Após 127 anos, cientistas estão redefinindo o quilograma
Físicos do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (NIST) dos EUA estão trabalhando para melhorar a definição oficial do quilograma, unidade de massa que sustenta todo o nosso sistema internacional de pesos e medidas.
Para tanto, eles fizeram uma nova medição da constante de Planck em um alto grau de precisão. John Pratt, líder da divisão no NIST, diz ao Gizmodo que “fazer essas medições básicas de padrões fornece uma infraestrutura essencial” para a ciência.
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A constante de Planck (h) está no cerne da mecânica quântica. Átomos só podem fornecer energia em quantidades específicas, conhecidas como “quanta” – da mesma forma que o dinheiro é subdividido em valores específicos de moeda. Essa quantidade de energia é proporcional à constante de Planck.
É um número muito pequeno e, portanto, extremamente difícil de medir com precisão. Usando uma versão high-tech de uma balança de dois pratos, os cientistas do NIST chegaram a um valor de 6,62606983 x 10^-34 kg∙m²/s, com precisão de 34 partes por bilhão.
O protótipo internacional do quilograma, ou IPK. (Imagem: BIPM)
As origens do quilograma
Os físicos não fazem isso sem motivo: é tudo parte de um esforço mais amplo para redefinir o quilograma.
Atualmente, seu valor é definido por um artefato de metal do tamanho de uma bola de golfe, chamado de “Le Grand K” ou IPK (sigla em inglês para Protótipo Internacional do Quilograma).
Este artefato está armazenado em um cofre, sob três campânulas de vidro, no Escritório Internacional de Pesos e Medidas (BIPM) nos arredores de Paris. Este foi o padrão do quilograma durante os últimos 127 anos – mas será substituído em 2018.
As origens do quilograma datam da época do rei francês Luís XVI, que estabeleceu uma unidade chamada “grave” para medir massas, dando uma referência para que os comerciantes não enganassem seus clientes.
Após a Revolução Francesa e o estabelecimento da nova República, os líderes decidiram em 1795 que a medição da massa deveria usar o grama, definido como o peso absoluto de um centímetro cúbico de água a 4 graus Celsius.
Mas isso era impraticável para o comércio – quem levaria esta unidade de água durante todo o dia? Assim, o quilograma nasceu em 22 de junho de 1799: um pedaço de metal sólido com mil vezes a massa do grama.
Em 1875, dezessete países assinaram um tratado para que todos pudessem usar as mesmas unidades de massa e comprimento. E, em 1889, foram forjados em metal o “Le Grand K” e várias cópias enviadas a todos os países participantes. O artefato dos EUA está guardado no NIST.
Por que mudar?
Se o quilograma vem funcionando bem há mais de um século, por que mudar? Bem, ele é atualmente a única unidade padrão que ainda depende de um artefato físico. Um metro era definido por uma vara de metal com duas marcas nele, mas ele foi redefinido em 1983 de acordo com a distância em que a luz viaja em 1/299.792.458 segundo.
Além disso, ao longo do tempo, os vários artefatos vêm divergindo entre si em termos de massa. Mesmo quando armazenados cuidadosamente sob campânulas, as réplicas foram lentamente ganhando massa ao absorver contaminantes na atmosfera (limpezas periódicas podem ajudar a minimizar esse ganho).
Enquanto isso, o IPK perdeu massa em relação às cópias oficiais, um fenômeno que confunde os físicos. Essa discrepância é importante porque grande parte da ciência de ponta atual exige medições em escalas minúsculas.
Se os cientistas não puderem contar com o quilograma para medições precisas, isso coloca problemas significativos para o resto do sistema internacional (SI) de medidas, porque o quilograma sustenta praticamente tudo.
A definição do newton, por exemplo, é a força necessária para acelerar um kg a 1 m/s². Se o valor do quilograma muda, mesmo que ligeiramente, o valor do newton também muda. Ele também é essencial para determinar a definição oficial do pascal (unidade de pressão), do joule (unidade de energia), e do ampere.
A balança de Watt do NIST-4 usada para medir a constante de Planck com precisão de 34 partes por bilhão. (Foto: J. L. Lee/NIST)
Medindo uma constante fundamental
É por isso que os cientistas estão ansiosos para redefinir o quilograma de acordo com uma constante fundamental da natureza. “Estamos mudando agora para algo que é uma abstração completa”, diz Pratt. Ao contrário de um artefato físico, cuja massa muda ligeiramente com o tempo, uma constante fundamental é exatamente isso: constante e imutável em todo o universo.
Em 2007, um matemático e um físico sugeriram redefinir o quilograma como a massa de um grande número de átomos carbono-12. Também é possível redefini-lo de acordo com a constante de Planck (o valor matemático inclui o quilograma), assumindo que várias medições independentes ao redor do mundo possam concordar entre si com grande precisão.
E é por isso que esta medição mais recente do NIST é importante: é um dos vários esforços contínuos para medir a constante de Planck na França, Canadá, Alemanha e EUA. Uma das colaborações usa um método que envolve contar os átomos em uma esfera quase perfeita de silício.
A equipe do NIST, por sua vez, usa um aparelho conhecido como balança de Watt. Basicamente, esta é uma balança high-tech que compara o peso de uma dada massa e a força eletromagnética necessária para equilibrá-la. Esse número pode então ser usado para calcular a constante de Planck.
“A balança de Watt pode estabelecer uma ligação entre a massa e a constante de Planck”, diz a autora Darine el Haddad ao Gizmodo. Esta medição é descrita em um novo estudo na revista Review of Scientific Instruments.
Uma vez que os resultados de todos os países forem obtidos, eles serão inseridos em um computador, que analisará os dados para chegar ao melhor valor global da constante de Planck. Então, ele se tornará a nova base para o quilograma a partir de 2018.
A maioria das pessoas provavelmente não vai notar quando isso acontecer, mas os cientistas terão muito mais confiança ao fazer medições delicadas no futuro – e eles terão a agradecer uma série de estudiosos que trabalharam durante anos para garantir que o quilograma permaneça verdadeiramente constante para sempre.
[Review of Scientific Instruments via NIST]
Imagem: Contunico/ZDF Enterprise/Brittanica.com