Durante seu terceiro sobrevoo de Vênus, o Parker Solar Probe da Nasa registrou emissões de rádio naturais de dentro da atmosfera venusiana. A descoberta é a confirmação de que a atmosfera superior do nosso vizinho passa por grandes mudanças de acordo com o ciclo de 11 anos do Sol, fornecendo novos insights sobre este enigmático — e totalmente hostil — planeta semelhante à Terra.
A Parker Solar Probe foi projetada para estudar o Sol, mas alguns de seus melhores trabalhos até agora giraram em torno de Vênus. Lançada em 2018, a espaçonave está usando a gravidade do planeta para se aproximar cada vez mais do Sol. Esses sobrevoos eventualmente colocarão a Parker a 6,9 milhões de km de nossa estrela hospedeira, permitindo que a sonda estude os ventos solares e a coroa.
Essas assistências gravitacionais provaram ser frutíferas, já que os instrumentos da Parker estão sendo usados com inteligência para estudar Vênus. Os dados adquiridos pela sonda recentemente permitiram que os astrônomos capturassem nossa primeira visão completa do anel orbital de poeira de Vênus e — inesperadamente — espiar através das nuvens e visualizar a superfície tostada do planeta.
E agora, como mostra uma nova pesquisa publicada na Geophysical Research Letters, a Parker conseguiu descobrir emissões de rádio naturais de dentro da atmosfera venusiana. O especialista em Vênus Glyn Collinson, da Divisão de Ciências da Heliofísica do Goddard Space Flight Center da Nasa, liderou a nova pesquisa.
A Parker fez as leituras em 11 de julho de 2020, quando realizava seu terceiro sobrevoo de Vênus. Faz todo o sentido que os astrônomos estejam usando esses momentos para estudar nosso vizinho, pois ainda temos muito que aprender sobre este planeta, que é muito semelhante ao nosso em termos de tamanho, composição química e localização no sistema solar. Mas, notoriamente, enquanto a Terra está repleta de vida, Vênus é um inferno escaldante.
Uma possível razão para essa grande diferença é que a Terra possui um campo magnético protetor, e Vênus não. Nosso campo magnético pode ser um fator que contribui para a habitabilidade, pois impede que nossa atmosfera vaze para o espaço. Pelo menos, essa é a teoria. Por essa lógica, Vênus, sem campo magnético, deveria apresentar uma atmosfera que vaza para o espaço durante os períodos de intensa atividade solar. O problema é que as observações feitas por telescópios terrestres mostraram o oposto, revelando ionosferas mais finas — o topo da atmosfera — durante os períodos em que o Sol está menos ativo. Isso apresentou um grande quebra-cabeça.
É por isso que o terceiro sobrevoo de Vênus, no qual a Parker chegou a 833 km da superfície venusiana, foi tão importante, já que os cientistas não estavam totalmente certos sobre a confiabilidade dos dados de sensoriamento remoto. Por um período de sete minutos, a sonda fez medições da atmosfera superior de Vênus, usando seu instrumento FIELDS a bordo (esta ferramenta será usada mais tarde para estudar os campos elétrico e magnético do Sol). Ao contrário do rádio em seu carro, este instrumento varre simultaneamente as frequências em todo o espectro de rádio.
A princípio, Collinson não sabia o que fazer com os novos dados da Parker, mas depois se lembrou de ter visto algo semelhante no orbitador Galileo da Nasa, que explorava Júpiter e suas luas. O sinal detectado pela Parker foi exatamente como o sinal captado por Galileo quando a sonda passou pelas ionosferas das luas de Júpiter.
Collinson percebeu que a Sonda Solar Parker tinha realmente viajado pela atmosfera de Vênus, fornecendo a primeira medição direta da atmosfera venusiana em quase 30 anos. A sonda havia detectado emissões naturais de rádio de baixa frequência, que estão associadas a ionosferas planetárias — uma região atmosférica repleta de plasma ou gases carregados.
Essas emissões de rádio permitiram a Collinson calcular a densidade da ionosfera de Vênus, ou pelo menos a parte da ionosfera explorada pela Parker. Sua equipe comparou essas descobertas com os dados registrados pela Pioneer Venus Orbiter da Nasa.
Quando a sonda Pioneer visitou Vênus em 1992, o Sol estava perto do ponto máximo de atividade em seu ciclo solar de 11 anos. O “legal sobre Parker é que seu sobrevoo aconteceu seis meses após o mínimo solar”, explicou Collinson durante uma entrevista por telefone, o que lhe permitiu “localizar a ionosfera” durante este período, disse ele.
“Fomos capazes de provar matematicamente diferenças significativas entre esta atmosfera e aquela que a Pioneer viu há muitos anos”, acrescentou Collinson.
Como os dados mostraram, a atmosfera de Vênus parecia ser consideravelmente mais fina em comparação com as medições anteriores feitas durante o máximo solar, o que na verdade confirma as observações feitas por telescópios terrestres.
“Ao medir a frequência dessa emissão, podemos calcular diretamente a densidade da ionosfera ao redor da Parker, mostrando que ela é muito menos densa do que foi visto nas missões anteriores”, escreveram os cientistas em seu artigo. “Isso apoia a teoria de que a ionosfera de Vênus varia substancialmente ao longo do ciclo solar de 11 anos.”
De fato, a equipe foi “capaz de confirmar o que pensávamos anteriormente a partir das medições de sensoriamento remoto”, explicou Collinson.
Portanto, esse é um resultado muito bom, já que essa “variação era esperada”, disse Collinson, mas os cientistas planetários agora têm um grande mistério em suas mãos: por que isso acontece? Vênus, ao que parece, está sujeito a vazamentos atmosféricos, resultando na fuga de plasma para o espaço — mas não durante os períodos em que o Sol está mais ativo.
“Isso nos diz que realmente não temos um bom entendimento de como funciona o planeta irmão mais próximo da Terra”, disse Collinson. “Isso é uma indicação de que existe um planeta parecido com a Terra que experimenta grandes mudanças em sua atmosfera superior, revelando mecanismos que não entendemos totalmente.”
Collinson disse que os novos dados fornecem uma “pista tentadora sobre como Vênus funciona”, e devemos agora comparar isso a como as coisas funcionam aqui na Terra. Ao fazer isso, podemos descobrir “o que torna um planeta habitável e por que estamos aqui” e não em Vênus, disse ele.