[Review] Motorola Xoom: músculos de sobra, cérebro em desenvolvimento
O primeiro tablet com Honeycomb no Brasil, o primeiro da Motorola e possivelmente o verdadeiro concorrente do iPad 2. Essas são as credenciais do Xoom. Mas o que ele realmente é, no dia a dia? Uma criança de sete anos extremamente musculosa. Estranho? Entenda.
O Xoom é puro músculo: seu processador é um Tegra 2, da Nvidia, de 1GHz, sua memória é de 1GB, a versão testada — e que está sendo vendida — tem 32GB de espaço interno, câmera traseira de 5MP e frontal de 2MP, porta microHDMI e tela de 10,1 polegadas — e, por isso, precinho nada humilde de R$1.899 para o modelo Wi-Fi de 32GB. No papel, um monstro. Mas e na vida real?
Hardware
Você deve se lembrar, não faz tanto tempo assim, de quando o Milestone foi lançado. Enquanto o iPhone 3GS tinha linhas finas e sutis, o primeiro e salvador Android da Motorola era como um grande robô futurista — por isso o nome Droid nos EUA. O mesmo acontece com o Xoom: ele é parrudo, curvado na parte traseira e passa aquela sensação de firmeza que você espera de um aparelho que irá com você frequentemente para todos os cantos da casa. O único problema é que 730 gramas (50g a mais do que o primeiro iPad e 129g a mais do que o segundo modelo) é muito para ficar segurando o aparelho com uma só mão, como se fosse um livro.
A tela de 10,1 polegadas tem resolução de 800 por 1280 pixels e entrega imagens dignas. Em alguns jogos ela se sai muito bem, mas em situações cotidianas, como no browser, a tela não é exatamente empolgante — não espere muito brilho, contraste ou ângulo de visão no nível do principal concorrente ou dos vindouros tablets coreanos (falta à Motorola uma tecnologia de tela com nome impactante tipo Super AMOLED Plus). O detalhe estranho é que o display suja com extrema facilidade. Ok, isso pode ser comum nos tablets, mas estamos falando de muitas marcas de dedo. E de uma certa dificuldade para limpar tudo também — só a camiseta não basta.
As entradas são simples e ficam na parte inferior e superior do aparelho (em modo paisagem). Porta micro HDMI (com cabo vendido separadamente), microUSB e a entrada do carregador. Aqui, um detalhe negativo: o Xoom só é carregado pela tomada, com uma fonte não muito pequena. Conectá-lo ao computador dá apenas acesso aos dados. No topo, a entrada de fone de ouvido no padrão 3,5 milímetros.
Apesar de parecer simples criar um tablet — trata-se de uma tela gigantesca, moldura e poucos botões — a Motorola não foi muito feliz no posicionamento e na escolha dos materiais. O botão de liga/desliga fica na parte de trás do aparelho, ao lado da câmera, e em nossos testes com pessoas que nunca viram o aparelho, a média era de 30 a 45 segundos para encontrá-lo — elas procuram, obviamente, na frente e nas laterais. Já os botões de aumentar e diminuir o volume ficam do lado esquerdo, no topo, mas não tem a sensibilidade ideal.
Ao lado do estranho botão de liga/desliga, há um dos dois alto-falantes. Com bom espaço entre eles e posicionamento inteligente, o som do aparelho é acima da média para tablets. Para completar a traseira, a câmera de 5 MP e seu flash — mais sobre ela em breve.
Bateria
Ao contrário de sua versão para smartphones, o Android Honeycomb parece saber lidar com bateria. Isso pode ter a ver, na verdade, com o maior espaço para baterias mais poderosas na parte interna do aparelho. O Xoom marcou bons números em nossos testes: 9 horas e 21 minutos de exibição de vídeo com brilho em 75%. E, é claro, há a comodidade de não precisar desligá-lo de fato. Como boa parte dos usuários utiliza os tablets de noite, após passar boa parte do dia na frente do PC, é possível dizer que o Xoom só precisa ir à tomada lá pelo terceiro ou quarto dia. É o trunfo dos tablets em relação aos notebooks. E o tablet da Motorola vai bem no quesito.
