Um grupo de cientistas publicará uma carta aberta à Organização Mundial da Saúde (OMS) nos próximos dias com uma afirmação alarmante: o novo coronavírus é transmitido pelo ar, o que significa que ele poderia permanecer no ambiente tempo suficiente e em quantidade suficiente para infectar outras pessoas.
A carta, que foi antecipada pelo Los Angeles Times e pelo New York Times, também acusará a OMS de não emitir avisos apropriados sobre o risco de contrair coronavírus por transmissão aérea. Os cientistas estão pedindo à agência de saúde das Nações Unidas que reveja suas recomendações e planejam publicar sua carta na revista Clinical Infectious Diseases.
O documento foi assinado por 239 pesquisadores de 32 países e inclui especialistas em virologia, física de aerossóis, dinâmica de fluxo, epidemiologia, medicina e engenharia de construção, de acordo com um comunicado de imprensa da Queensland University of Technology.
Atualmente, a OMS adverte somente sobre a transmissão por inalação de pequenas gotículas produzidas quando as pessoas infectadas tossem, espirram ou falam, ou por tocarem em uma superfície contaminada e depois tocarem seus olhos, nariz ou boca.
Em orientação provisória sobre prevenção e controle de infecções publicada em 29 de junho, a OMS afirma que a transmissão por via aérea pode ocorrer quando os profissionais de saúde realizam procedimentos médicos que produzem aerossóis, que são gotículas respiratórias extremamente pequenas.
No entanto, segundo o Los Angeles Times, os especialistas argumentam que esta orientação que alerta sobre os dois tipos de transmissão ignora as evidências de que a transmissão por via aérea também desempenha um papel significativo na propagação do vírus.
Na carta, os cientistas supostamente destacam vários estudos que dizem demonstrar que os aerossóis podem ficar no ar por longos períodos de tempo e flutuar dezenas de metros. Isto torna perigosas as salas mal ventiladas, ônibus e outros espaços confinados, mesmo que as pessoas mantenham os 2 metros de distância recomendados uns dos outros.
“Estamos 100% certos disso”, disse Lidia Morawska, uma das autoras da carta, ao Los Angeles Times.
Morawska é professora de ciências atmosféricas, engenharia ambiental e ciências e administração ambiental na Queensland University of Technology em Brisbane, Austrália.
“Numerosas autoridades de saúde atualmente se concentram em informar sobre a lavagem das mãos, na manutenção do distanciamento social e nas precauções com as gotículas”, disse Morawska no comunicado à imprensa. “A lavagem das mãos e o distanciamento social são apropriados, mas é visto como insuficiente para fornecer proteção contra microgotas respiratórias portadoras de vírus liberadas no ar por pessoas infectadas.”
Especialistas que falaram ao Los Angeles Times disseram que a transmissão por via aérea parece ser a única maneira de explicar vários eventos de “super propagação”, incluindo a infecção de pessoas em um restaurante na China que se sentaram em mesas separadas e membros de um coral no estado de Washington que tomaram precauções, como o uso de desinfetantes de mãos e não abraçar ou apertar as mãos, durante o ensaio. Das 61 pessoas no ensaio do coro, 53 ficaram doentes e duas morreram.
A OMS disse ao Los Angeles Times que os 239 pesquisadores tinham baseado suas afirmações em experimentos de laboratório em vez de evidências de campo. A Dra. Benedetta Allegranzi, especialista da OMS em prevenção de infecções, disse que a grande maioria do grupo de mais de 30 especialistas internacionais que aconselham a agência da ONU “não julgou as evidências existentes suficientemente convincentes para considerar a transmissão por via aérea como tendo um papel importante na propagação da COVID-19.”
Allegranzi disse que a transmissão por via aérea “teria resultado em muito mais casos e ainda mais rápida disseminação do vírus.”
Morawska disse que as medidas para reduzir a transmissão por via aérea incluem o fornecimento de ventilação suficiente e eficaz, como o fornecimento de ar limpo ao ar livre e a minimização do ar recirculado, particularmente em edifícios públicos, locais de trabalho, escolas, hospitais e casas de repouso para idosos. Outra medida é complementar a ventilação geral com controles de infecção, incluindo exaustão local, filtragem de ar de alta eficiência, e luzes ultravioleta germicidas.
Além disso, Morawska também observou uma medida que todos nós já estamos bastante familiarizados: evitar aglomerações, especialmente nos transportes públicos e edifícios.
“Estas são medidas práticas e que podem ser facilmente implementadas e muitos delas não são caras. Por exemplo, passos simples, como abrir ambas as portas e janelas, podem aumentar drasticamente o fluxo de ar em muitos edifícios”, disse Morawska.
José Jiménez, professor de química e bioquímica da Universidade do Colorado em Boulder, disse ao Los Angeles Times que a ideia da transmissão por via aérea não deve assustar as pessoas.
“Não é que o vírus tenha mudado”, disse Jiménez. “Achamos que o vírus tem sido transmitido desta forma o tempo todo, e saber sobre ele ajuda a nos proteger.”