Testes genéticos ajudaram muitas pessoas a descobrir sua ancestralidade, e alguns serviços até ajudam os usuários a encontrar parentes distantes. Mas um novo estudo publicado nesta semana na revista Science sugere que as informações enviadas para esses serviços podem ser utilizadas para descobrir a sua identidade, independente do fato de você ter se voluntariado ou não a oferecer o seu DNA a eles.
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Caso de polícia
Os pesquisadores por trás do estudo se inspiraram no caso recente do Golden State Killer, um assassino em série que matou pelo menos 13 pessoas, cometeu mais de 50 estupros e 100 roubos na Califórnia, entre 1974 e 1986. Ele só foi preso em 2018, graças a provas de DNA e bases de dados de genealogia.
Investigações forenses tradicionais geralmente se baseiam na combinação de certos trechos do DNA, chamados de repetições curtas em tandem, para chegar a um suspeito. Mas esses trechos só permitem à polícia identificar uma pessoa ou seus parentes mais próximos em bases de dados muito bem regulamentadas.
Graças à nova tecnologia, os investigadores do caso do Golden State Killer isolaram materiais genéticos, que agora são coletados por empresas de testes genéticos para consumidores, do DNA que o suspeito havia sido deixado em uma cena de crime. Eles então buscaram por combinações de DNA dentro dessas bases de dados públicas.
Com essa informação e outros registros históricos, como obituários de jornais, os investigadores criaram uma árvore genealógica dos ancestrais do suspeito e outros parentes. Depois de se concentrar em potenciais suspeitos, incluindo o ex-policial Joseph James DeAngelo, de 72 anos, os investigadores coletaram uma nova amostra de DNA de DeAngelo – e ela que combinava perfeitamente com o DNA da cena do crime.
E embora o trabalho utilizado pelos detetives para descobrir os crimes supostamente cometidos por DeAngelo tenha sido muito esperto, alguns especialistas em privacidade genética estão preocupados com implicações maiores relacionadas a esse método. Entre os especialistas está Yaniv Erlich, engenheiro da computação da Universidade de Columbia e chefe da divisão de ciência da MyHeritage, um serviço de testes genéticos e de ancestralidade para consumidores baseado em Israel.
Preocupação com privacidade
Erlich e sua equipe querem ver o quão fácil seria utilizar esse método para saber a identidade de uma pessoa utilizando apenas o DNA de familiares distantes e possivelmente desconhecidos. Para isso, eles investigaram dados de mais de 1,2 milhão de pessoas anônimas que fizeram testes na MyHeritage, e excluíram especificamente quaisquer pessoas que tinham familiares dentro da base de dados. A ideia era descobrir se o DNA de um estranho poderia, de fato, ser utilizado para descobrir a sua identidade.
Eles descobriram que mais da metade dessas pessoas tinham parentes distantes – primeiros de terceiro grau ou mais – que poderiam ser encontrados em suas pesquisas. Para pessoas com ascendência europeia, que correspondiam a 75% da amostragem, os autores conseguiram encontrar também um primo de segundo grau.
De forma similar aos investigadores do Golden State Killer, a equipe descobriu que eram capazes de traçar a identidade de alguém a partir da base de dados com relativa facilidade ao usar informações de parentes distantes e outros dados demográficos que não eram tão específicos, como a idade do alvo ou o possível local de residência.
Em um caso específico, eles conseguiram fazer uma referência cruzada de um perfil genético anônimo de uma mulher a partir de outro projeto de pesquisa (do mesmo serviço usado pelos investigadores do Golden State Killer, um site chamado GEDmatch) e então descobriram a identidade dela.
A mulher tinha sido identificada em um outro estudo conduzido por Erlich, em que ele usou um outro método, que se valia de descobrir o perfil genético de seu marido. A nova busca foi ainda mais fácil e exigiu menos informações prévias do que o método utilizado anteriormente.
Para Erlich, as descobertas são encorajadoras e assustadoras ao mesmo tempo.