Câmeras
Antes de tudo, vamos ser muito sinceros: apontar um tablet de 10 polegadas com quase 25 centímetros de largura e 16 de altura para fotografar ainda é algo é muito estranho. Quiçá bizarro. Não é o tipo de ação que você fará com frequência, e talvez as futuras versões possam até não dar muita bola à função, deixando só a câmera frontal para vídeochamadas. Ela é notadamente melhor que a do iPad 2 e possivelmente melhor do que a do vindouro Galaxy Tab, mas nada para ficar muito orgulhoso.
Tradicionalismos à parte, a câmera do Xoom é o que você pode esperar de uma câmera de qualquer smartphone da Motorola: imagens com cores fracas e ruídos excessivos em fotografias noturnas e resultados minimamente satisfatórios de dia:
A qualidade de vídeo, em 720p, também não empolga:
[vimeo 23372538]
A câmera frontal, com 2 MP, faz o trabalho necessário para vídeochamadas e tira fotos boas para os mais ególatras. A qualidade da imagem em conversas pelo Gtalk são dignas e lembram os bons tempos de webcam — agora com mais chacoalhões e imagens vertiginosas: conversar com alguém com webcam de tablet lembra assistir a um filme tipo Bruxa de Blair, já que a base não é fixa.
Software
Deixando os músculos de lado, hora de entender por quê o Xoom está em processo de desenvolvimento de cérebro. O motivo, claro, é o Android 3.0. O sistema ainda é cru. Isso se traduz em aplicativos fechando com frequência sem motivo aparente — às vezes avisando o usuários, às vezes simplesmente voltando para a tela inicial — e momentos de lentidão que obrigam a reiniciar o aparelho.
A sensação, em geral, é de que o Honeycomb ainda não está pronto. Ele ainda parece uma versão para smartphones com algumas adições, como a barra de status, que dissecaremos em breve. Por exemplo: cada tela suporta 56 pequenos ícones de aplicativos, os mesmos dos smartphones. 56. Quem quer sujar tanto uma tela a ponto de colocar mais de 50 apps por página? Com cinco telas, dá para colocar 280 ícones. Desorganização para os mais novos e inutilização para pessoas mais velhas.
Você pode argumentar que esse espaço será explorado por widgets. Talvez, mas pelo menos não por enquanto. São poucos os aplicativos que utilizam widgets inteligentes nas 10 polegadas — tirando as opções do Google, apenas o app da CNN tem um widget grande e interativo. Neste momento, não há o que colocar nas cinco páginas iniciais, a não ser um mar de ícones de aplicativos.
Há também um sério problema para o sistema como um todo: a transição entre as telas, entre apps pesados e leves, não é extremamente fluida. Não é exatamente ruim ou lenta, mas falta aquela sensação imediata que esperaríamos de um processador dual-core — ou simplesmente porque estamos acostumados a isso no tablet da Apple. Mudar a posição de paisagem para retrato não é instantâneo. E isso nos deixa muito intrigados. Veja bem, o Xoom tem configuração digna de um notebook mas não consegue rodar com maciez total o sistema do Google? O Honeycomb é tão pesado assim? Parece que sim.
Mas existem bons e inteligentes pontos. A grande sacada com futuro é a barra de status. Na parte debaixo da tela, há sempre a barra de status principal, lembrando que você tem como sair de qualquer app — e de que você está em um sistema que se parece mais um PC do que um tablet. E a barrinha é inteligente. Na lateral esquerda, há sempre três ícones, os substitutos dos botões capacitivos dos smartphones com Android: o primeiro equivale ao “voltar”, o segundo é o “home” e o terceiro é o multitarefa.
O multitarefa exibe os últimos cinco aplicativos abertos pelo usuário em janelas, com o ícone do processo por cima. Apesar de prático — é bom ler sobre um app na internet e cair no Android Market em dois toques — ele é limitado aos cinco últimos apps.
Do lado direito, o horário, a bateria e a conexão Wi-Fi ficam constantemente exibidos, e o espaço vazio ao lado é preenchido com avisos de apps diversos, como novo e-mail no Gmail, conversa no Gtalk, menções no Twitter, música tocando ou novas notícias no Pulse. Clicar no horário e no pequeno ícone no canto abre uma paleta prática de configurações básicas, como bloqueio de orientação, modo avião, brilho de tela etc.
