Os detalhes sobre o ambicioso plano de criar um genoma humano artificial
No mês passado, um grupo de cientistas, advogados e empresários se reuniu em segredo para discutir a possibilidade de criar um genoma humano sintético a partir do zero. Os detalhes do plano agora são públicos, e ele é tão ambicioso quanto parece. Mas críticos dizem que os fundadores do novo projeto estão evitando as questões éticas mais difíceis.
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Trata-se do Human Genome Project-write (HGP-write), um esforço para criar e implantar um genoma totalmente sintético em células humanas dentro de 10 anos.
Os fundadores do projeto explicam em um artigo curto na revista Science Perspectives que o objetivo é desenvolver novas tecnologias poderosas, que permitirão a cientistas ligar longas cadeias de DNA humano sintético que será implantado em células numa placa de Petri.
“O objetivo deste projeto é desenvolver e testar grandes genomas nas células, e é onde ele para”, observa Nancy Kelley no MIT Technology Review – ela é executiva-chefe do projeto e arrecada fundos. Estas biotecnologias poderiam ser usadas no futuro para criar organismos artificiais e até seres humanos customizados.
George Church, da Harvard Medical School, um dos cofundadores da nova iniciativa. (Foto: Steve Jurvetson)
É um objetivo ambicioso que vai exigir melhorias substanciais em tecnologias de síntese de DNA. A nova iniciativa, cofundada por George Church, da Harvard Medical School, e Jef Boeke, do NYU Langone Medical Center, é um esforço para superar as limitações atuais e desenvolver as ferramentas e os conhecimentos necessários para sintetizar longas cadeias de DNA.
O plano, que será implementado através de uma nova organização independente e sem fins lucrativos chamada Centro de Excelência para Engenharia de Biologia, precisará arrecadar US$ 100 milhões para cumprir o seu cronograma de 10 anos.
Se tudo correr conforme o planejado, o custo de fabricação de DNA poderia cair 1.000 vezes ao longo desse tempo, tornando-se extremamente acessível criar genomas a partir do zero.
O antecessor dessa iniciativa é o Projeto Genoma Humano-leitura (PGH-leitura). Mas, em vez de criar tecnologias para ler o DNA, os fundadores do HGP-write querem desenvolver e aplicar poderosas máquinas celulares para construir vastas cadeias de DNA.
Possibilidades
Até hoje, a capacidade de construir DNA em células tem sido restrita a um pequeno número de segmentos curtos, o que dificulta a capacidade dos cientistas em alterar e compreender sistemas biológicos.
“Este grande desafio é mais ambicioso e mais focado na compreensão das aplicações práticas do que o Projeto Genoma Humano original, que visava ‘ler’ um genoma humano”, diz Church em um comunicado. “Melhorias exponenciais em tecnologias de engenharia de genoma e de testes funcionais fornecem uma oportunidade para aprofundar a compreensão do nosso código genético, e usar esse conhecimento para resolver muitos dos problemas globais que a humanidade enfrenta.”
Uma vez que existam as ferramentas para criar e encadear longas cadeias de DNA sintético, os cientistas poderão criar de tudo. Por exemplo, os biólogos sintéticos serão capazes de fabricar medicamentos melhores para afastar vírus e câncer, ou eliminar genes problemáticos.
Estas ferramentas também permitirão que cientistas produzam linhas de células consistentes para criar produtos biológicos – tais como vacinas, alergênicos, células somáticas, terapias genéticas etc. – que são bastante usados pela indústria farmacêutica.
Olhando para o futuro, a mesma tecnologia poderia ser usada para criar novos micróbios e animais – imagine, por exemplo, bactérias que consomem plástico rapidamente ou que limpam vazamentos tóxicos. Mais conceitualmente, os avanços na escrita genética também poderiam ser usados para criar seres humanos customizados, incluindo humanos completamente “artificiais” sem pai nem mãe biológicos.
Felizmente, os fundadores do HGP-write dizem que vão estabelecer uma estrutura aberta e ética para orientar seus esforços. Em seu artigo na Science Perspectives, os autores dizem que o projeto “vai exigir o envolvimento contínuo do público e uma consideração das implicações éticas, legais e sociais (ELSI) desde o início”, ao mesmo tempo que adota uma abordagem de “inovação responsável”.
Isso vai obrigá-los a identificar os “objetivos comuns importantes para os cientistas e o público em geral por meio de consulta oportuna e detalhada entre as diversas partes interessadas.”
Ressalvas
São palavras muito agradáveis, mas se você acha que tudo isso soa um pouco vago, você não está sozinho.
“Para usar a linguagem deles: como eles vão da observação à ação?,” pergunta Megan J. Palmer, bióloga e engenheira da Universidade de Stanford. “A confusão com a transparência nas fases iniciais do projeto demonstra que o principal desafio ao desenvolver uma base ética está muitas vezes na sua implementação.”
Mesmo com uma base ética em vigor, Palmer teme que o processo para descobrir se uma nova tecnologia é desejável, eficaz ou segura pode levar anos. Isso fica ainda mais complicado quando o processo entra na arena internacional.
“A capacidade de criar genomas pode trazer novos benefícios, riscos e um entendimento da nossa composição humana”, disse Palmer. “Mas o grande desafio de um projeto como este não é sintetizar genomas humanos – é sintetizar humildade dentro de nossos esforços científicos humanos”.
Sem dúvida, como tantas outras tecnologias atualmente em desenvolvimento – de edição genética à inteligência artificial – os benefícios destes avanços futuros são bastante claros. No entanto, a questão de como podemos torná-los seguros continua a ser o desafio.
Foto por Michael Knowles/Flickr