Novo sistema de IA informa quando médicos devem tomar cuidados finais com pacientes

Usando um algoritmo de inteligência artificial que prevê a mortalidade de um paciente, uma equipe de pesquisa da Universidade Stanford espera melhorar os cuidados finais em pessoas criticamente enfermas. Em testes, o sistema se provou estranhamente preciso, prevendo corretamente a mortalidade de 90% dos casos. No entanto, embora o sistema consiga calcular se um paciente […]

Usando um algoritmo de inteligência artificial que prevê a mortalidade de um paciente, uma equipe de pesquisa da Universidade Stanford espera melhorar os cuidados finais em pessoas criticamente enfermas. Em testes, o sistema se provou estranhamente preciso, prevendo corretamente a mortalidade de 90% dos casos. No entanto, embora o sistema consiga calcular se um paciente pode morrer, ele não consegue dizer claramente aos médicos como chegou a essa conclusão.

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Prever a mortalidade é bem difícil. Os médicos devem considerar uma série de fatores, como a idade do paciente, histórico familiar de reação aos medicamentos e a natureza da doença em si. Para complicar o processo, os médicos devem lutar contra seus próprios egos, inclinações e uma relutância inconsciente ao avaliar as perspectivas de um paciente.

Hora de implementar cuidados paliativos

Isso expõe um problema para que haja um tempo certo para se iniciar os cuidados paliativos (práticas aplicadas a um paciente incurável que visam oferecer redução de sofrimento). Geralmente, quando um paciente provavelmente não vai viver em um período de até um ano, são iniciados tratamentos desse tipo. No fim das contas, os médicos trabalham para evitar dor, náusea, falta de apetite, dão suporte psicológico e moral, além de respeitar cuidados espirituais, culturais e sociais do paciente e de sua família.

No entanto, se um paciente é colocado sob cuidados paliativos antes da hora, ele provavelmente vai perder grande parte desse tratamento. E isso pode representar uma tensão desnecessária ao sistema de saúde.

“Com alguma frequência, doenças avançadas se transformam em uma crise médica, e os pacientes acabam indo para a UTI. Lá, pode ocorrer um impulso de eventos, resultando em intervenções cada vez mais agressivas que, geralmente, não são boas para o paciente e nem para a família”, disse Ken Jung, cientista de Stanford e um dos coautores do estudo, ao Gizmodo.

“Um dos objetivos da equipe de cuidado paliativo é conversar com os pacientes, de modo que eles possam pensar e articular suas preferências antes que haja uma crise. Note que esse tipo de cuidado é apropriado mesmo se o paciente não estiver em perigo de morte no período de um ano — para nossos propósitos, mortalidade é uma forma conveniente de dizer ‘uma pessoa muito doente e que possivelmente se beneficiaria ao ter este tipo de conversa’.”

Jung diz que essas necessidades inconvenientes foram reconhecidas há algumas décadas com pesquisas que mostram que 80% dos americanos gostariam de morrer em casa — mas apenas 35% conseguiram tal feito. Ele diz que a situação melhorou um pouco, mas “ainda há um longo caminho pela frente”.

Tecnologia para prever probabilidade de morte

É importante se ater ao tempo correto, e, por essa razão, Anand Avai e sua equipe de Stanford desenvolveram este sistema de inteligência artificial. O algoritmo para prever a morte é uma ferramenta para melhorar a precisão de prognósticos. Além de melhorar o timing para cuidados paliativos, o sistema pode também aliviar a carga sobre os médicos quando tentam prever os resultados de cuidados paliativos, que são algo trabalhoso e que levam um bom tempo.

“O problema que tentamos resolver é que apenas uma pequena fração dos pacientes pode se beneficiar dos cuidados paliativos que recebe — em parte pelo fato de ser identificado tarde demais, e em parte por causa da falta de pessoas no serviço de cuidado paliativo para proativamente identificar esses casos o quanto antes”, disse Avati ao Gizmodo. “Isso é exatamente a questão que queremos combater.”

O sistema usa uma forma de inteligência artificial conhecida como deep learning, em que uma rede neural aprende ao analisar uma quantidade imensa de dados. Nesse caso, o sistema foi alimentado com informações de prontuário eletrônico de crianças e adultos internados no hospital de Stanford e no hospital infantil Lucile Packard. Após analisar dois milhões de registros, os pesquisadores identificaram 200 mil pacientes adequados para o projeto.

Os pesquisadores estavam “agnósticos” quanto ao tipo de doença, estágio da doença, gravidade da internação (se está na UTI ou não) e assim por diante. Todos esses pacientes tinham casos semelhantes, incluindo diagnóstico, número de exames ordenados e tipos de procedimentos realizados, além de números de dias que ficaram no hospital, remédios administrados, entre outros fatores.

