Um adolescente canadense desenvolveu uma condição de risco conhecida como “pulmão de pipoca” depois de utilizar um cigarro eletrônico por vários meses. Esse é o primeiro caso médico ligando essa doença pulmonar crônica ao uso de produtos desse tipo.
Pulmão de pipoca ou a doença pulmonar da pipoca é conhecida formalmente como bronquiolite obliterante. Ela ganhou esse apelido porque foi documentada pela primeira vez em 2000, em trabalhadores de uma fábrica de pipoca de microondas que foram expostos ao aromatizante químico diacetil.
A condição também foi documentada entre trabalhadores que torravam café moído, um processo que produz diacetilo naturalmente.
Um novo estudo de caso publicado no Canadian Medical Association Journal, de co-autoria da pneumologista Karen Bosma da Western University em Ontário, Canadá, é o primeiro a ligar a condição do pulmão de pipoca aos cigarros eletrônicos, ou mais especificamente, a inalação de líquidos de vaporizadores aromatizados e que contém diacetil.
O caso revela uma nova forma de lesão pulmonar ligada ao uso de cigarros eletrônicos, já que o pulmão de pipoca é diferente da doença pulmonar ligada ao uso de vaporizadores que dominou as manchetes deste ano, chamada nos EUA de EVALI, uma sigla para “uso de produtos de cigarro eletrônico ou vaíng associado à lesão pulmonar.”
O pulmão de pipoca ocorre após irritantes químicos, especificamente o diacetil (também conhecido como 2,3-butanodiona), cicatrizarem os bronquíolos — as menores vias aéreas nos pulmões — dificultando a livre circulação do ar. A substância química causa a formação de nódulos nos bronquíolos, que aparecem como botões dos ramos de árvores.
De acordo com o CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA), os principais sintomas respiratórios do pulmão de pipoca incluem:
Tosse (geralmente sem catarro), chiado, e piora da falta de ar ao se esforçar. A gravidade dos sintomas pulmonares pode variar de tosse leve a grave. Estes sintomas normalmente não melhoram quando o trabalhador volta para casa no final do dia de trabalho ou nos fins de semana ou férias.
Normalmente, os sintomas são graduais no início e progressivos, mas sintomas graves podem ocorrer de repente. Alguns trabalhadores podem ter febre, suores noturnos e perda de peso. Antes de chegar a um diagnóstico final, os médicos das pessoas afetadas podem confundir os sintomas com asma, bronquite crônica, enfisema, pneumonia ou tabagismo.
Esse último caso não envolveu fábricas de pipocas ou de café. Em vez disso, o paciente foi um garoto de 17 anos que trabalhava em um restaurante de fast food.
De acordo com o estudo de caso, o adolescente procurou atendimento médico após desenvolver tosse persistente, febre e cansaço. O adolescente tinha consumido produtos de cigarro eletrônico “intensamente” por um período de cinco meses, usando cartuchos de diferentes sabores, especificamente “Mountain Dew” (um refrigerante), “maçã verde” e “algodão doce”, que ele comprou de um varejista canadense pela internet.
Às vezes, ele adicionava THC ao cigarro eletrônico, o ingrediente psicoactivo encontrado na maconha. Em algumas ocasiões ele também consumiu maconha em um bong. O paciente também tinha o hábito inalar profundamente ao usar o cigarro eletrônico, de acordo com seus pais.
Os pesquisadores não conhecem a marca ou fabricante dos produtos de e-cigarro utilizados, segundo um porta-voz que escreveu ao Gizmodo em nome dos autores do estudo de caso.
A condição do adolescente piorou, então a equipe do hospital o internou na unidade de terapia intensiva. Ele conseguiu evitar um transplante pulmonar, algo que seus médicos chegaram a considerar seriamente.
Sua condição acabou melhorando após receber altas doses de corticosteroides, e ele foi retirado gradualmente de um dispositivo de oxigenação por membrana extracorpórea (uma máquina que bombeia e oxigena o sangue fora do corpo) e ventilação mecânica. Ele teve alta depois de passar 47 dias no hospital.
Infelizmente, é provável que o adolescente tenha efeitos a longo prazo, uma vez que a condição é crônica. Vários meses após a alta hospitalar, “sua tolerância a exercícios físicos permaneceu limitada e os testes de função pulmonar mostraram obstrução persistente e fixa do fluxo aéreo com aprisionamento [de ar]”, segundo o estudo de caso.
Os autores do estudo atribuíram a doença ao uso de vaporizadores e à inalação dos líquidos de aromatizados, após descartar outras possibilidades.
“Este caso de bronquiolite aguda grave, que causou insuficiência respiratória quase fatal e obstrução crônica do fluxo aéreo em um jovem canadense que era saudável, pode representar bronquiolite obliterante associada aos cigarros eletrônicos”, concluiu o autor do estudo de caso.
Pesquisas anteriores identificaram vestígios de diacetilo em muitos sabores de líquidos de vaporizadores. A União Europeia já proibiu a utilização de diacetilo nos cigarros eletrônicos. Não existe tal proibição nos Estados Unidos ou no Canadá.
No Brasil, dispositivos eletrônicos para fumar são proibidos desde 2009. Apesar disso, muitas pessoas consomem esse tipo de produto, na maioria das vezes importados. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) afirma que está discutindo uma atualização a partir de novas pesquisas e que o assunto está na Agenda Regulatória 2017-2020, no item “Novos tipos de produtos fumígenos”.
Os autores do estudo de caso afirmam que é necessária mais investigação, bem como uma regulamentação mais rigorosa dos cigarros eletrônicos. Em um e-mail para o Gizmodo, Bosma disse que seu conselho às pessoas que não fumam cigarros tradicionais de tabaco, mas estão considerando cigarros eletrônicos, é simples: evite.
“Se você está considerando usar cigarro eletrônico pela primeira vez, por favor, esteja ciente do risco de adquirir uma doença pulmonar potencialmente crônica e que traz risco à vida”, disse ela. “Se você é um fumante de cigarros de tabaco e está considerando tentar o cigarro eletrônico como um meio de parar de fumar, por favor, fale com seu médico sobre outras terapias de reposição de nicotina, como goma de nicotina ou adesivo de nicotina”.
Quanto às pessoas que atualmente usam vaporizadores Bosma pediu para que “estejam cientes de que acreditamos que há riscos no uso desses produtos, mesmo quando os produtos de e-cigarros são comprados em varejistas autorizados e sem THC”.
“Há outros produtos químicos potencialmente nocivos em líquidos de cigarros eletrônicos que podem representar risco de danificar seus pulmões”, completou.
As doenças relacionadas ao cigarro eletrônico estão se tornando cada vez mais comuns. Mais de dois mil americanos foram diagnosticados com uma doença pulmonar relacionada aos vaporizadores, e houve pelo menos 39 mortes nos Estados Unidos, de acordo com o CDC. No Canadá, o e-cigarro foi associado a pelo menos oito casos de doenças graves.