Texto: Sarah Schmidt/Revista Pesquisa Fapesp
Em junho de 2019, ao caminhar pelas praias da ilha vulcânica da Trindade, a 1.140 quilômetros (km) do litoral do Espírito Santo, a geóloga Fernanda Avelar Santos deixou-se atrair pelo brilho esverdeado de detritos parecidos com rochas espalhados pela areia. Ela estranhou: a cor destoava das rochas magmáticas de tons negro e do avermelhado da areia típicos da ilha.
De volta ao continente, ao analisar as amostras coletadas em um laboratório da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba, ela, com sua equipe, e colegas das universidades de São Paulo (USP) e Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) chegaram à conclusão de que eram rochas híbridas, formadas por sedimentos da praia, carapaças de animais mortos e plástico derretido, com diâmetros que variavam de 3 centímetros (cm) a 40 cm. As análises indicaram que são compostas por polietileno e polipropileno, dois polímeros sintéticos utilizados em embalagens e linhas de pesca.
“O lixo plástico se tornou um novo componente geológico da Terra com potencial para afetar a vida marinha, até mesmo de lugares distantes como a ilha da Trindade”, concluiu Santos. Administrada pela Marinha do Brasil e sem população fixa residente, a ilha e as águas que a circundam abrigam várias espécies de aves, peixes, baleias, tubarões e corais. As praias em que ela encontrou o que batizou de rochas de plástico, no Parcel das Tartarugas, são um dos principais locais no Brasil de desova da tartaruga-verde (Chelonia mydas).
Estima-se que os materiais plásticos podem ter chegado até lá nos últimos anos com as correntes marinhas. Não se sabe como poderiam ter derretido. “Eles não são nada mais do que lixo plástico que se funde com outros materiais. Em estudos feitos em outros países, esse tipo de material é formado pela queima do plástico em fogueiras”, observa ela. “Mas não parece ser o caso de Trindade.”
Santos e os colegas descreveram as rochas encontradas em um artigo publicado em setembro de 2022 na revista científica Marine Pollution Bulletin. Esse material foi descrito pela primeira vez em 2014 na praia de Kamilo, no Havaí, conhecida pelo acúmulo de redes, boias e embalagens plásticas, trazidas pelas correntes oceânicas. Em 2023, seis estudos relataram formações semelhantes nas ilhas Helgoland, no mar do Norte, na Europa, e das Aves, no Caribe, em praias na costa da Colômbia, da Indonésia e de Bangladesh e em um riacho na China.
Os três tipos
Os detritos plásticos podem ser de três tipos: plastitone, plastiglomerados e piroplásticos.
Por enquanto descrito apenas pelo grupo brasileiro, com poucos elementos naturais, o plastitone é quase inteiramente formado por plástico. “Eles têm textura e estruturas semelhantes às de rochas vulcânicas”, compara Santos.
Os plastiglomerados são análogos a rochas sedimentares, formados com materiais minerais ou orgânicos, como pedaços de rochas e conchas, aglomerados e cimentados pelo plástico derretido, mas em menor quantidade. Geralmente são ásperos e densos – algumas amostras chegaram a 2 quilogramas (kg).
Por fim, os piroplásticos podem ser originalmente uma das duas formações anteriores, mas já entrando em estado de erosão, com formas mais arredondadas. “As rochas desse tipo que estavam na praia foram erodidas principalmente pelas ondas”, observa Santos.
Na ilha da Trindade, pela primeira vez, combinações dos três tipos desses detritos plásticos foram achados em um mesmo afloramento. Por ali, é comum encontrar pedaços de rochas com mais de um desses tipos, misturados. “Na minha última visita à ilha, encontrei mais piroplásticos, o que indica que essas rochas já estavam mais erodidas e possivelmente liberando microplásticos [partículas de polímeros com menos de 5 milímetros]”, diz a geóloga (ver Pesquisa FAPESP nº 332).
No artigo, Santos defende que o termo rocha deva ser aplicado nesses achados e que esse tipo de formação seria mais um dos marcos do Antropoceno, uma nova era geológica caracterizada pelos impactos da humanidade sobre a Terra (ver Pesquisa FAPESP nos 243 e 307).
Impactos na vida marinha
“Da mesma forma que os detritos plásticos flutuantes, essas formações rochosas podem ser reservatórios de vírus, fungos e bactérias, incluindo os causadores de doenças”, comenta o biólogo marinho italiano Tommaso Giarrizzo, professor visitante da Universidade Federal do Ceará (UFC), que não participou do estudo. “Por causa da exposição ao sol, vento, marés e chuva, os materiais plásticos podem liberar compostos químicos eventualmente tóxicos para os organismos marinhos.”
Em Trindade, os organismos que vivem e se reproduzem nas poças da maré com fundo rochoso poderiam sofrer os maiores impactos, na avaliação do pesquisador. “As formações plásticas têm a capacidade de alterar drasticamente os hábitats desses organismos, comprometendo sua sobrevivência e afetando toda a cadeia alimentar marinha”, alerta.
Outro estudo reforça essa possiblidade. Publicado em junho na revista Scientific Reports, o trabalho relata cordas, fibras, tecidos, embalagens e tampas de plástico derretidas em plastiglomerados e piroplásticos encontrados em uma praia da ilha de Panjang, no mar de Java, na Indonésia. Os polímeros sintéticos tinham altas concentrações de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA), contaminantes tóxicos resultantes provavelmente da queima do lixo plástico a céu aberto.
“Esses novos tipos de poluição plástica podem ser um vetor importante para a contaminação química de hábitats costeiros próximos, como recifes de coral, pradarias de ervas marinhas e manguezais”, escreveram no estudo pesquisadores da Indonésia e da Alemanha.
Artigos científicos
SANTOS, F. A. et. al. Plastic debris forms: Rock analogues emerging from marine pollution. Marine Pollution Bulletin. v. 182, 114031. set. 2022.
UTAMI, D. A. et. al. Plastiglomerates from uncontrolled burning of plastic waste on Indonesian beaches contain high contents of organic pollutants. Scientific Reports. v. 13, 10383. jun. 2023.