Aplicativos
Apesar de toda a imaturidade do Honeycomb em si, é na hora da influência dos terceiros que a situação fica complicadíssima para o sistema. O Google fez de tudo para desenhar apps que usam e abusam da tela grande, e fez isso muito bem: Gtalk, Gmail, YouTube, Agenda, Earth, Sky Map e Mapas brilham sem sofrimento, utlizando colunas, ícones grandes e gráficos ideais para dez polegadas — o único que chega a irritar, apesar de bonito, é o Android Market, que só funciona em modo paisagem. Se sua vida depende completamente de sua conta no Google, os apps são realmente interessantes. Confira:
O problema é que, por enquanto, só o Google fez isso. E ter o aplicativo de e-mail como seu favorito em um tablet é um caso bem sério. Ele é legal e tudo, mas ele é mais bonito, rápido e eficiente em um netbook que custa metade do preço.
No lançamento do segundo iPad, Steve Jobs foi agressivo com a concorrência e disse que, enquanto o iPad surfava com mais de 75 mil apps, o Android Honeycomb tinha apenas 100 apps (o iPad, no dia de lançamento, tinha 3 mil ao menos adaptados). Bem, Jobs, foi bonzinho demais com o Google. Temos dúvidas se existem 50 apps efetivamente criados para o sistema.
Buscar por apps novos de Honeycomb é aflitivo. Não há no Market uma divisão clara de apps adaptados para a tela grande, e buscas no Google retornam para matérias de fevereiro. As listas recentes de melhores aplicativos remetem aos mesmos do início do ano. Os lançamentos não são frequentes. E os desenvolvedores, por incrível que pareça, não demonstram muita empolgação.
Já as otimizações estão acontecendo aos poucos. O Kindle é um bom exemplo: quando recebemos o aparelho, o app da Amazon exibia os livros em listas, como em smartphones. Dias depois, uma atualização específica para tablets passou a exibir os livros em uma estante virtual. É claro que a maior parte dos apps para Android rodam de maneira “esticada” melhor que na concorrência, mas, em geral, aplicativos como o NYT, Twitter e Facebook continuam exibindo listas de informações como se estivessem em smartphones, com poucas imagens e excesso de texto enfileirado.
Os poucos apps que usam efetivamente a tela toda mostram o potencial da plataforma. O Read It Later Pro, que salva textos para leitura offline e os adapta à tela (como o Instapaper para o iPad), funciona muito bem. O Pulse, agregador de feeds de RSS, exibe notícias de forma gráfica, juntando também links de seu Facebook, e o resultado é bonito (mas não chega a ser um Flipboard). O Comics, da Comixology, é uma boa solução para comprar quadrinhos, e o PerfectViewer ajuda na visualização de PDFs — apesar do formato widescreen não ser o ideal. O app da CNN e do USA Today são belos, mas, na melhor das hipóteses, são apenas transposições dos apps de iPad.
Na parte de jogos, a reação de meu primo de 12 anos após alguns cliques resume a situação: “só tem isso de joguinho?”. Bem, sim, só tem isso. Por “só isso”, leia-se alguns jogos que utilizam o Tegra (Samurai II: Vengeance THD, Fruit Ninja THD, Monster Madness), Dungeon Defenders, Angry Birds e versões otmizadas de Tank Hero e Robo Defense. Ainda é pouco, mas a Nvidia promete lançar vários jogos que abusam do Tegra 2 nos próximos meses. Por enquanto, ainda é difícil se divertir no Honeycomb.
Música e Vídeo
Como os outros apps do Google, o aplicativo de música para Android 3.0 recebeu um belo tapa no design e ficou bem mais atraente. Os álbuns são exibidos em uma espécie de “cover flow” e os CDs sem capa ganham uma versão genérica bem digna, para não deixar o app feio. Há alguns controles básicos de áudio, mas o aplicativo é simples e direto: música exibida de forma prática.
Já na parte de vídeo, o Xoom derrapa feio. A Motorola promete exibição de vídeos em 1080p, mas como bem frisou o camarada Henrique, só se for via HDMI em um asterisco que não encontramos. Na tela do aparelho, você precisa de apps de terceiros para abrir formatos como .mkv, e o resultado é pavoroso, com imagens congeladas, travadas e áudio não sincronizado. Mesmo em arquivos AVI o resultado não foi tão bom. Estranhamente, se você conectar o HDMI à TV, um vídeo em mkv de 720p já toca muito bem. Mas na tela do aparelho? Sem chance. Aqui, o Google terá que trabalhar muito nas próximas atualizações — ou estimular desenvolvedores de apps de nicho.
