Projeto de computador quântico da Microsoft está mais longe de se tornar realidade
A Microsoft é uma exceção entre as empresas que investem em pesquisas de computação quântica. Ao contrário do Google, IBM ou das várias startups que construíram protótipos experimentais barulhentos de circuitos supercondutores, íons ou fótons, a empresa está tentando construir um computador quântico usando objetos conhecidos como partículas de Majorana — padrões distintos de elétrons em um minúsculo fio que os cientistas que propõe a tecnologia afirmam ter vantagens fundamentais sobre projetos rivais.
O problema? Ninguém jamais foi capaz de estimular os elétrons a formar uma partícula de Majorana. Agora, as perspectivas parecem ainda mais distantes: no início deste mês, pesquisadores afiliados à Microsoft retrataram um artigo de 2018 amplamente divulgado, publicado na Nature, que alegava fortes evidências experimentais de que eles haviam criado a partícula. O artigo, que o Gizmodo cobriu na época, passou pelo processo de revisão por pares da Nature, no qual dois a três revisores especialistas que são anônimos para os autores recomendam que um manuscrito seja publicado, rejeitado ou revisado.
“Pedimos desculpas à comunidade pelo rigor científico insuficiente em nosso manuscrito original”, escreveram os autores na retratação. O sinal que eles apresentaram como a assinatura de uma partícula de Majorana sofreu um erro de medição, invalidando seus resultados.
A Universidade de Delft, na Holanda, que é a instituição de origem de Leo Kouwenhoven, o físico e funcionário da Microsoft que conduziu o experimento, também realizou uma investigação independente do trabalho da equipe. Em um relatório publicado no dia da retratação, a equipe descobriu que o grupo de Kouwenhoven selecionou seus dados de forma tendenciosa, de forma que suas medições pareciam mais convincentes. (Kouwenhoven não respondeu a um pedido de comentário.)
A investigação descobriu que a equipe não pretendia enganar os leitores. “Eles foram meio desleixados”, disse o físico Patrick Lee, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, que fez parte da investigação independente. “Não consigo encontrar uma maneira melhor de descrever isso.”
Os autores projetaram seu experimento com base em trabalhos teóricos anteriores. Esses artigos previram que, sob as condições certas, duas partículas de Majorana, cada uma se comportando como meio elétron, deveriam se formar em ambas as extremidades de um fio semicondutor envolto em uma capa feita de um supercondutor. Para fazer um qubit — o bloco de construção fundamental de um computador quântico — você poderia codificar informações trocando as posições dos dois meio-elétrons no fio, em um processo semelhante a uma trança de cabelo. Trocar da direita para a esquerda pode representar 1 e da esquerda para a direita pode representar 0.
Um dispositivo feito de Majoranas é conhecido como computador quântico topológico. Como essas informações são codificadas nas orientações das duas partículas e não como propriedades inerentes das próprias partículas, um computador quântico topológico deve ser menos propenso a erros do que os projetos de qubit existentes. No entanto, ninguém ainda conseguiu criar um qubit topológico, muito menos um computador.
Questionamentos e investigações
Apesar do envolvimento de grandes empresas de tecnologia de consumo, a computação quântica ainda é, em grande parte, um campo de pesquisa. Embora algumas empresas tenham produzido pequenos protótipos de dispositivos, esses computadores quânticos não podem resolver problemas úteis. Uma de suas principais limitações é que eles não podem executar o algoritmo mais perfeitamente projetado sem cometer erros, e os especialistas não sabem como corrigir esses erros.
O relatório da Universidade de Delft sugeriu que os autores estavam tão motivados a encontrar uma partícula de Majorana que se enganaram pensando que a tinham visto. Os pesquisadores citaram o físico Richard Feynman: “O primeiro princípio é que você não deve se enganar — e você é a pessoa mais fácil de enganar.”
As dúvidas sobre o trabalho começaram já em novembro de 2019, quando o físico Sergey Frolov, da Universidade de Pittsburgh, descobriu que não poderia replicar os resultados experimentais do artigo. Em parceria com Vincent Mourik, da University of South Wales, Frolov solicitou que a equipe de Kouwenhoven compartilhasse seus dados, e eles descobriram que o artigo original continha dados escolhidos a dedo.
“Ficou claro que não havia justificativa para as conclusões”, disse Frolov. Ele e Mourik alertaram os autores e a Nature, e a análise deles acelerou a investigação independente e, por fim, a retratação do artigo em 8 de março de 2021.
Um porta-voz da Nature disse em um comunicado: “Estamos empenhados em atualizar o registro científico quando apropriado, a fim de fornecer clareza aos nossos leitores, e nos esforçamos para fazê-lo assim que tivermos informações suficientes para determinar o melhor curso de ação. No entanto, esses problemas costumam ser complexos e, como resultado, pode levar algum tempo para que editores e autores os desvendem totalmente.”
Erros
A retratação é um “alerta” para os pesquisadores e para a comunidade serem mais cuidadosos na publicação de seus resultados experimentais, disse Lee.
Mas o desfecho deste artigo não representa o fim da computação quântica topológica, de acordo com Lee. “Se você ler a imprensa popular, terá a ideia de que essa [retratação] foi um empecilho, que a Microsoft caiu de cara no chão e o investimento foi um fracasso”, disse ele. “Eu acho que não é bem assim.”
