Tecnologia

Redes sociais após a morte: suas contas podem entrar no testamento?

Nesta matéria especial do Giz Brasil, entenda o que diz a lei sobre transferência de redes sociais e compras digitais, como jogos e músicas, para herdeiros pelo testamento
Imagem: Sergey Zolkin/Unsplash/Reprodução

Estamos mais online do que nunca. De acordo com o relatório Análise Mobile 2024, da startup Rocket Lab, em parceria com o Statista, ao longo de 2023, os brasileiros passaram 265 bilhões de horas no celular em redes sociais. Ou seja, quase um quarto do tempo que estão acordados por dia. Assim, é de se esperar que os ativos digitais de uma pessoa durante sua vida sejam imensos. Mas o que acontecem com eles após a morte?

E as contas em redes sociais após a morte?

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O termo “ativos digitais” se refere aos arquivos e contas que um indivíduo possui ou usa em seus dispositivos eletrônicos, incluindo fotos e vídeos, e-mails, contas financeiras, entre outros.

Eles podem ser passados para outra pessoa pelo testamento, embora o usuário também possa apenas informar a um contato de confiança os logins de seus perfis. No entanto, cada plataforma ou serviço – no caso de compras online, tem uma abordagem diferente.

No caso dos e-mails, as empresas excluem as contas após o falecimento de um usuário. Já redes sociais como o Facebook, por exemplo, permitem uma atualização de status para uma página “Memorial”, a fim de informar aos amigos sobre a perda e dar espaço para homenagens.

De qualquer forma, uma opção é descrever, no documento, as preferências para o executor, como exclusão do perfil, postagens específicas, download de arquivos, aviso aos seguidores e mais. Sobretudo para quem possui sites, blogs, lojas online ou mesmo dados importantes armazenados em nuvem. Além disso, informações de acesso a aplicativos bancários também facilitam o processo.

Conteúdos digitais comprados podem ser transferidos para herdeiros?

Em maio deste ano, uma mensagem do suporte do cliente da plataforma de jogos digitais Steam a um usuário chamou atenção. Dizia não ser possível transferir os produtos adquiridos para outra pessoa. O mesmo procedimento, aliás, vale para jogos de lojas online como a Microsoft e a Sony, segundo o site Polygon. Isso porque os conteúdos e serviços não são vendidos, e sim licenciados.

As plataformas de músicas também funcionam de forma semelhante. Em 2012, repercutiu na imprensa o boato de que o ator Bruce Willis pretendia processar a Apple para deixar as músicas de sua biblioteca do iTunes para suas filhas.

É válido lembrar que “herdeiros” podem acessar as compras de um perfil. Embora o compartilhamento não seja permitido nos termos de serviço da Steam, por exemplo. Porém, é preciso fazer o login e a autenticação de dois fatores. Outra alternativa é ter cópias legais dos conteúdos em dispositivos físicos, como músicas em iPods, livros no Kindle etc.

Mas, ainda há esperança. Em entrevista ao recente ao site Arts Technica, a empresa de jogos GOG disse estar ciente de “algumas decisões judiciais existentes. Nelas, algumas pessoas foram autorizadas a herdar uma conta online” através de ordens judiciais. “Estamos dispostos a lidar com tal situação e preservar a sua biblioteca GOG. Mas atualmente só podemos fazer isso com a ajuda do sistema de justiça”, declarou a companhia.

Giz Brasil ouve especialista sobre redes sociais após a morte

Para entender as possibilidades da transferência de conteúdos e redes sociais para “herdeiros” pelo testamento no Brasil, o Giz Brasil entrevistou Carolina Raitz, advogada especialista em Direito Civil e Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.

Giz Brasil – Qual sua opinião sobre uma pessoa que tenha uma conta com número significativo de seguidores querer deixar a administração a um “herdeiro” ou sucessor estipulado em um testamento em cartório?

Carolina Raitz – A questão é polêmica, já que envolve um debate a respeito da possibilidade, ou não, de as redes sociais (que são instrumentos de caráter personalíssimo) comporem o conjunto de bens deixados à herança e serem dispostas através de testamento.

Considerando as constantes mudanças e avanços que temos vislumbrado nos últimos anos, com destaque para o fenômeno da digitalização, parece-me que incluir as redes sociais no patrimônio deixado pelo falecido — integrando no testamento o conjunto de bens que hoje a doutrina denomina como “bens digitais” — é coerente com o cenário tecnológico atual. Especialmente levando em conta que as redes sociais de criadores de conteúdo são passíveis de serem monetizadas. E, portanto, dotadas de valor econômico assim como são os bens “convencionais”.

No entanto, vale ressaltar que é necessário resguardar a privacidade e intimidade do falecido neste processo. Evitando a circulação de quaisquer informações ou dados que possam violar sua esfera privada, honra ou reputação.

Conta póstuma

Acha que uma conta póstuma pode ter um sucessor apenas ou “vários herdeiros” para administrá-la?

Partindo da premissa que a conta póstuma é de caráter personalíssimo e que as informações ali contidas são privadas e confidenciais, apenas seria transmissível aos herdeiros aquilo que o usuário tenha expressamente autorizado em vida. Assim, a conta póstuma poderia ser transmitida a “vários herdeiros”, desde que excluídos quaisquer conteúdos não autorizados expressamente pelo falecido.

Legislação

Existe lei estabelecida no Brasil a respeito de testamento de redes sociais e bibliotecas de games? Ou as redes apenas se encaixam dentro de uma legislação anterior? O dinamismo do mundo online não deixaria uma legislação defasada com rapidez?

Não existe legislação específica a respeito. Atualmente, a matéria é regida pelo Código Civil na parte de sucessões. Contudo, as disposições que hoje estão em vigor não são capazes de regular com precisão os contornos da matéria. Há Projetos de Lei tramitando no Congresso Nacional sobre o tema, a exemplo do PL 3050/2020 e PL 703/2022. Apesar de ser necessária a criação de uma lei para regulamentar a matéria, o dinamismo do mundo digital de fato poderia deixar a legislação defasada com certa rapidez. O que evidencia a necessidade de constante atualização e adequação da jurisprudência.

Isabela Oliveira

Isabela Oliveira

Jornalista formada pela Unesp. Com passagem pelo site de turismo Mundo Viajar, já escreveu sobre cultura, celebridades, meio ambiente e de tudo um pouco. É entusiasta de moda, música e temas relacionados à mulher.

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