“É claro, existem boas notícias aqui. Se alguém fez algo errado por aí, então [as autoridades] conseguirão pegar ela”, disse ele ao Gizmodo. “Mas seguindo esse caminho, conforme as coisas vão evoluindo, podem existir pessoas que utilize esse método por razões ilegítimas”.
Regulamentação
Isso pode incluir cientistas que queiram tentar identificar voluntários de pesquisas de outros projetos, bem como empresas e indivíduos que podem tentar levantar e vender suas informações em outro lugar. Outra preocupação é a discriminação genética.
Erlich disse que existem maneiras para impedir o potencial mau uso dessas bases de dados. Agências como o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos possuem regulamentações para pesquisas financiadas pelo Estado e que envolvam humanos. Conhecida como regra comum, uma revisão dessas diretrizes deveria ser implementada em 2017, mas elas não terão efeito completo até 2019.
A regra comum revisada atualmente não considera os nossos genomas como informações identificáveis, mas Erlich aposta que o Departamento pode mudar esse status conforme a tecnologia avançar. Isso pode impedir que cientistas inescrupulosos, que poderiam perder o financiamento do Estado, fossem pegos tentando roubar as identidades das pessoas.
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Serviços de testes genéticos poderiam dar os seus próprios passos para proteger os seus consumidores. Eles poderiam criptografar dados genéticos brutos com assinaturas criptografadas, uma técnica defendida por outros cientistas preocupados com privacidade genética. Serviços de genealogia poderiam então rodar pesquisas em suas bases de dados somente se uma consulta for confirmada como proveniente de um cliente (como complemento do artigo, os pesquisadores publicaram um código-fonte de demonstração para essa assinatura no GitHub).
Em um mundo ideal, as autoridades ainda poderiam ter acesso a esses serviços, mas somente após obter permissão explícita, que poderia ser obtida por meio de um mandado. Do jeito que está, o MyHeritage não permite que pesquisadores ou autoridades utilizem seu serviço de genealogia sem permissão, e de acordo com a empresa, ninguém obteve essa permissão até o momento.
“Precisamos pensar sobre a supervisão, sobre freios e contrapesos, agora, antes que essas preocupações concretas apareçam”, disse Erlich.
Ainda que os detalhes ainda estejam sendo trabalhados, é quase certo que todos nós precisaremos que nossas informações genéticas sejam protegidas, mesmo se você decidir recusar um presente bem intencionado de um teste de DNA grátis.
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De acordo com os pesquisadores, são necessários apenas cerca de 2% de uma população adulta com seu DNA analisado em um banco de dados para que seja teoricamente possível rastrear parentes distantes de qualquer um, a partir de uma amostra de DNA desconhecido. Com isso, eles poderiam, portanto, descobrir sua identidade. E estamos chegando cada vez mais perto desse ponto de inflexão.
“Uma vez que cheguemos a 2%, praticamente todo mundo terá uma combinação com um primo de terceiro grau, e uma quantidade substancial de pessoas terão uma combinação com um primo de segundo grau”, explicou Erlich. “Minha previsão é de que para pessoas com ascendência europeia, chegaremos a essa marca dentro de dois ou três anos”.
Para os que estão preocupados com possíveis delitos do passado, saiba que já existe muito com o que se preocupar. Os autores apontam que mais autoridades americanas estão começando a adotar essa técnica. Desde abril, pelo menos 13 casos criminais foram resolvidos com a ajuda de pesquisas genealógicas. E embora a maioria envolvesse casos antigos, a técnica também está sendo utilizada para encontrar suspeitos de crimes que ocorreram neste ano. Empresas privadas de testes forenses também anunciaram recentemente suas próprias varreduras de casos antigos, usando uma técnica similar.
O que isso significa para você? Se você quer proteger a sua privacidade genética, a melhor coisa a fazer é lutar por proteções e regulamentações legais mais fortes. Mesmo que você não tenha feito esses testes de DNA, alguém, em algum lugar, provavelmente conseguirá descobrir o seu traço genético e chegar até você.
[Science]
Imagem do topo: PDPics (Pixabay)