Meu mergulho na busca por iluminação através da privação sensorial

Nossa repórter passou por uma seção de privação sensorial num tanque com 25 cm de água morna. Saiba como foi essa experiência.

Você está completamente nu, na escuridão total. Está encharcado e completamente só, e o lugar onde você está preso é tão pequeno que você não consegue se levantar. O único som são as batidas do seu coração. Você é um bebê indefeso em um ventre mecânico.

Isso parece a descrição de um método de tortura saído de um pesadelo, mas é apenas a “flutuação”, um tratamento holístico cada vez mais popular.

Flutuação é o termo que os adeptos da prática usam para descrever as sessões em tanques de privação sensorial, conhecidos também como câmaras de isolamento. Esses tanques possuem uma pequena camada de água, e quem entra neles flutua em um ambiente escuro e sem som algum. A prática também é conhecida como REST (“Técnica de Estimulação em Ambiente Restrito”, em português) e centros de flutuação espalhados pela América do Norte e Europa vendem sessões de privação sensorial para um crescente número de entusiastas.

Existem diferentes tipos de tanques, mas todos oferecem um ambiente escuro e solitário para momentos de reflexão, uma chance de buscar o inefável boiando em 25 centímetros de água morna.

Para os defensores da privação sensorial, as horas de isolamento não são nada angustiantes; eles alcançam um estado calmo e meditativo — como em um retiro de yoga, mas sem todo o alongamento, suor e mentalização dos chakras. O grupo de defensores ferrenhos da prática incluem o lutador de MMA Pat Healy e o comediante Joe Rogan.

O tratamento se tornou tão popular nos anos 80 que o New York Times publicou uma matéria sobre o assunto, mas o hobby perdeu popularidade após algumas pessoas ficarem com nojinho de deitar na mesma água que estranhos. Atualmente, os sistemas de filtragem são melhores, os tratamentos alternativos caíram no gosto popular e os centros de flutuação estão mais uma vez no auge. Existe até uma conferência anual, organizada por um dos primeiros centros de flutuação, localizado em Portland, em Oregon.

Um novo centro, Float Toronto, abriu suas portas no começo do ano a algumas ruas de distância do meu apartamento. Eu fui até lá para descobrir se eu conseguiria atingir a paz interior me isolando do mundo exterior — ou se eu só ficaria toda molhada.

Todos a flutuar

Quando eu entrei no Float, me deparei com um lugar muito zen, algo parecido com minha imagem mental de um spa para artistas sensíveis. Havia lâmpadas de cristal rosa espalhadas por mesas de madeira artesanal, para purificar o ar. Eu lembrei ter lido que a Yoko Ono ama câmaras de privação sensorial. Fazia muito sentido. Parte de mim esperava vê-la jogada em uma almofada orgânica, absorta em um cântico gutural. Ao invés disso, encontrei um cliente não famoso que me perguntou se eu já havia flutuado antes.

Eu estava certa de que a Yoko Ono aprovaria o espaço, mas não tinha certeza se sentia o mesmo. Eu estava gripada e com uma baita ressaca, resultado de um fim de semana com várias festas de casamento. Estava com medo de flutuar sozinha, com nada na minha mente além da minha doença e da minha permissividade. Estava com medo de me sentir uma burguesa, pelada e idiota. A ideia de estar presa em um espaço pequeno e sem iluminação é assustadora, assim como a possibilidade de eu ter alguma alucinação ou emergir do tanque com uma devoção cega à comunicação interespécies.

Ao longo das próximas horas, eu iria (não necessariamente nessa ordem) ter medo de morrer e achar o tratamento superestimado… e ainda assim, no final emergi do tanque como uma convertida relutante.

O homem que flutuava

Havia um motivo para eu temer alucinações com golfinhos falantes. O tanque de privação sensorial tem uma história bizarra, e não no sentido engraçadinho. No caso, a história envolve uso de drogas psicotrópicas e sexo entre humanos e golfinhos.

O tanque foi inventado em 1954 por John C. Lilly, um médico e neuropsicólogo. Lilly veio de uma família de bancários e socialites, e frequentou escolas conceituadas, mas ele não se interessava pelo mercado de ações, uísque ou outros interesses comuns aos homens brancos e ricos. Ele desenvolveu o tanque quando trabalhava para a Secretaria de Saúde Pública dos EUA.

Suas tentativas de isolar a mente humana de todo estímulo externo foram, muito provavelmente, seu empreendimento menos bizarro. Alguns anos depois, ele criaria o Instituto de Pesquisa Comunicativa na Ilhas Virgens, um centro de pesquisa voltada para a comunicação com golfinhos.

