O game “Roblox“ quer simplificar a criação de jogos dentro da plataforma usando ferramentas de inteligência artificial (IA). Para isso, a empresa por trás do jogo apresentou, nesta segunda-feira (18), duas novas tecnologias: o configurador automático de avatar e o gerador de texturas. Ambos os recursos não exigem conhecimentos técnicos prévios e são totalmente gratuitos.
O Giz Brasil conversou com Stefano Corazza, head do Roblox Studio e líder de IA da empresa, sobre as novas ferramentas de criação. A seguir, explicamos como elas funcionam e, depois, trazemos a entrevista na íntegra.
“Roblox” está investindo pesado em IA neste ano
Desde fevereiro deste ano, todos os desenvolvedores têm à disposição um assistente de código — ferramenta que sugere linhas ou funções de programação para o jogo enquanto o usuário digita.
O estúdio Toya Play, por exemplo, testou o assistente durante os 11 meses que ficou em testes beta. Segundo o estúdio, o tempo economizado representou “meses de trabalho em toda a empresa”.
Com os novos configurador automático de avatar e o gerador de texturas alimentados por IA, a “Roblox” espera acelerar ainda mais a criação de conteúdos em 3D.
Em comunicado oficial, a companhia explicou que as novas ferramentas “ajudam os criadores a escalar mais rapidamente, eliminando etapas demoradas de configuração de avatar e texturização, reduzindo o tempo gasto em horas ou até mesmo dias e elimina a necessidade de dominar essas etapas”.
Gerador de texturas é rápido e inteligente
O gerador de texturas é bastante intuitivo, e funciona como um ChatGPT. Com ele, é possível gerar padrões de imagens a partir de comandos em texto rapidamente. A IA, inclusive, consegue identificar o modelo no qual a textura será aplicada e considera os elementos característicos, como os cantos afiados e a fechadura de um baú.
A ideia é que os criadores possam criar protótipos rápidos de visuais, trazendo facilmente novas texturas à vida e otimizando fluxos de trabalho. Há, porém, um limite de 25 visualizações e cinco gerações de texturas por dia, sem possibilidade de adquirir mais.
Na entrevista do Giz Brasil com Stefano Corazza, o executivo nos mostrou a ferramenta em ação com dois modelos em 3D: uma mochila e um lobo.
Para a mochila, pedimos para gerar a textura de uma “mochila de couro preto”. Em exatos 13 segundos, a visualização ficou pronta, e a ferramenta ainda aplicou uma textura dourada nos botões, fechos e zíperes da mochila.
O processo de exportação para “Roblox” demorou um pouco mais: 37 segundos. Em outras palavras, levou cerca de 50 segundos para gerar uma textura e aplicar no modelo. Esse processo feito manualmente pode levar horas.
Por se basear em inteligência artificial, as possibilidades de geração são quase infinitas. Para o lobo, pedimos para gerar a pele de um lagarto. Rapidamente, a ferramenta revestiu o animal com escamas verdes e detalhes brancos, o fazendo parecer uma iguana gigante.
No momento, o gerador de texturas está disponível em beta público, por meio do ambiente de desenvolvimento avançado da “Roblox”, o Roblox Studio.
Configurador automático de avatar pode economizar dias de trabalho
O configurador automático de avatar permite transformar qualquer malha de corpo em 3D em um personagem de “Roblox”. Ao importar um arquivo no formato correto, a tecnologia não só cria de forma automática a rig e a gaiola, como também faz o processo de skinning do modelo.
É possível, por exemplo, baixar a malha de um personagem que já existe e usá-la para configurar um avatar único. Durante os testes com Corazza, a ferramenta levou aproximadamente dois minutos e meio para fazer a adaptação, incluindo animações do corpo e rosto. No desenvolvimento manual, um avatar pode demorar dias para ficar pronto.
Diferentemente do gerador de texturas, o configurador automático de avatar se encontra em fase alfa inicial e ainda não pode ser testado pelo público.
“Roblox” quer eliminar barreiras na criação de jogos com IA
Deixamos logo abaixo a entrevista completa com o head do Roblox Studio e líder de IA da empresa, Stefano Corazza. Vale mencionar que as perguntas e respostas foram editadas para fins de clareza e concisão, sem alterar o sentido ou as falas.
1. Giz Brasil: Em primeiro lugar, gostaria de entender o trabalho por trás do modelo que alimenta a inteligência artificial generativa em “Roblox”. A empresa criou a tecnologia do zero? Como ela foi treinada?
Stefano Corazza: A IA é uma mistura de tecnologias internas e de terceiros. Com o tempo, estamos caminhando mais para o desenvolvimento interno. Nosso destino final é esse. Fizemos uma jornada em outros recursos de IA, como o assistente de códigos, no qual começamos a usar modelos de terceiros e agora estamos usando os nossos próprios. Basicamente, estamos ajustando e treinando modelos do zero, cada vez mais.
O gerador de texturas ainda é uma mistura da nossa tecnologia de IA e de terceiros que utilizamos. Neste caso, não utilizamos recursos da comunidade para treiná-lo. O lado positivo para a comunidade de criadores é que não há diferença entre criar uma textura manualmente ou usando IA, no sentido de que você tem a mesma propriedade daquela textura que foi gerada, e ela passa pelo mesmo processo de curadoria e moderação.
2. Giz Brasil: Como a “Roblox” lida com questões de direitos autorais ao treinar modelos de IA?
Stefano Corazza: Dissemos no ano passado que a nossa posição é: se formos usar quaisquer dados da comunidade, vamos solicitar. Então, temos feito isso desde setembro do ano passado, pedimos à comunidade que contribuísse com códigos, inicialmente, para treinar e aperfeiçoar o modelo do o assistente de códigos.