No artigo, os físicos conduziram uma versão muito mais difícil de um experimento comumente realizado em uma aula introdutória de física: aplicar uma tensão em um fio e medir sua resistência elétrica. No caso, eles usaram um nanofio, várias centenas de vezes mais fino que um cabelo humano, feito de antimoneto de índio envolto em alumínio supercondutor e mantido em temperaturas extremamente frias, próximas ao zero absoluto. (Tecnicamente, a equipe mediu a condutância do material, que é apenas o número 1 dividido pela resistência.)
De acordo com algumas previsões teóricas, quando os elétrons do nanofio formam uma partícula de Majorana, a condutância deve se estabilizar em um determinado valor conforme você reduz a tensão no dispositivo para zero. O artigo de 2018 afirmava observar esse patamar.
Então, alguns membros da equipe disseram ao público que haviam feito uma partícula de Majorana. “Agora, os cientistas fornecem uma prova definitiva da existência de Majorana, abrindo caminho para os bits quânticos de Majorana”, dizia um comunicado de imprensa que a Universidade de Delft emitiu quando o artigo foi publicado. “Este experimento fecha um capítulo na busca por partículas de Majorana.” Logo após a publicação do artigo, Julie Love, diretora de desenvolvimento de negócios de computação quântica da Microsoft, disse à BBC que a empresa teria um computador quântico comercial “dentro de cinco anos”.
A maioria dos físicos tratou os resultados do estudo como “a maior evidência” da partícula de Majorana, disse o físico David Goldhaber-Gordon, da Universidade de Stanford, que fez parte da equipe de investigação da Universidade de Delft.
Mas a estabilização não era um sinal definitivo da Majorana — e alguns físicos sabiam disso. Os elétrons que se comportam de outras maneiras também podem exibir esse padrão. Alguns físicos chegaram a propor que a Majorana não causaria nenhuma estabilização sequer, disse Frolov.
Em outras palavras, a equipe e a cobertura da mídia que se seguiu exageraram os resultados. “Em minha opinião, este não foi um artigo significativo, mesmo que tivesse sido correto”, afirma Frolov.
Consequências
Frolov está preocupado com o que a publicidade negativa significa para o resto da área. “Esse tipo de retratação pode precipitar coisas negativas para todo o campo, como concessões canceladas”, disse ele. Uma de suas propostas de financiamento foi negada em janeiro porque um revisor disse que a técnica experimental que ele usa — a mesma empregada pelos autores do artigo de Majorana — foi desacreditada, disse ele. “Não há nada de errado com a técnica”, disse Frolov.
A retratação envolve os autores, não sua estratégia subjacente. “Basicamente, não tenho dúvidas de que, quando os ingredientes certos são colocados juntos, a Majorana deve existir”, disse Goldhaber-Gordon.
O artigo e a retratação subsequente oferecem um estudo de caso de como o processo científico realmente funciona no mundo real. Indiscutivelmente, neste caso, o processo funcionou. A verdade finalmente veio à tona: a equipe de Kouwenhoven retirou seu artigo e explicou o que deu errado. O episódio também gerou novas descobertas científicas.
Em janeiro, Frolov publicou um artigo na Nature Physics detalhando como sua equipe poderia recriar a estabilização por meio de um fenômeno de elétron diferente. O físico Sankar Das Sarma, da Universidade de Maryland, um dos coautores do artigo retratado, lançou recentemente um novo trabalho teórico indicando que o experimento requer materiais com muito menos impurezas para criar uma Majorana.
“Este é o melhor exemplo do processo científico que vi na minha vida”, disse Das Sarma. (Das Sarma trabalhou na seção de teoria do artigo, que Lee confirmou não ser o foco da investigação da Universidade de Delft.)
Mas a retratação também mostra que o processo científico é “frágil”, disse Goldhaber-Gordon. Poucas pessoas têm experiência para detectar os erros do grupo. “Um perigo em nosso sistema científico é que é muito difícil avaliar as afirmações de outras pessoas”, disse ele.
Frolov e Mourik puderam avaliar o experimento retratado porque costumavam trabalhar com Kouwenhoven. Mas mesmo com sua experiência, o processo foi demorado e estressante. “Estamos tentando fazer o processo científico funcionar, e é muito difícil”, disse Frolov.
Ao escolher expor o erro do grupo, Frolov e Mourik — que são menos estabelecidos em suas carreiras do que Kouwenhoven — também tiveram que colocar sua reputação profissional em jogo. Para complicar ainda mais as coisas, Frolov disse que Kouwenhoven o ajudou no início de sua carreira. “Ele teve um papel importante na minha vida”, disse Frolov. “Ele impulsionou minha carreira ao me deixar trabalhar em seu grupo.”
Agora, seu relacionamento com seu ex-mentor está no limbo. “Em novembro de 2019, nos encontramos em uma conferência. Nós rimos; bebemos cerveja; estava tudo bem”, disse Frolov. “E agora não consigo imaginar que isso aconteça de novo.”
“Foi preciso coragem e muito trabalho para [Frolov e Mourik] se manifestarem e levarem isso adiante”, disse Lee.
Frolov está planejando verificar outro experimento, com a esperança de que isso impeça outros no campo de cometerem mais erros.
A Microsoft parece estar seguindo o seu caminho. “Continuamos confiantes em nossa abordagem topológica para a computação quântica em escala”, escreveu Zulfi Alam, vice-presidente da Microsoft Quantum, em um comunicado no LinkedIn.
Das Sarma compara a busca da partícula de Majorana com outras descobertas da física fundamental. Os físicos levaram apenas 15 anos para descobrir os bósons W e Z e 100 anos para medir uma onda gravitacional depois que os teóricos previram a existência de cada um deles. “Quanto tempo vai demorar? Sinceramente, não sei”, disse Das Sarma. “Eu não quero inventar um número.”