Ele começou a ingerir quantidades que impressionariam Hunter S. Thompson de LSD, ketamina e outras drogas antes de entrar nos tanques de privação — e quando ele tentava se comunicar com golfinhos. Ele encorajou uma assistente de pesquisa a masturbar um golfinho chamado Peter, em uma tentativa de ensiná-lo a falar.

Por volta dessa época Lilly se convenceu de que havia liberado o conhecimento intergalático enquanto pirava dentro de seu tanque de flutuação. Sua vida serviu de inspiração para um filme de terror chamado Viagens Alucinantes, mas sua carreira científica era tão ferrada quanto Pete, o golfinho.

E ele tinha essa cara:

lilly

Imagem retirada do YouTube

Apesar dos projetos de Lilly terem se tornado algo que um drogado fã de Reiki escreveria em um fórum hippie, suas pesquisas sobre privação sensorial tiveram um impacto duradouro. Existem pesquisas que apontam os diversos benefícios da privação sensorial, que incluem a redução de dor e estresse. Muitos afirmam que o tratamento diminui a transmissão de ondas alfa e aumenta a incidência de ondas teta no cérebro, de forma similar à meditação e ao sono.

Segundo sua entrevista para o Men’s Journal, o Dr. Peter Suedfeld, um pesquisador da privação sensorial, afirma que tanques de flutuação auxiliam em “problemas envolvendo o sistema nervoso autônomo, como a insônia, os sintomas de estresse, disfunções do sistema esqueleto-muscular, dores de cabeça crônicas, e outros”. O centro Float On, em Portland, está colaborando com outros centros em uma pesquisa sobre os benefícios do uso do REST para o tratamento das dores da fibromialgia. Atletas como Carl Lewis do Philadelphia Eagles e o time olímpico australiano já usaram os tanques.

Não existe nenhum estudo conclusivo que afirme que sim, flutuar te faz um atleta melhor ou melhora a sua saúde mental. A maior parte da popularidade do tratamento se deve a evidências anedóticas e à propaganda boca a boca. O fato do criador dos tanques ser mais conhecido pelo uso de drogas e bestialidade não ajuda muito.

Se liga, vai nessa, entra no tanque

Sim — eu estava um tanto cética quanto ao que aconteceria comigo.

Antes de entrar na salinha particular do tanque, eu conversei com os surpreendentemente jovens donos do Float, Sean Lavery e Jesse Ratner-Decle. Acabei descobrindo que tínhamos amigos não-hippies em comum, o que me deixou um pouco aliviada. Os dois são nutricionistas de Vancouver e evangelistas moderados do REST. Eles não exalam aquela arrogância agressiva que você sente em estúdios de yoga independentes, mas eles estavam claramente empolgados com seus tanques e seu novo negócio.

Lavery me levou até meu tanque, explicando que a minha sessão duraria 60 minutos; algumas pessoas preferem agendar sessões mais longas.

O centro oferece um roupão e uma toalha brancos e fofos, e cabe a você decidir entre fones de ouvido de silicone ou espuma. Recebi as instruções de me despir, tomar uma ducha, secar meu rosto e orelhas cuidadosamente e entrar no tanque. Uma música calma marcaria o fim da minha sessão.

O tanque era grande, quase como uma mini-van pequena, branca e quadrada — com 2 metros e 40 de comprimento, e 1,20 de altura e largura. Ele parecia europeu, de alguma forma, mas Lavery me diria depois que ele havia sido fabricado em San Diego. Não havia nenhuma tranca no tanque, o que era um alívio, porque eu não conseguia parar de pensar em um dos filmes da série Premonição, no qual duas garotas ficam presas em câmaras de bronzeamento. Eu também lembrei da cena de Shortbus na qual o personagem principal encontra uma dominatrix em um tanque de privação sensorial. Me perguntei se alguma dominatrix já havia flutuado naquele tanque.

O fundo do tanque era azul como uma piscina. Eu fiz o que me mandaram e entrei na poça de 25 centímetros de profundidade, fechando a tampa do tanque e esperando que eu não fosse a primeira pessoa a morrer em um tanque de privação sensorial.

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Foto por Kate Knibbs

O interior do tanque virou um breu na mesma hora. Eu já havia lido sobre a incrível flutuabilidade da água, mas ainda assim fiquei surpresa. Para atingir o maior nível de flutuabilidade possível, eles dissolvem sais de Epsom nos tanques. Como os sais de Epsom contêm magnésio, a água fica com um textura acetinada e viscosa.