A comunidade contribuiu e, desde então, usamos essas experiências internamente. Sempre pediremos permissão à comunidade para que ela fale se podemos ou não usar os recursos. Assim, você sempre pode dizer para não usarmos um elemento, então só usaremos o que nos for permitido.
3. Giz Brasil: Existe um limite para a inteligência artificial de “Roblox”?
Stefano Corazza: Nós realizamos uma filtragem. Basicamente, verificamos qualquer coisa que seja inadequada. Queremos ter certeza de que as pessoas não estão digitando palavrões ou comandos potencialmente ofensivos.
Primeiro, pré-filtramos o prompt. Em seguida, quando o prompt está pronto e o resultado retorna, também verificamos para ter certeza de que não há nada de estranho acontecendo.
4. Giz Brasil: Falar sobre IA ainda é algo delicado no Brasil. De acordo com uma pesquisa realizada em todo o país com gamers no mês passado, 56% das pessoas temem um mundo dominado pela IA. Além disso, 58% acreditam que as ferramentas de IA generativa podem aumentar a desigualdade social, como resultado da substituição de empregos.
Por isso, muitos brasileiros se recusam a apoiar criações por IA. Como a “Roblox” enxerga esse tipo de comportamento? Vocês pensam em alguma abordagem diferente para esses casos?
Stefano Corazza: Sobre o medo, não é que a IA vá substituir criadores e desenvolvedores. Talvez os criadores e desenvolvedores que usam IA se tornem mais produtivos e competitivos do quem não a utiliza. Você tem razão sobre a desigualdade e é aqui que tomamos a decisão de sermos diferentes de muitas outras plataformas e ambientes de desenvolvimento de jogos que oferecem ferramentas de IA.
Queremos tornar todas as ferramentas de criação por IA gratuitas. Portanto, não importa onde você mora ou quanto dinheiro que você ganha na plataforma, todos têm acesso igual às nossas ferramentas de IA. Não só o gerador de texturas, como também o assistente de códigos estão disponíveis para todos igualmente em qualquer lugar do mundo.
Como você sabe, existem vários serviços de IA generativa que são pagos, incluindo alguns no ambiente de desenvolvimento de jogos, onde você paga US$ 30 por mês. E US$ 30 por mês é muito dinheiro. Nos países em desenvolvimento, em especial, é uma quantia enorme de dinheiro. Portanto, entendemos que isso aumenta a desigualdade. A nossa posição é caminhar na direção oposta e tentar democratizar e tornar a tecnologia acessível a todos.
Neste momento, estamos usando subsídios, e não é um investimento pequeno. Mas também estamos trabalhando duro para baratear a execução nos servidores, para que possamos oferecer mais serviços e ainda não ter ninguém pagando por isso.
5. Giz Brasil: Remover barreiras no desenvolvimento de jogos e deixá-lo mais acessível é algo positivo. É assim que abrimos espaço para mais diversidade e ideias criativas na indústria. Porém, quanto mais simples for o processo de criação, maior será o número de projetos ganhando vida todos os dias.
Na minha opinião, essa tendência pode criar um ambiente muito competitivo e até predatório entre as pessoas que ganham a vida publicando suas criações no “Roblox”. Como vocês planejam lidar com a monetização dos jogos, quando as tecnologias baseadas em IA estiverem disponíveis para o público?
Stefano Corazza: Quando há um aumento de produtividade, e isso aconteceu muitas e muitas vezes ao longo da história, vemos que o conteúdo fica muito melhor. Se você pensar nos tempos das mesas de luz, no caso da Disney, e de repente, isso evoluiu para a pintura digital com a ferramenta de desfazer. Isso foi uma grande melhoria, certo?
Portanto, nessas situações, vejo uma oportunidade de criar conteúdo melhor e mais atraente. Sim, haverá um ambiente mais competitivo no sentido de que a qualidade das criações será maior, mas isso será um ótimo resultado para usuários e jogadores.
Também descobrimos que os jogos estão mudando de algo que você gasta muito tempo, lança, faz sucesso momentâneo e depois decai com o tempo para um modelo em que você implementa o jogo mais cedo, recebe muito feedback e constantemente adiciona conteúdo para torná-lo mais divertido e revigorante.
Alguns de nossos criadores de maior sucesso gostam de aplicar atualizações semanais. Por isso, a IA ajudará a criar todo o conteúdo que torna os jogos atraentes e atualizados. Caso contrário, será muito difícil fazer isso com equipes menores. Então, acho que oferecer ferramentas de IA é permitir que pequenas equipes compitam com distribuidores maiores, deixando a brincadeira um pouco mais justa.
6. Giz Brasil: Na sua visão, com mais ferramentas de IA disponíveis para todos, quais são os aspectos mais importantes para um jogo fazer sucesso em “Roblox”?
Stefano Corazza: Acho que a IA está trazendo de volta ao centro da mesa ideias e narrativas, em vez de capacidades técnicas. As pessoas certas podem ideias incríveis, mas talvez não saibam como modelar em 3D, o que é uma habilidade muito difícil.
Se você pegar todos os artistas 3D, eu diria que 70% conseguem realmente modelar, talvez metade deles consegue texturizar, cerca de 2% podem manipular os modelos e 10% podem animar corretamente. Existem barreiras criadas por conhecimentos técnicas, e queremos removê-las para deixar ideias e narrativas fluirem.
Acho que, desta forma, vamos permitir às pessoas que têm ideias e conceitos brilhantes poderem transformá-los em realidade e construir experiências em torno disso. Achamos que ideias e a criatividade serão mais recompensadas, agora que o aspecto técnico está basicamente resolvido pela IA.