Trilogia “Rua do Medo” é uma minissérie gourmet – Crítica sem spoilers

Com sublime dose de violência explícita, os novos filmes da Netflix se perdem em fundamentar a cronologia reversa.
Imagem: Divulgação/Netflix (Montagem por Gizmodo Brasil)

A Netflix finaliza nesta sexta-feira (16) a exibição da trilogia de terror Rua do Medo. A base para as histórias são os livros de selo homônimo escritos por R.L. Stine, mais famoso nos Estados Unidos por GoosebumpsNa adaptação, vemos um grupo de adolescentes descobrir as origens dos assassinatos misteriosos na cidade de Shadyside, em uma maldição que dura três séculos. Os filmes foram lançados semanalmente, com títulos que indicam o ano em que se passam: 1994, 1978 e 1666.

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Especialmente em 2021, a Netflix apostou no calendário diferenciado, fazendo testes com suas produções originais, que às vezes funcionam bem. Desta vez, o principal demérito do produto é o formato. Rua do Medo foi batizado pela “progenitora” de streamings como um “evento de três filmes”, mas infelizmente não passa de uma minissérie gourmet. Os longas, em individual, não funcionam isolados: a história completa está ao longo da trilogia. Logo, temos uma série (mesmo que bastante curta), e não uma trilogia cinematográfica.

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No entanto, as apostas certeiras foram o cenário e as temáticas abordadas. O usuário que passar pelo banner ou ver um dos filmes como sugestão perceberá a tag de gênero LGBTQIA+. Um dos laços carregados pelos títulos é o das protagonistas Deena e Sam, interpretadas por Kiana Madeira e Olivia Welch, respectivamente.

Temos uma releitura poetizada de como a dupla queer é vista, em especial no tempo presente da série (1994). Assim como toda produção da Netflix que retrate personagens LGBTQIA+, vemos como muito mudou em contraste à nossa realidade atual e, ao mesmo tempo, como muito ainda está do mesmo jeito.

Direto ao que mais interessa no gênero: quando o assunto é terror, Rua do Medo entrega o prometido. Em 1994, há um serial killer urbano. O filme de 1978 resgata o gênero “slasher” (querendo ser) tradicional. Por fim, em 1666 temos fortes crenças e rituais. Sobre referências à cultura pop, temos de tudo: introdução no estilo Psicose, um stalker que age como Michael Myers, uma figura ameaçadora com um saco na cabeça como Jason Vorhees (Sexta-Feira 13) e machadadas na porta idênticas à cena famosa de Jack Torrance (O Iluminado).

Por sinal, o compositor da trilha de Rua do Medo é ninguém menos que Marco Beltrami, de Pânico. Em certo momento, temos uma referência direta ao filme Carrie, A Estranha, provando que a obra existe neste universo.

A trilogia também recompensa nos momentos-chave das eventuais perseguições. Diferente de slashers clássicos, vemos a facada atravessar de forma realista os membros da pobre vítima. É gore em várias cenas, sem deixar a desejar. Tanto é que, na primeira cena brutal, imediatamente fui rever a classificação indicativa, que era de 18 anos – e faz sentido, claro.

Rua do Medo não se contenta em se inspirar nas qualidades, pois as tradições ultrapassadas de terror oitentista também existem. O maior clichê é a estupidez dos personagens. É frustrante, mas funcionava (na época) quando o resto do filme tinha a mesma inocência e não exigia um espectador ativo.

Por sua vez, a forma de criar tensão para jumpscares – os “sustinhos” gratuitos – é como no filmes dos anos 2000: um barulho na escuridão, em meio ao silêncio absoluto, na verdade é causado pelo bicho de estimação, por exemplo. Ademais, pelo menos uma vez um dos heróis se safa com a técnica “salve Martha” de Batman vs Superman

Quem assistir 1994 pode aplicar a infalível lógica de que história se repete, então o ciclo de acontecimentos e toda a maldição parece ser inevitável. Logo, qual seria o motivo de os dois filmes seguintes estarem em cronologia inversa? Nisso, Rua do Medo tenta te capturar ao voltar no tempo, mostrando que o saldo das mortes e a “tradição” macabra não precisam continuar. É isso que os protagonistas tentam prever e é por isso que você deve assistir, caso esteja investindo na narrativa.

Em especial, o terceiro filme reinventa o relacionamento dos ancestrais, levando-nos ao século 17. Temos uma mistura dos atores dos primeiros filmes, em uma jogada antológica tal qual American Horror Story, que serve para justificar o que vimos nos outros dois, durante uma hora. O restante do tempo é fruto da única grande revelação imprevisível – pelo menos, não há pistas nos outros longas.

Porém, há momentos aonde a trilogia parece não saber o rumo que quer de fato seguir. Olhando o primeiro e terceiro filme, temos o núcleo de romance entre as duas garotas. Já o primeiro e segundo têm como conexão direta a relação entre uma das personagens (mais nova, no passado). Com isso, 1978 estando no meio de tudo isso poderia ser somente um flashback simples. A duração longa vira um tiro no pé, pois não há história e nem fôlego para te prender ao previsível.

Em suma, quem for maratonar Rua do Medo pode gostar muito mais do que o público que viu junto ao lançamento de cada “etapa” do processo. Cada um não funciona em individual, mas a obra toda tem potencial de ser satisfatória se apreciada de uma só vez.

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Os três filmes de Rua do Medo estão disponíveis na Netflix:

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