Tive que controlar a sensação de pânico que subiu pelo meu peito, como se eu soubesse que alguém estava para cortar meu oxigênio. Tentei fingir que era uma maratonista sueca sábia e experiente, usando esse tratamento como um remédio para as minhas juntas desgastadas. Concluí que maratonistas suecos não devem ter medo de tanques de privação sensorial.

Os próximos 10 minutos passaram muito devagar. A água, mantida a 34 graus Celsius, tem uma temperatura tão próxima à da pele que se torna imperceptível. Eu sabia, racionalmente, que estava molhada, mas a sensação era tão neutra que eu não conseguia diferenciar quais partes do meu corpo estavam para fora da água e quais estavam submersas. Tentei comprovar se me virar era tão difícil quanto eles disseram que seria, caso eu caísse no sono. E sim, é muito difícil se virar no tanque. Eu descansei minhas mãos na barriga, como uma lontra, e pensei se conseguiria ter uma alucinação voluntária com uma amiguinha peluda. Mesmo sem nenhum estímulo externo, eu não possuo esse nível de controle mental. Continuei minha sessão sem nenhuma lontra para me guiar espiritualmente.

O tempo começou a passar mais rápido. Eu não dormi, nem tive alucinações. Não mergulhei no abismo infinito da minha alma. Decidi cozinhar a tilápia congelada no jantar e ir para a academia no dia seguinte, e me perguntei se algum dos outros clientes já havia urinado no tanque (eu não urinei no tanque). Eu esperava que minha mente explodisse e se expandisse, e me senti estúpida por esperar alguma idiotice hippie na qual eu nem acreditava. Pensei mais uma vez que estava sendo uma burguesa pelada e idiota. Bati meus pés contra o fundo do tanque até bater minha cabeça na tampa, o movimento da água substituindo a quietude.  Foi aí que comecei a me sentir bem mole.

Quando a música que sinalizava o final da sessão começou a tocar, eu não sei no que estava pensando. Apesar de não ter dormido, em algum momento eu deslizei até o limiar entre o sono e a consciência. Era como se eu tivesse dormido profundamente por horas.

Toquei a tampa da câmara e me parabenizei por estar tão rejuvenescida. Mas a saída não estava lá! “Merda”, eu pensei, “Ou eu estou vendo coisas e preciso sair dessa alucinação, ou isso é um plano de assassinato muito elaborado”. Eu tateava e não encontrava a alavanca que abria a porta, e comecei a entrar em pânico de novo. Comecei a esmurrar a lateral do tanque. Foi aí que eu coloquei minha mão no outro lado do tanque e achei a alavanca. Eu havia me movido, sem perceber, até ficar na diagonal. Eu estava tentando abrir a lateral do tanque. Grata por ninguém ter notado minhas batidas nervosas, eu saí do tanque, tomei uma ducha, e fui conversar com os donos.

Eles estavam oferecendo um chá de toranja de brinde. Bebi várias xícaras enquanto falava com os donos. Qualquer um que recuse chás caros é um tolo — essa merda tem antioxidantes. Eu me sentia como a Shailene Woodley. Estava me sentindo novinha em folha e, de alguma forma, com o pensamento ao mesmo tempo claro e confuso. Apesar de eu ter passado o que pareceu uma eternidade dentro do tanque pensando em como eu era imune à meditação, eu me sentia extremamente relaxada.

Folheando um livro em branco disponível para a troca de experiências dos clientes, li algumas coisas que me deram vergonha; poemas sobre espíritos saltando de corpos e desenhos de coroas de flores representando, penso eu, a alegria infantil. Por mais que eu não conseguisse evitar rolar os olhos para alguns dos relatos, eu não podia negar que me sentia bem melhor. Eu imediatamente recomendei o tratamento para meu companheiro e parentes, chegando até a sugerir que eu compraria sessões de presente para eles. Ainda me sinto melhor, mesmo dias depois.

Esses centros de flutuação não são baratos. Uma sessão de apenas uma hora custa US$60 no Float Toronto, e a maior parte dos preços que eu pesquisei em outros lugares fica nessa média. Se o que eles vendem é um embuste, ele é bem caro. Mas se o negócio for real, eu posso ver esses lugares fazendo muito sucesso. Afinal, US$60 não é tão caro quando estamos falando da diferença entre se sentir como alguém que foi atropelado por um caminhão de ressaca ou se sentir como alguém que foi abraçado por Jesus em uma montanha divina.

Mas se eu começar a falar sobre prestar favores sexuais para golfinhos nas próximas semanas, vocês saberão de quem é a culpa.

[Imagem via]

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