da nossa ionosfera, uma faixa espessa que fica entre 80 e 580 quilômetros acima da superfície da Terra, é altamente influenciada pela atividade solar, incluindo fenômenos como ejeções de massa coronalcorrentes de vento solar de alta velocidade e eventos de partículas energéticas. Atualmente, as perturbações na ionosfera afetam tecnologias como o rádio e o GPS. Mas os efeitos de bombardeios nas comunicações por rádio feitos durante a Segunda Guerra Mundial seguem pouco compreendidos.

O propósito do novo estudo foi “examinar as medições ionosféricas únicas” feitas acima do Centro de Pesquisa de Rádio de Slough, no Reino Unido, de 1943 a 1945, para “determinar se parte da variabilidade observada poderia ser atribuída às principais campanhas de bombardeio em toda a Europa”, escrevem os autores no novo estudo.

Procurar uma assinatura nos registros ionosféricos do Reino Unido pode parecer estranho, considerando que os bombardeios ocorreram no continente europeu (principalmente na Alemanha nazista), mas havia algumas boas razões para isso, como os autores deixam claro em seu estudo:

Embora o bombardeio de Londres pela Luftwaffe entre setembro de 1940 e maio de 1941 (popularmente conhecido como a “Blitz de Londres”) tenha gerado explosões mais próximas das medidas ionosféricas feitas acima de Slough, esse ataque foi mais ou menos contínuo, tornando difícil separar o impacto dos ataques de guerra do impacto da variabilidade sazonal natural.

Ao mesmo tempo, os aviões de quatro motores usados ​​pelos Aliados conseguiam lançar bombas muito mais pesadas do que os aviões alemães bimotores. Assim, os bombardeios aliados eram mais fortes e mais discerníveis, tornando-os uma variável mais útil a ser estudada.

Bombardeio de uma fábrica em Marienburgo, na Alemanha, em 9 de outubro de 1943. Imagem: Força Aérea dos Estados Unidos

Vendo os relatórios diários coletados pela estação de Slough, Scott conseguiu documentar uma série de pulsos de rádio frequentes em uma faixa de frequências de ondas curtas. Eles alcançavam até 100 a 300 quilômetros acima da superfície da Terra. Além da altura, os dados também revelaram a concentração de elétrons de ionização na atmosfera superior. Scott e seus colegas analisaram os registros de resposta da ionosfera que correspondiam ao momento de 152 grandes ataques aliados na Europa, nos quais de 100 a 900 toneladas de explosivos foram lançados em cidades, fábricas e outros alvos militares. Olhando para os dados, Scott conseguiu ver que a concentração de elétrons na ionosfera “diminuiu significativamente” devido às ondas de choque causadas pelas bombas. As poderosas ondas de choque aqueceram a atmosfera superior, causando a perda de ionização, dizem os pesquisadores.

Normalmente, uma redução temporária na concentração de elétrons é causada pela Sol, mas ela também pode vir de baixo — mais especificamente, de relâmpagos, erupções vulcânicas e terremotos. O novo estudo mostra como a guerra moderna é uma força da natureza em si mesma. Como apontam os pesquisadores, uma tonelada métrica de TNT tem energia explosiva equivalente a um único raio.

“É surpreendente ver como as ondas causadas por explosões feitas pelo homem podem afetar a beira do espaço”, disse Scott. “Cada ataque liberou a energia de pelo menos 300 raios. O enorme poder envolvido nos permitiu quantificar como os eventos na superfície da Terra também podem afetar a ionosfera.”

Patrick Major, coautor do estudo e historiador da Universidade de Reading, disse que a força dessas bombas não foi desperdiçada naqueles que estavam lá para testemunhá-la.

“As tripulações envolvidas nos ataques relataram ter suas aeronaves danificadas pelas ondas de choque da bomba, apesar de estarem acima da altura recomendada”, disse ele. “Os moradores sob as bombas rotineiramente lembravam de terem sido jogados pelo ar pelas ondas de pressão das minas aéreas explodindo, e os caixilhos das janelas e portas eram arrancados de suas dobradiças. Havia até rumores de que enrolar toalhas molhadas em volta do rosto pudesse evitar que as pessoas dentro de abrigos tivessem seus pulmões entrando em colapso por ondas de choque, o que deixava as vítimas intocadas externamente.”

Esse trabalho pioneiro é apenas o começo e ele acena os tipos de pesquisas da Segunda Guerra Mundial que ainda podem ser feitas. Scott e Major agora estão pedindo que o público os ajude com a digitalização de dados atmosféricos antigos, o que lhes permitiria avaliar o impacto de centenas de ataques menores que aconteceram durante a guerra. Usando esses “exemplos menos extremos”, os pesquisadores dizem que conseguirão “determinar a energia explosiva mínima exigida para gerar uma resposta ionosférica detectável”.

Em um nível mais filosófico, esse estudo apresenta um possível lembrete do quão poderosas nossas tecnologias militares se tornaram. A guerra, como muitos já disseram, é o próprio inferno.

[Annales Geophysicae]

Imagem do topo: Departamento de Defesa dos Estados Unidos

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