Pesquisadores rastreiam leveduras usada na produção de bioetanol
Texto: Julia Moióli | Agência FAPESP
Em um estudo inédito, cientistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e colaboradores conseguiram obter um quadro detalhado do DNA das leveduras Saccharomyces cerevisiae do bioetanol e visualizar suas modificações ao longo do processo de produção – informações que podem oferecer mais estabilidade, previsibilidade e, eventualmente, contribuir para um maior rendimento, que é o desejo de todo produtor.
Isso foi possível graças ao uso de novas tecnologias, como a análise metagenômica – técnica que analisa todo o material genético contido em amostras de um determinado ambiente, sem isolar os diferentes organismos. Os resultados foram publicados na revista G3: Genes, Genomes, Genetics.
O processo em grande escala de fermentação de cana-de-açúcar em etanol combustível nas cerca de 400 biorrefinarias em operação no Brasil não é isento de contaminação por microrganismos. Apesar de a levedura Saccharomyces cerevisiae predominar, o ecossistema é afetado por fatores como a variedade da cana-de-açúcar e as condições operacionais e climáticas. Além disso, a substituição natural de algumas leveduras por outras acontece sem que se entenda o por quê. Não se sabia, por exemplo, se novas leveduras eram trazidas de ambientes externos por vetores como aves e insetos.
No trabalho, financiado pela FAPESP, pesquisadores da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA-Unicamp) e da Universidade Harvard (Estados Unidos) rastrearam a dinâmica da população de leveduras em duas biorrefinarias, em duas temporadas de produção (abril a novembro de 2018 e 2019).
Além de usarem a técnica de análise metagenômica e de sequenciarem em laboratório cerca de 150 clones dessas usinas, os cientistas usaram como base um estudo europeu publicado em 2018, responsável pelo sequenciamento de mais de mil linhagens de Saccharomyces cerevisiae, para construir uma árvore filogenética.
“O DNA é como se fosse uma impressão digital”, explica Andreas Gombert, professor da FEA-Unicamp e autor do estudo. “Por meio dele conseguimos identificar os microrganismos presentes na fermentação alcoólica.”
“Vimos que, apesar da presença de linhagens invasoras e da natureza não asséptica da fermentação, todas as linhagens do bioetanol se agrupam no mesmo ramo da árvore, ou seja, estão todas relacionadas e pertencem ao ambiente da fermentação alcoólica. Provavelmente por isso, os principais indicadores do processo permanecem bastante estáveis em ambas as temporadas de produção.”
Também se observou que os quatro cenários estudados são diferentes e não existe padrão reprodutível. Em uma delas, todas as linhagens presentes em todo o período de produção derivam de uma das linhagens iniciais. Já na outra, linhagens invasoras tomaram conta da população, deslocando a linhagem inicial. Outra observação importante é que as diferenças entre dois períodos de produção consecutivos, numa mesma biorrefinaria, são menos marcantes que as diferenças observadas entre duas unidades industriais diferentes.
Próximos passos
Com esses resultados em mãos, os pesquisadores querem entender a dinâmica das leveduras com mais detalhes: quais adaptações, por exemplo, tornam cada linhagem mais apta a sobreviver no ambiente da fermentação dentro de cada biorrefinaria? Por que outras desaparecem? Qual é o efeito de agentes externos, como bactérias, que contaminam o processo?
“Para isso, queremos investir em olhar não apenas para o DNA das leveduras, como também para o DNA das bactérias que contaminam o processo e, em seguida, correlacionar as duas dinâmicas”, conta Gombert. “É o que chamamos de ecologia da fermentação alcoólica.”
O artigo Yeast population dynamics in Brazilian bioethanol production pode ser lido em: https://academic.oup.com/g3journal/advance-article/doi/10.1093/g3journal/jkad104/7189769.