Ameaças climáticas constituem motivo para solicitar asilo, decide ONU

Comitê de Direitos Humanos da ONU nega pedido de asilo de homem do Kiribati, mas reconhece que, no futuro, muitos precisarão ser vistos como refugiados.
Vista aérea do atol de Tarawa. Foto: AP

Em uma decisão histórica, o Comitê de Direitos Humanos das Organização das Nações Unidas decidiu que a crise climática poderia constituir motivo para a busca de asilo.

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Embora não seja vinculativa, a decisão poderia abrir caminho para futuros refugiados cujos direitos estejam ameaçados pelas mudanças climáticas. Em questão de algumas décadas, os refugiados desalojados pelas consequências das mudanças climáticas podem chegar a dezenas de milhões.

“A decisão estabelece um precedente global”, afirmou Kate Schuetze, pesquisadora do Pacífico na Anistia Internacional. “Ela diz que um estado violará suas obrigações em matéria de direitos humanos se devolver alguém a um país onde — devido à crise climática — sua vida está em risco ou em risco de tratamento cruel, desumano ou degradante.”

A decisão veio em resposta ao caso de um homem de Kiribati, um conjunto de ilhas no Pacífico que pode ser engolido pela subida do mar já em 2050 — um destino que aguarda muitas pequenas ilhas semelhantes.

Em 2013, Ioane Teitiota solicitou proteção de refugiado na Nova Zelândia, citando o aumento do mar como uma ameaça à sua vida. Mas os tribunais da Nova Zelândia rejeitaram sua reivindicação e o deportaram para Kiribati em 2015.

No seu caso, Teitiota falou da superlotação na ilha de Tarawa do Sul, onde a população aumentou de 1.641 em 1947 para 50 mil em 2010 pois o aumento do nível do mar tornou inabitáveis os territórios vizinhos. A superlotação levou ao aumento da tensão social na ilha.

A acidificação do oceano causada pela mudança climática também criou uma escassez de água potável e problemas para a agricultura, o que Teitiota disse estar causando sérios problemas de saúde para sua família e outros moradores de Kiribati.

Por fim, a ONU confirmou a decisão da Nova Zelândia de rejeitar o pedido de Teitiota, porque ainda faltam 10 a 15 anos para que “o aumento do nível do mar torne a república de Kiribati inabitável”. Aos olhos da ONU, isso significa que a comunidade internacional poderia ajudar a nação a “adotar medidas afirmativas para proteger e, quando necessário, realocar sua população”.

Isso é uma má notícia para a Teitiota. Mas o comitê da ONU também determinou que “os efeitos das mudanças climáticas nos estados receptores podem expor os indivíduos a uma violação de seus direitos”. Isso pode abrir as portas para outros casos semelhantes e, se as ameaças climáticas forem mais iminentes, forçar os governos a conceder status de refugiados.

“[Esta] é a primeira decisão de um organismo internacional de direitos humanos em um caso apresentado por uma pessoa que solicita asilo devido à mudança climática”, disse Chiara Liguori, consultora de políticas da Anistia Internacional do Reino Unido, ao Gizmodo por e-mail.

“Isso implica basicamente que, sob certas circunstâncias, onde há evidências mais fortes do que no caso de Teitiota (seja porque o requerente é capaz de demonstrar risco iminente sobre seus direitos ao retornar ao país de origem ou pode provar que o país receptor não conseguiu avaliar completamente as consequências de devolvê-lo a um país severamente afetado pelas mudanças climáticas), o Comitê ou outros órgãos podem decidir em favor do solicitante de asilo.”

Sumudu Anopama Atapattu, que dirige o Programa de Direitos Humanos da UW-Madison, disse que este é um bom sinal. “Geralmente, de acordo com a lei dos refugiados, você não pode enviar alguém de volta ao seu país de origem se eles enfrentarem ameaças à vida ou correm o risco de serem torturados (…) então, incluir a mudança climática nessas ameaças é um grande passo”, disse ela.

O problema é que esses pedidos precisarão ser requeridos individualmente, de acordo com o sistema atual. E, à medida que a crise climática piora, pode haver muitas solicitações para processar. As mudanças climáticas também podem, portanto, criar questões legais diferentes das conhecidas para toda a comunidade internacional.

“Haverá questões legais a serem resolvidas quando os pequenos estados insulares desaparecerem completamente (…) legalmente, o que acontece quando uma nação soberana desaparece?”, disse Ataputtu. “O que acontece com a soberania, tratados, dívidas, se os estados desaparecem completamente? O direito internacional não tem respostas, porque essa situação nunca havia surgido antes.”

Há também, é claro, a questão de para onde esse grande número de pessoas irá. Para lidar adequadamente com as consequências da crise climática nos direitos humanos, o direito internacional precisará ser revisado — e rapidamente.

“Acho que são boas notícias em geral, mas quando você pensa em milhões de pessoas que serão deslocadas, acho que precisamos de uma abordagem muito maior e mais macro para isso”, disse Ataputtu. “Esse é um problema abrangente e de longo prazo (…) mexer nos princípios existentes que foram desenvolvidos séculos atrás não vai nos ajudar.”

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