Navegador
Eis o grande trunfo do Xoom e do Android 3.0: o navegador nativo do sistema é extremamente completo. Por ora, esqueçamos de vez o Flash para Android — já está claro que ele ainda não está pronto e não pode ser em momento algum fator decisivo de compra. Com ele desligado, o browser flui muito bem, busca no Google direto pela barra, mostra histórico e sugestões com velocidade e consegue abrir até 16 abas, tudo no melhor estilo do Chrome.
Mas é irônico pensar que o navegador mais completo de tablets ainda seja reconhecido como “smartphone” por quase todos os sites, que exibem inicialmente a versão móvel da página — não há páginas otimizadas especificamente para Android, como acontece no iPad, e o usuário precisa mudar a chave para “navegação completa” na mão.
Há também uma certa dificuldade de leitura com o tablet em posição retrato, mas dada a posição do botão de liga/desliga e do nome da fabricante na horizontal, parece claro que o Xoom foi feito para ser utilizado em formato paisagem, para aproveitar sua tela widescreen.
Conclusão
Preto no branco, é fácil entender o Xoom (como será fácil entender os novos Galaxy Tab, o Optimus Pad da LG, entre outros): o hardware já está em alto nível e consegue fazer tudo com consumo de bateria decente. Por dentro, com Tegra 2 e memória de netbook, as máquinas estão prontas. Mas isso por enquanto não quer dizer nada.
Já dissemos aqui no review do iPad que ainda não é muito trivial justificar a compra de um tablet de maneira racional. Se você fosse uma adolescente e falasse “Pai, me dá aí R$ 1.800 para comprar um tablet?” e ele falasse “Por que você precisa de um?”, seria difícil convencer o velho. Apesar de ser vendido como mais “capaz” do que o concorrente da Apple, nada do que o Xoom faz não pode ser feito em um netbook (mais barato) em termos de produtividade. Em outras tarefas essenciais, um smartphone com tela de 4 polegadas para cima (mesmo preço, e ainda telefona) manda melhor em fotos, GPS, interação com redes sociais e checagem de e-mail, por exemplo.
E para tarefas não-essenciais, o deserto de apps faz com que ele perca muitos pontos. Faltam os 10 mil jogos, apps para criação (pense iMovie, Garageband, programas para ilustração), livros infantis ou animados, enciclopédias, revistas. Aliás, qualquer coisa que você queira ler nele sofre com o fato de o Xoom não ter a proporção 4×3: ficam faixas pretas na parte de cima e de baixo. Mesmo a visualização de vídeo, talvez única área que realmente tomaria benefício da proporção Widescreen, sofre com a falta de suporte a padrões importantes, ou performance em geral.
E há, é claro, o Honeycomb. O sistema do Google para tablets irrita em situações cotidianas por seu excesso de travadas, e o cenário de aplicativos não é nada empolgante em seus primeiros meses — situação que o iPad não passou e foi um dos fatores cruciais de seu sucesso em tão pouco tempo. Por ser um sistema cru, o Android 3.0 remete às primeiras versões do Android, que receberam várias atualizações em pouquíssimo tempo, melhoraram muito, mas criaram um tipo de dor de cabeça que os usuários não conheciam: o caos das atualizações, que envolve Google, fabricantes e operadoras. Apesar de estar em sua versão sem modificações, será que teremos o mesmo problema no universo dos tablets?
Apesar da expectativa em torno dos verdadeiros concorrentes do iPad — e agora do iPad 2 — vemos pouquíssimos cenários que justifiquem a compra de um tablet com Honeycomb agora. E mesmo se você quiser muito um tablet, mas odeia Steve Jobs, a maçã etc. e tal, escute nosso conselho: é melhor esperar. Se você tem dinheiro sobrando e é um fã incondicional do robô, vá em frente por conta e risco. Mas saiba que comprar o Xoom hoje é mais um exercício de fé do que qualquer coisa: fé que o Google atualizará rapidamente, que os desenvolvedores entregarão apps específicos, que o Flash será atualizado com aceleração de hardware… No fim você terá um hardware bem decente, mas a verdade pura e simples é que o Android para tablets ainda é um produto inacabado. [Fotos e agradecimentos: Flávio Oota]