O algoritmo de deep learning estudou registros de 160 mil desses 200 mil e recebeu a seguinte ordem: “Considerando um paciente e uma data, prever a mortalidade do paciente em um período de 12 meses a partir de sua entrada no hospital, usando dados de prontuário eletrônico do ano anterior.” O sistema foi treinado para prever a mortalidade de um paciente entre três meses e um ano. Pacientes com menos tempo de vida que três meses não foram considerados, pois não haveria tempo suficiente para preparar cuidados paliativos.

Programado com essa nova capacidade, o algoritmo passou a avaliar os 40 mil pacientes restantes e fez um ótimo trabalho, prevendo a mortalidade de pacientes entre 3 e 12 meses em nove a cada dez casos. Cerca de 95% dos pacientes avaliados com baixa probabilidade de morrer durante aquele período viveram mais de 12 meses. O estudo piloto foi um sucesso, e os pesquisadores esperam que o sistema seja melhorado e aplicado de forma mais abrangente.

“Esta é uma sofisticada ferramenta de triagem para melhorar o cuidado paliativo usando o prognóstico como um indicador”, afirmou Stephanie M. Harman, professora de medicina na Universidade Stanford e uma das coautoras deste novo estudo, em entrevista ao Gizmodo. “A intenção não é comunicar as pessoas quando elas vão morrer”, explicou, ressaltando que o sistema resolve o problema de “identificar pacientes graves que ainda não tiveram tratamento paliativo”.

Sobre isso, observou Jung: “Nós acreditamos que essa abordagem é fundamental para o uso seguro, efetivo e ético de machine learning em um contexto clínico. Fora de casos de aplicações super nichadas, como a nossa, pensamos que é sempre melhor deixar as pessoas informadas sobre o processo”.

Durante o estudo, os pesquisadores descobriram várias falhas no sistema que deverão ser corrigidas antes de voltar a funcionar novamente.

“Por exemplo, pode ser difícil achar uma hora exata e um local para os médicos responsáveis pelo cuidado paliativo terem uma conversa com a equipe do hospital em tempo hábil”, disse Jung. “Um outro detalhe durante o estudo é que nós descobrimos que alguns dos dados que achamos que estariam disponíveis no sistema não estão — pelo menos a tempo de serem usados.”

Jung disse que o estudo foi um esforço de resolver repetidamente os problemas para ver se rodaria sem percalços e se o trabalho iria para a direção desejada.

O problema da “caixa preta”

Embora o sistema possa fazer um prognóstico e alertar profissionais do sistema de saúde sobre a necessidade de cuidados especiais, ele não consegue dizer ao médico de onde vem esse prognóstico ou de qual tipo de tratamento o paciente necessita. Essa é uma situação parecida com o Alpha Go, da Deep Mind, que agora é capaz de derrotar os grandes mestres de xadrez e do jogo Go.

Especialistas dizem que o sistema faz movimentos “esquisitos” e imprevisíveis, deixando os mestres desses jogos completamente perplexos. Isso é o que os desenvolvedores de inteligência artificial chamam de problema da “caixa preta” — quando uma máquina vem com uma resposta ou uma solução para um problema, mas sem um método óbvio sobre como ela chegou a essa conclusão.

Felizmente, as decisões do algoritmo dos pesquisadores de Stanford podem ser estudadas. Escrevendo para o The New York Times, o médico Siddhartha Murkherjee explica:

Ainda assim, quando você se intromete para abrir a porta e olhar um caso em específico, você se depara com padrões esperados e inesperados. Um homem atingiu uma pontuação de 0,946 para possibilidade de morrer em poucos meses. Ele teve câncer de próstata e na bexiga, passou por 21 exames e ficou hospitalizado por 61 dias — todos esses fatores foram marcados pelo algoritmo como sinais de morte iminente. No entanto, foi colocado muito peso no fato de os exames terem sido feitos na coluna vertebral e que um cateter foi colocado em sua medula espinhal — fatores que podem não ter sido identificados como indicadores de morte (só depois eu percebi que uma ressonância magnética na medula espinhal era o sinal mais provável de que havia um câncer no sistema nervoso — um local mortal para metástase).

Então, a boa notícia é que devemos conseguir aprender com as conclusões desse algoritmo, só precisamos entendê-lo melhor.

“Nós acreditamos que este modelo ‘caixa preta” pode levar médicos a tomarem melhores decisões, mas apenas se eles mantiverem a expertise humana no processo, trazendo contexto sociais, clínicos e pessoais”, afirmou Nigam Sha, um coautor do estudo, ao Gizmodo.

O bom disso é que o sistema pode ser tornar ainda melhor. Por ora, ele só foi “alimentado” por dados de dois hospitais, o que é limitado. Com mais dados, o sistema poderá analisar informações mais diversas e usar modelos de deep learning mais sofisticados que sejam específicos para tal tarefa.

Uma pré-impressão do estudo “Improving Palliative Care with Deep Learning” (“Melhorando o cuidado paliativo com deep learning”) está disponível no arXiv.

[New York TimesIEEE Spectrum]

Foto do topo por AP

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