Por que os neandertais tinham um rosto tão diferente do nosso?

Comparados com os humanos modernos, os neandertais possuíam sobrancelhas grossas, enormes narizes e largos e longos rostos protuberantes. Usando modelos 3D em computadores, uma equipe internacional de cientistas analisou essas características faciais em detalhe, descobrindo algumas prováveis explicações para essas diferenças físicas tão dramáticas. • Como era a voz de Ötzi, o homem de gelo […]

Comparados com os humanos modernos, os neandertais possuíam sobrancelhas grossas, enormes narizes e largos e longos rostos protuberantes. Usando modelos 3D em computadores, uma equipe internacional de cientistas analisou essas características faciais em detalhe, descobrindo algumas prováveis explicações para essas diferenças físicas tão dramáticas.

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Neandertais e humanos modernos, ou Homo sapiens, divergiram de um ancestral comum em algum momento entre 700 mil e 900 mil anos atrás. Depois desse fatídico divórcio, as duas linhagens de humanos seguiram seu próprio caminho, embarcando em trajetos evolutivos diferentes. Conforme nossos ancestrais imediatos continuaram a evoluir na África, os neandertais migraram para a Eurásia, onde, no curso de centenas de milhares de anos, viveram e se reproduziram durante vários períodos glaciais. Durante esse tempo, os neandertais provavelmente desenvolveram características físicas especializadas que os ajudaram a tolerar as duras condições, mas as razões para isso ainda não estão exatamente claras, já que eles morreram há mais ou menos 40 mil anos.

Neandertais reconstruídos, um homem e uma mulher, conforme vistos no Neanderthal Museum na Alemanha (Créditos: AP/Neanderthal Museum)

Sabemos, a partir de evidências fossilizadas, que os neandertais não se pareciam conosco. Apesar de tecnicamente humanos e com características bastante humanas, eles eram menores, mais robustos e fisicamente mais fortes. Mas eles também possuíam faces distintas, com grossas sobrancelhas, queixos pequenos, um saliente rosto e um nariz largo. Algumas dessas características, como a sobrancelha e o queixo, foram provavelmente herdadas de seus ancestrais, mas as demais características são tão distintas que paleontólogos acreditam que elas se desenvolveram por razões especiais.

Uma nova pesquisa publicada nesta quarta-feira (4) na Proceedings of the Royal Society B sugere que este provavelmente seja o caso e que os neandertais desenvolveram uma estrutura facial que tornava a vida mais suportável durante eras glaciais.

Anteriormente a esse estudo, cientistas haviam desenvolvido três teorias diferentes para explicar a distinta face neandertal.

Uma linha de pensamento diz que essa estrutura facial permitia mordidas pesadas, possibilitando que os neandertais utilizassem seus dentes como ferramentas e para mastigar as grossas carnes de mastodontes e rinocerontes. E, inclusive, essa hipótese tem sido levada muito a sério, já que evidências fósseis mostram grande perda nos dentes dos neandertais.

Uma outra ideia é que os neandertais eram melhores em inspirar o ar gelado, usando suas largas cavidades nasais para aquecer e umedecer o ar antes dele chegar aos pulmões. Essa teoria é um pouco mais controversa, já que o tamanho da passagem de ar pode estar relacionado à necessidade respiratória de um animal (respiração forte durante esforço, por exemplo), e não a uma circunstância climática.

Por fim, e em uma nota relacionada, a larga passagem de ar pode ter permitido a chamada “respiração turbinada”, possibilitando aos neandertais inspirar um maior volume de ar enquanto efetuavam trabalhos intensos, ou quando queimavam significantes quantidades de caloria para manter o corpo aquecido (e, inclusive, já foi estimado que neandertais queimavam uma média de 3.360 a 4.480 calorias por dia, diferentemente dos humanos, que queimam entre duas mil a três mil calorias por dia).

Modelos 3D dos crânios neandertais utilizados no estudo. (Créditos: S. Wroe et al., 2018)

Para testar essas hipóteses, uma equipe internacional de pesquisadores liderados por Stephen Wroe, da Universidade da Nova Inglaterra, na Austrália, usou tomografias para construir modelos de computador em três dimensões de neandertais, humanos modernos e um grupo relacionado de humanos extintos, chamado Homo heidelbergensis (um possível ancestral comum de ambos). A equipe adicionou esse humano “arcaico” à mistura para ver quais traços já existiam tanto em neandertais quanto em humanos modernos antes da divergência. Os pesquisadores então digitalmente “testaram” os crânios virtuais para ver como as várias teorias se saíam, submetendo os modelos a diversos testes de estresse e avaliações de fluxo do ar.

