Este tipo de história parece cada vez mais comum: uma grande cidade ficou sem água. Chennai, a sexta maior cidade da Índia que abriga 4,65 milhões de pessoas, está sofrendo com um severo déficit de água.
Os reservatórios se transformaram em regiões lamacentas e a cidade está se valendo de uma mistura de usinas de dessalinização e de água trazida por trens e caminhões de outras regiões.
A seca é indicativa de um série de questões que afetam cada vez mais o abastecimento de água, não apenas em Chennai, mas no mundo todo: má gestão, uso excessivo de água subterrânea e mudanças climáticas que viram o ciclo hidrológico de pernas para o ar.
No começo da semana passada, uma autoridade de Chennai disse à BBC que “apenas a chuva pode salvar a cidade dessa situação”. E embora tenha chovido na última quinta-feira (20), isso não foi suficiente para reverter a situação catastrófica na região.
Os moradores têm precisado de caminhões-pipa para suprir suas necessidades diárias, mas essa solução tem um custo muito alto. Raj Bhagat, gerente de cidades sustentáveis do World Resources Institute na Índia, disse ao Gizmodo que a escassez significa que as empresas de caminhões-pipa “vendem água a preços muito altos […] tornando difícil o acesso para as camadas mais pobres da população”.
A cidade ficou quase 200 dias sem chuvas, e após uma fraca estação de monções (que acontece entre outubro e dezembro) em 2018, os quatro reservatórios que abastecem a cidade começaram a definhar no começo deste ano.
Acrescente isso ao calor intenso que assolou a Índia em maio (embora o pior tenha acontecido ao norte de Chennai) e o processo de seca só piorou, pois a água evaporou sem formar nuvens.
As alterações climáticas têm uma influência nas ondas de calor, aumentando os riscos de maior evaporação na seca, sugando a umidade do solo. O aquecimento histórico também aumentou as temperaturas de Chennai em cerca de 1,3 graus Celsius nos últimos 60 anos, o que significa que, mesmo sem ondas de calor, a mudança climática está alterando o ciclo hidrológico.
Mas os problemas para o abastecimento de água de Chennai vão além da baixa precipitação.
“A questão que aflige Chennai é uma mistura de aumento de consumo e baixa precipitação durante 2018, durante as monções do nordeste”, disse Bhagat.”A cidade e sua região vizinha testemunharam um crescimento maciço em todos os setores ao longo do último século, o que resultou em enormes aumentos no consumo [de água]”, completou.
De fato, a cidade tem visto sua população crescer em porcentagens de dois dígitos por década desde 1940. O enorme crescimento aliado a um fraco planejamento levou a um sistema hídrico que é sobrecarregado e amplamente ineficiente.
A rápida urbanização também pavimentou superfícies outrora permeáveis, reduzindo as taxas de recarga de água subterrânea. A capacidade do reservatório de Chennai também permanece bem abaixo do necessário para atender à população, e não há um programa de medição de água em vigor, o que significa que os recursos hídricos já escassos não estão sendo monitorados para uso excessivo.
Em suma, é o conjunto perfeito entre os fracassos humanos e o clima mais severo. Juntos, esses itens criam enormes problemas para os moradores da cidade. Os gestores municipais têm procurado oferecer mais capacidade de dessalinização para lidar com futuras secas, mas Bhagat sugeriu que outros investimentos na infraestrutura hídrica poderiam render mais e ser menos dispendiosos.
Entre eles estão a captação de mais água da chuva, o início de um programa de reutilização da água, a melhoria da eficiência da irrigação ascendente para que mais água chegue aos reservatórios e a conservação de planícies de inundação e lagos.
Fazer esses tipos de escolhas será necessário para cada vez mais cidades, já que várias partes do mundo estão sofrendo com esse problema.
Na Cidade do Cabo, na África do Sul, os reservatórios se transformaram em pó no ano passado em uma prévia do que pode acontecer no futuro. A cidade evitou uma crise total por meio de um enorme programa de conservação de água e considerou a possibilidade de explorar aquíferos subterrâneos para evitar um “Dia Zero”, embora isso provavelmente causaria danos ambientais significativos.
São Paulo ficou sem água em 2015, também devido a uma seca debilitante e má gestão. Los Angeles, San Francisco e o resto da Califórnia sofreram uma seca de vários anos que só ficou para trás graças às chuvas recordes de 2018 e 2019, um padrão de inconstância que provavelmente se tornará mais frequente conforme o mundo aquece.
As guerras pela água estão batendo à nossa porta, e todas as cidades têm escolhas a fazer para mantê-las à distância.