Por que sua to-do list não funciona?
Dias atrás, Tessa Miller, do blog Lifehacker, perguntou a Cory Doctorow — escritor, editor do Boing Boing e um dos ativistas mais importantes da atualidade — que programa ele usa para gerenciar suas tarefas. A resposta foi:
~/Desktop/todo.txt
Foi um jeito geek de dizer: “não uso um software específico, tenho apenas um único arquivo de texto jogado no desktop do computador”.
Como assim?, você pode se perguntar. Doctorow dá palestras pelo mundo todo, lança pelo menos um livro por ano, publica cerca de cinco posts por dia, mantém um podcast e ainda cuida de uma filha. Como consegue gerenciar sua vida com a ajuda de um simples arquivo de texto?
É que aplicativos só se tornam úteis quando sabemos escrever uma lista de tarefas. A maioria de nós, na verdade, escreve listas de auto-sabotagem. Vamos entender porquê.
A moda do GTD
Em meados dos anos 2000, parte da web foi invadida por uma moda de autoajuda geek conhecida como GTD. A sigla vem do nome do livro de David Allen, Get Things Done, que no Brasil saiu com o título de A Arte de Fazer Acontecer.
Nele, o autor propunha alguns procedimentos um tanto complicados, que acabaram esquecidos. Mas alguns não só sobreviveram como se espalharam a ponto de inspirar a criação de dezenas de aplicativos — como Things, Omni Focus, Clear, ToDo.txt, entre muitos outros. Mas a ideia mais influente de Allen é certamente a distinção entre tarefas e projetos.
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Animação explica algumas das principais teses de David Allen que sobraram da moda de GTD do começo dos anos 2000.
Tarefas
Tarefa é sempre uma ação física. E que pode ser prontamente realizada, sem muitos questionamentos. Por exemplo: apertar a tecla ESC do computador. Nada mais simples.
Agora, se eu disser “escrever um post para o meu blog”, você terá, na verdade, um projeto. Quer dizer, vai precisar achar um assunto, pesquisar sobre ele, abrir seu editor de texto e, finalmente, escrever. Assim, projeto é um conjunto de tarefas, de ações físicas.
Esse é o primeiro motivo que nos faz escrever péssimas to-do lists. Não sabemos distinguir entre tarefas e projetos. Assim, não sabemos claramente o que fazer a seguir. Toda vez que olhamos para os itens, temos que parar, pensar e decidir. O que nos leva a procrastinar.
Contextos
Você organiza suas tarefas por prioridade? Para Allen, essa não é uma boa ideia. Infelizmente, o mundo não funciona segundo prioridades.
Imagine que você esteja atrasado para uma reunião e, de repente, o trânsito pare. Você está trancado entre quatro Kombis, em frente ao Ceasa. Sua prioridade (a reunião) foi para o espaço. O que fazer? Chorar? Não. Você ajusta sua prioridade ao que é possível fazer naquele espaço de tempo e naquelas condições. Por exemplo, ligar para sua contadora.
David Allen nos relembra de que as prioridades podem mudar de acordo com os contextos. Ou seja, cedo ou tarde, suas tarefas precisam dialogar com três fatores:
- Quanto tempo e energia você tem disponível?
- Quais os recursos físicos você têm à mão (celular, papéis, pessoas)?
- Onde você está?
Assim, sua lista de tarefas deve ser flexível o suficiente para se adaptar às circunstâncias incertas da sua vida. É senso comum, mas essa ideia ficou tão popular entre os geeks que muitos aplicativos, como o Omni Focus, já permitem organizar listas a partir de lugares, como escritório, supermercado etc. Ou até a partir de horários específicos do dia. A versão para iPad, por exemplo, usa tecnologias de geolocation para enviar lembretes de acordo com sua localização. Você passa em frente do supermercado e o aplicativo diz: “não se esqueça de comprar batatas”. É o que o cérebro já faz normalmente: organiza tarefas por meio de contextos.
Sua amiga, rotina
Antes de chegarmos à terceira ideia mais popular de David Allen, a revisão regular, é importante nos lembrarmos de uma velha tecnologia disponível há milênios (para humanos e até para animais): a rotina.
Trata-se de uma técnica altamente sustentável, que se provou eficiente ao longo da história. Não podemos comprá-la na Apple Store. Ela já vem embutida em nossos sistemas. Mas, desde bebês, aprendemos a hackeá-la.
Até para fazer sexo ou jogar video games: começamos sofrendo, errando. Porém, por meio da diligência e da repetição, criamos hábitos e habilidades que, depois, nos parecem completamente naturais e prazerosos.
Mas sei que você já sabe disso. Estou só falando.
Revisão
Todo esse preâmbulo porque, segundo Allen, listas de tarefa só funcionam quando são revisadas regularmente. Pelo menos uma vez por semana, você tem que atualizar seus to-do’s. Releia sua lista. E, se deixou de fazer algo, verifique se a tarefa é mesmo relevante. Se for, renegocie seu prazo ou delegue-a para alguém.
Quando deixamos de revisá-la rotineiramente, a to-do list vira guilty-list — a lista de sentimentos de culpa. E então você vai evitá-la, vai odiá-la completamente. E vai detestar juntamente todos aqueles aplicativos que você comprou para armazená-la.
Acostume-se a revisar sua lista sempre no mesmo dia e no mesmo horário. Porque, então, aos poucos você desenvolverá uma espécie de memória muscular da tarefa, que a deixará mais natural.
A má notícia é que, segundo alguns estudos, demoramos cerca de um mês para estabelecer rotinas. No começo, você terá que usar de disciplina e diligência, até se acostumar com as revisões.
Nesse período, evite transformar a gestão das suas tarefas em entretenimento. Nada de buscar novas técnicas. Nada de testar zilhões de programas. Nada de configurar preferências. Uma vez estabelecida a rotina, procure se manter nela. Ou rapidamente você vai se desviar da tarefa principal, que é revisar a lista.
David Allen mantém um blog com outras dicas de GTD (em inglês). Mas, sinceramente, você não precisa de muito mais que isso: aprenda a escrever e revisar sua lista. Seja com um aplicativo no smartphone ou num simples arquivo de texto jogado no desktop. Mas faça isso logo, porque, no tempo que você levou para ler este artigo, Cory Doctorow já deve ter escrito mais três livros.
Eduardo Fernandes (@eduf) é escritor, estrategista de conteúdo e mantém o blog Caos Ordenado.
Fotos: Luis Roca, Adam Kuban, Andrew Catellier/Flickr.