“Nossas reconstruções 3D dos neandertais são os primeiros modelos completos já feitos, e eles incluem anatomia interna”, disse Wroe ao Gizmodo. “Estes são os primeiros a modelar a cavidade nasal inteira do neandertal – um estudo anterior modelou o nariz do neandertal sobreposto em um modelo da cavidade nasal do humano moderno, mas em nossa visão isso não nos diz muito. [O estudo anterior] também não incluiu um potencial ‘ancestral’, então ele não providenciou base para determinar a ‘direção’ da evolução.”

Observando as descobertas dos estudos, os modelos mostraram poucas diferenças na capacidade de mastigação entre as três espécies humanas testadas. Inclusive, o humano moderno parece ser melhor equipado para mordidas fortes do que o neandertal (uma descoberta que surpreendeu até os pesquisadores). Isso significa que a hipótese dos neandertais “grandes mastigadores” passa a ser suspeita. As outras duas teorias, no entanto, se saíram um pouco melhor.

A pressão aplicada durante a mordida do neandertal. (Créditos: S. Wroe et al., 2018)

As cavidades nasais dos neandertais, e especialmente as encontradas em humanos modernos, mostraram condicionar o ar de maneira mais eficiente do que o H. heidelbergensis, o que sugere que ambas as espécies evoluíram para resistir a climas frios e secos. Mais surpreendente, no entanto, foi a descoberta de que os neandertais podiam mover mais ar por suas passagens nasais do que o H. heidelbergensis e o H. sapiens.

“Onde os neandertais realmente se destacam é em sua capacidade de mover e condicionar grandes volumes de ar para dentro e fora de suas passagens nasais – duas vezes mais eficazes do que nós”, disse Wroe. “Isso sustenta o argumento de que eles possuíam estilos de vida de alta energia.” Como apontado, esse estilo de vida de “alta energia” pode ter envolvido colheita intensa e a caça de grandes animais durante climas drásticos, queimando grandes quantidades de calorias para se manter aquecido, ou uma combinação dos dois. “Nossos resultados mostram que os neandertais não eram mais adaptados para morder com mais força – mas eles eram melhor adaptados a condições de ar frio/seco em relação ao heidelbergensis.”

Comparações de exalação, mostrando diferenças em temperaturas. (Créditos: S. Wroe et al., 2018)

Em questões de limitação, Wroe admite que os resultados de sua equipe foram baseados em modelos de computador e que hipóteses baseadas em modelos podem eventualmente ser refinadas por novos trabalhos. Além disso, ele também diz que as descobertas foram feitas a partir de uma base de dados “bem pequena” e que mais fósseis ajudariam a equipe a confirmar e refinar a hipótese.

Robert G. Franciscus, antropólogo da Universidade de Iowa e que não esteve envolvido no novo estudo, é bem familiarizado com o tópico, tendo estudado características faciais dos neandertais por décadas. Ao Gizmodo, Franciscus diz que os autores do novo estudo fizeram bom uso de registros fósseis limitados para explorar as três hipóteses existentes, mas ele acredito que o estudo não é perfeito.

“Apesar do estudo ter usado anatomia interna de um neandertal para a modelagem de computador do fluxo do ar e das dinâmicas respiratórias, o que é uma melhoria significativa em comparação com um estudo anterior que tentou fazer o mesmo, já que esse outro estudo usou a anatomia externa para produzir a estimativa da forma interna, ainda seria importante modelar o nariz interno de neandertais de múltiplos indivíduos com uma anatomia interna completa”, disse Franciscus ao Gizmodo. “Isso, é claro, é um problema que depende inteiramente da prospecção de encontrar rostos de neandertais mais completamente preservados.”

Franciscus também diz que as estimativas para a massa corporal do neandertal foram superestimadas, mas, em geral, afirma que o estudo é forte e que suas descobertas, como um todo, não são tão surpreendentes.

“Estou bem satisfeito e animado em ver um alto nível de congruência nesses resultados e na interpretação, em comparação com o meu trabalho, mesmo que com abordagens e metodologias diferentes em muitos casos”, ele diz. “Acredito que este campo está agora em posição de dizer que solucionamos algumas das ideias mais importantes de como interpretar a anatomia dos neandertais e o comportamento e adaptação [precursora] que levou a isso.”

Neandertais podem ser fisicamente diferentes quando comparados a nós, mas eles também possuíam um comportamento notavelmente parecido. Tradicionalmente, eles sempre foram reduzidos a seres brutais, mas, como estamos descobrindo, isso está longe de ser o caso. Neandertais enterravam seus mortos, possuíam dietas flexíveis, usavam artes corporais e estão entre os primeiros artistas do mundo, representando animais e outros objetos nas paredes de cavernas 20 mil anos antes dos humanos modernos fazerem o mesmo.

[Proceedings of the Royal Society B]

Imagem de topo: um neandertal reconstruído e uma garota humana real. (Créditos: Neanderthal Museum)

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