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O problema da biometria nas urnas eletrônicas

Até o presidente do TRE-RJ diz que as urnas biométricas "foram uma solução para um problema inexistente". Nós precisamos mesmo da biometria nas urnas?

Neste domingo, eu tive dificuldades na hora de votar. A fila estava enorme na minha seção eleitoral em Niterói (RJ): cada pessoa demorava muito para votar, por culpa da biometria. A cidade foi a última a registrar votos no país inteiro por causa do problema, que também afetou Recife, Goiânia, Macapá, entre outras.

Em Maringá (PR), o vice-prefeito disse que a biometria é um “vexame nacional“. E o presidente do TRE-RJ, desembargador Bernardo Garcez, comentou que as urnas biométricas “foram uma solução para um problema inexistente”. Nós precisamos mesmo da biometria nas urnas?

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De 2008 até hoje

O recadastramento biométrico começou em 2008, lançado em três cidades diferentes para as eleições municipais. Em 2010, o programa foi expandido para 60 cidades e mais de 1,1 milhão de eleitores. Em 2012, a tecnologia chegou a mais de 7,7 milhões de eleitores de 299 municípios.

Nas eleições deste ano, 764 municípios – 15 deles, capitais – foram equipados com as novas urnas, e o leitor biométrico chegou a 21,7 milhões de eleitores, ou cerca de 15% dos brasileiros aptos a votar.

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) explica em seu site que, com o leitor biométrico, “a liberação das urnas não mais é feita pelos mesários, mas sim pela leitura das impressões digitais do próprio eleitor”. O objetivo é reduzir fraudes, ao impedir “que uma pessoa tente se passar por outra no momento da identificação”.

Falhas

Mas na prática, a biometria não evitou que algumas pessoas votassem no lugar de outros eleitores. Em Recife, a jornalista Sandra Maria Branco disse que “foi informada pelos mesários que seu voto já havia sido computado”, mesmo sem ela colocar a digital no leitor biométrico. O mesmo aconteceu com a enfermeira Hisladjane Maciel, também em Recife. Em Maceió, o candidato ao senado federal Elias Barros (PTC) denunciou que alguém votou em seu lugar. Em Niterói, ocorreu algo semelhante.

Isso também aconteceu em cidades onde não há biometria, como Rio de Janeiro e Piracicaba (SP), colocando em xeque a utilidade dela. E por que isso aconteceu? Bem, a Justiça Eleitoral não pode impedir eleitores de votar por falhas técnicas. Por isso, o equipamento biométrico tem um dispositivo que permite ao mesário liberar o voto após 8 tentativas; basta usar uma senha. (Nas eleições passadas, o máximo eram doze tentativas.)

Ou seja, caso o mesário confunda seu nome com o de outra pessoa, pode acontecer o seguinte: o sistema não vai reconhecer a digital da pessoa; o mesário vai liberá-la mesmo assim; e quando você chegar, terá uma desagradável surpresa – alguém terá votado em seu lugar.

Especialistas também alertam ao UOL que seria possível fraudar a urna biométrica porque um mesário poderia votar no lugar de eleitores ausentes. Ela também está suscetível ao falso negativo: não existem impressões digitais iguais, mas o sistema pode se confundir caso elas sejam muito semelhantes.

Filas

Ontem, o problema foi também que o leitor simplesmente não reconhecia a digital, mesmo que estivesse correta. Em um teste ao vivo no canal GloboNews, uma funcionária de uma zona eleitoral de Goiânia fez oito tentativas de identificação por digital de um eleitor, até ser obrigada a inserir um código para ele votar.

Este é um problema da biometria que também se manifesta em outros lugares onde ela é usada, como em caixas eletrônicos de bancos, e no acesso a empresas e a academias de ginástica. Só que, nas eleições, a falha fica exponencialmente mais visível – e o TSE precisa amenizá-la o máximo possível.

Por enquanto, o TSE trata esses casos como isolados. Em entrevista coletiva, José Antonio Dias Toffoli – presidente do tribunal – comparou a adoção da identificação biométrica com a compra de um carro novo. O corregedor-geral eleitoral, João Otávio de Noronha, usou a mesma metáfora do carro novo: “pode haver dificuldade de adaptação no início, mas depois fica melhor”.

Cadastro único

O Programa de Identificação Biométrica do Eleitor brasileiro também tem – ou pelo menos tinha – um objetivo mais amplo. O TSE explica:

Além do evidente benefício de ordem eleitoral, a identificação biométrica dos eleitores brasileiros também servirá para outros fins. A Corte firmou acordo com o Ministério da Justiça para colaborar com o fornecimento do Cadastro da Justiça Eleitoral, que compreende mais de 140 milhões de eleitores. O sistema auxiliará na implantação do Registro de Identificação Civil (RIC), o número único que identificará cada brasileiro para identidade, carteira de motorista, passaporte e outros documentos.

Ou seja, as digitais também serviriam para criar o RIC, a evolução do antiquado RG: ele prometia ser um cadastro único e nacional para todo brasileiro. Por enquanto, o RG é emitido por cada estado.

O projeto de substituí-lo foi anunciado em 2010, mas foi deixado de lado; o Ministério da Justiça disse este ano que não há prazo para a implementação do RIC. Enquanto isso, alguns estados – como São Paulo, Rondônia, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul – adotam a biometria de forma independente.

Mesmo assim, o TSE continua dedicado a implementar a biometria. Os estados de Alagoas, Sergipe e Amapá e o Distrito Federal já fizeram o recadastramento biométrico de todo o eleitorado. A meta do TSE é cadastrar todos os eleitores do país antes das eleições de 2018. [TSE, UOL]

Foto por Agência Brasil

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